Este texto seguiu de perto o capitulo Vivere la fraternità, do livro "La gioia di viverei il Vangelo", de Michel Hubaut, OFM, publicado pelas Edizioni Messaggero de Padova, p. 22-33
Frei Almir Ribeiro Guimarães,OFM (*)
1. O Documento final do Capítulo da OFS de Manaus pediu que fosse feito um esforço de revigoramento das reuniões mensais e da vida fraterna. O tema da fraternidade é vasto e complexo. Não é finalidade deste texto refletir sobre todos os seus aspectos e implicações. Desnecessário lembrar e frisar que a dimensão da fraternidade perpassa toda a Regra e colore o projeto de vida dos seculares. Constituímo-nos em Fraternidades. Somos Fraternidades da Ordem Franciscana Secular.
2. Ser irmão significa não querer dominar, mas servir. Uma das palavras-chaves da espiritualidade franciscana é servir. Nos escritos de Francisco encontramos mais de cinqüenta vezes o verbo servir e perto de vinte vezes o substantivo servo. Belo e sugestivo o que Francisco escreve: “Neste gênero de vida, nenhum irmão tenha poder ou dominação, principalmente entre si. Pois, como diz o Senhor no Evangelho: Os príncipes dos povos os dominam e os que são maiores exercem poder sobre eles, assim não será entre os irmãos. Mas todo aquele que quiser tornar-se maior entre eles, seja ministro e servo deles. E quem entre eles é o maior, faça-se como menor” (...) “E nenhum irmão faça ou fale mal do outro. Antes, pelo contrário, sirvam e obedeçam de boa vontade uns aos outros na caridade do espírito” (Regra não Bulada 5,12-17).
“E ninguém se chame prior mas, neste gênero de vida, todos se chamem irmãos menores. E um lave os pés dos outros”( Regra não Bulada 6,3).
3. Os relacionamentos fraternos entre os discípulos de Francisco situa-se na linha dos servidores. Na experiência do Poverello, em sua juventude, ele compreendeu que os relacionamentos humanos eram marcados pela dialética do padrão e do empregado, do forte e do fraco, do superior e do inferior. Sabemos que a mesmo impulso nos ronda: a grande tentação do poder, ser o maior, o mais inteligente, o mais brilhante, o mais forte, em resumo, o primeiro. Normal que as pessoas queiram avançar e progredir. Francisco compreendeu claramente que esse desejo fundamental de afirmar-se tem como perversão o desejo do domínio e da apropriação. Somos todos capazes de fazer uma lista de exemplos concretos disso no campo profissional, nos relacionamentos nacionais e internacionais e mesmo nos ambientes eclesiais. Nossa sociedade, baseada na competição e competitividade, é feita para os lobos e não para os fracos e débeis. No Evangelho, notamos a vontade de brilhar dos filhos de Zebedeu. Francisco quer construir sua nova fraternidade baseada na idéia do serviço. Para ele, converter-se à fraternidade significa passar gradualmente do dominador que dorme em cada um de nós ao servo dos irmãos.
4. Francisco fará do mútuo serviço, vivido em minoridade, na igualdade, na simplicidade, na humildade um dos fundamentos da fraternidade. Ele sabe que cada grupo humano precisa de pessoas responsáveis pelo seu andamento. Mas sua autoridade não pode ser um poder de domínio, mas um serviço. “Os ministros acolham os irmãos com caridade e benevolência. Tenham-lhes tanta familiaridade que os irmãos possam lhes falar e proceder como senhores para seus servos. Pois assim deve ser que os ministros sejam servos de todos os irmãos” (Regra Bulada 10,5-6).
5. Servir significa partilhar com confiança. Para Francisco ser irmão significa querer servir os outros. Isso pressupõe que conheçamos suas necessidades. Fraternidade é um lugar onde cada pessoa pode dar, pedir e receber. “Onde quer que estejam os irmãos, mostrem-se familiares uns com os outros. E cada um manifeste ao outro com confiança suas necessidades, porque como uma mãe nutre e ama seu filho carnal com mais cuidado não deve um amar e nutrir seu irmão espiritual? E se algum cair doente que os irmãos o sirvam como gostariam de ser eles mesmos servidos” (Regra Bulada 6,79). Francisco fala da pobreza e da fraternidade no mesmo texto. Não se pode dissociar fraternidade e pobreza. O pobre é alguém que se encontra na necessidade. Todos somos pobres de alguma coisa. Para cobrir esta pobreza, o Senhor nos dá irmãos e irmãos que nos complementam. Tornamo-nos como transmissores das atenções de Deus para com nossos irmãos e irmãs. O homem satisfeito consigo mesmo nunca será irmão. A fraternidade supõe pessoas que, ao mesmo tempo, dão e recebem. Se no casal, na sociedade e em nossos grupos apenas recebemos não existe fraternidade. O paternalismo gera seres infantis e assistidos e não irmãos e irmãs.
6.Francisco privilegia a imagem da mãe. Características do amor maternal: ternura vigilante, intuição, devotamento. Francisco fala do amor espiritual para significar que não estamos num ajuntamento qualquer, mas na força do Espírito que une e cimenta os relacionamentos.
7. A fraternidade é o primeiro lugar de nossa conversão. É no nível dos relacionamentos que se exercita e se verifica nossa vida de fé. Desde o momento do encontro com o leproso Francisco sabe que converter-se ao Evangelho é, antes de tudo, sair de si mesmo. Uma fraternidade com os mais simples... encontra-los, servi-los, viver com eles. Nesse dia, ele descobre a fraternidade. Mais tarde haverá de compreender que o Cristo fez a mesma opção, ou seja, viver a singeleza e pobreza do ser humano. Cristo sai de si mesmo. Cada manhã podemos fazer a escolha de sairmos de nós mesmos e caminhar na direção do Senhor e dos outros. A vida de fé é sempre uma saída de si, sempre um êxodo na busca de uma maior felicidade.
8. Os irmãos que o Senhor nos dá constituem um convite à conversão. Eles nos instigam a que nos superemos. Sua maneira de ser e a convivência com eles nos revelam quem somos nós. Os relacionamentos entre as pessoas são um lugar de prova, de verificação onde cada um faz a verdade. Não se pode trapacear com aqueles que vivem todo o tempo conosco. Os irmãos me fazem descobrir meu pecado: inveja, bloqueios, trevas, pobreza, incapacidade de amar de verdade sem dobrar-me sobre mim mesmo. Somente a pessoa que faz a verdade de si pode ser irmão.
9. Os que buscam uma fraternidade ideal (ou um casal ideal) é quem vive na ilusão e não na verdade. Sonha com uma fraternidade ideal e não a constrói cada dia. Um dos fundamentos da fraternidade é assumir as grandezas e as misérias dos outros. O mistério da cruz está plantado no seio das fraternidades e do casal. A vida fraterna será um sucesso se for uma vitória cotidiana, vitória do Espírito, sobre o caos do pecado.
10. A fraternidade evangélica não existe ainda. Está sendo construída. É uma história, uma utopia criativa, uma tensão fecunda. Cada um de nós não cessa de converter-se ao amor fraterno. Onde quer que homens e mulheres desejem viver a fraternidade evangélica sempre se erguerão forças caóticas para destruí-la. Podemos designá-los de diabo, trevas ou o simplesmente o mal. Não se vive a fraternidade “como reserva celeste”. Em todas as comunidades há doentes, velhos impotentes, pessoas difíceis... que constituem uma parte do povo que marcha na direção de Deus.
11. Não se vive a fraternidade como espaço idealizado. Francisco viveu a fraternidade como um lugar pascal. Nela encontrou suas maiores alegrias, mas também grandes sofrimentos. Ali, desta maneira, ele entrou na verdadeira pobreza evangélica.
Concluindo
● Nossas fraternidades constituem nossa riqueza e nosso patrimônio.
● Há nelas um pulular de talentos.
● Quando se fecha uma fraternidade, via de regra, o motivo foi a negligência no campo do fraternismo.
● Histórias aquecem histórias, histórias aquecem histórias.
Pontos práticos a respeito das reuniões e vida fraterna
1. Nossa riqueza são nossas fraternidades concretas: os talentos de tantos que não podem ser desconsiderados. Pobres são as fraternidades em que apenas alguns circulam pelos seus espaços.
2. Todos precisam participar da vida da fraternidade. É sinal de doença quando fraternidades não têm candidatos para os serviços necessários.
3. Atenção toda especial deve ser dada no sentido de que não haja faltas às reuniões e que os afastados sejam buscados. Os que faltam à reunião serão convidados a justificar a ausência com antecedência.
4. Sinal de fraternidade é a correponsabilidade na contribuição financeira.
5. Certamente será fundamental valorizar a reunião geral. Esta precisará de revestir de alguns elementos:
● Realizá-la respeitando seus tempos: oração, estudo e confraternização. Nunca ela pode ser ocasião de tédio. Todos precisam ter vontade de voltar no mês seguinte.
● Não durar nem demais, nem de menos.
● Pedir pontualidade.
● Realizá-la em lugar marcado por certa beleza…
● Inventar mecanismos para que os irmãos se encontrem em outros momentos, sem obrigação e coação.
● Fazer uma reunião opcional para estudo e oração.
● Fazer de dois em dois ou mais os trabalhos pastorais.
● Cuidar que algumas vezes a fraternidade tenha celebração eucarística própria.
● Que o maior número de irmãos tenham tarefas na reunião mensal ou em outros momentos da vida da fraternidade. Ninguém se sinta aposentado.
6. Necessário preparar os irmãos para os cargos e serviços.
7. Fazer reuniões de tal modo que sejam convidados umas duas vezes por ano familiares, filhos, netos e amigos.
8. Quando as fraternidades são grandes há o costume de se dividir a mesma em grupos de vivência fraterna, orante e de estudo.
9. Cuidar carinhosamente da visita aos irmãos enfermos e idosos.
(*) Frei Almir Ribeiro Guimarães, OFM, Assistente Nacional pela OFM e Assistente Regional do Sudeste II
Extraído de http://www.franciscanos.org.br/v3/almir/artigos/ofs/10.php acesso em 23 nov. 2009.
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