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domingo, 31 de março de 2013

CRISTO RESSUSCITOU, ALELUIA!





CRISTO RESSUSCITOU, ALELUIA!

Hoje Cristo ressuscitou e com Ele nós também ressuscitamos, essa é a grande certeza que Deus, nosso Pai, nos dá por meio da fé; certeza de uma vida feliz com Ele aqui e na eternidade para onde nos encaminha por Seu Filho Jesus Cristo e o Espírito Santo derramado em nossos corações.

De fato, nossa maior alegria é saber que a morte não tem mais poder sobre nós, porque o poder da ressurreição do Senhor a venceu e nos abriu as portas do paraíso, onde nos espera a herança eterna por uma vida de obediência e fidelidade, em resposta à bondade do Senhor, que nos outorgou em seu amor a liberdade dos justos, a paz dos eleitos, longe de todos os males e preconceitos deste mundo tenebroso.

Cristo Ressuscitou, aleluia! Cristo ressuscitou, aleluia! O Senhor ressuscitou para que vivamos nova vida por sua ressurreição. Eis o que nos ensinou São Paulo:”O amor de Cristo nos constrange, considerando que, se um só morreu por todos, logo todos morreram. Sim, ele morreu por todos, a fim de que os que vivem já não vivam para si, mas para aquele que por eles morreu e ressurgiu. Por isso, nós daqui em diante a ninguém conhecemos de um modo humano. Muito embora tenhamos considerado Cristo dessa maneira, agora já não o julgamos assim. Todo aquele que está em Cristo é uma nova criatura. Passou o que era velho; eis que tudo se fez novo!” (2Cor 5,14-17).

Portanto, como eleitos de Deus pela ressurreição do Seu Filho, renovemos sem cessar o sentimento de nossa alma, revestindo-nos do homem novo, criado à imagem de Deus, em verdadeira justiça e santidade. (cf. Ef 4,2-24).

Feliz Páscoa!

Paz e Bem!

Frei Fernando Maria,OFMConv.


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sábado, 30 de março de 2013

AS INVOCAÇÕES DA LADAINHA DE NOSSA SENHORA (XXIV)





AS INVOCAÇÕES DA LADAINHA DE NOSSA SENHORA (XXIV)

Rainha dos Apóstolos

O Messias é carne de minha carne e sangue do meu sangue, gerado pelo Espírito Santo em meu seio virginal. Somente Maria Santíssima pôde proclamar essa verdade, como Verdade Definitiva (cf. Lc 2,1-21), e a Igreja a confirmou (cf. LG, Cap. VIII); pois foi por essa verdade que toda a humanidade conheceu Deus pessoalmente, por meio do seu Filho, Jesus Cristo. Assim, pelo sim de Maria, o Verbo se fez Carne e habitou no meio de nós; fundou a Igreja, seu Corpo Místico, sob os apóstolos e sua Mãe, presentes no dia de Pentecostes quando o Espírito Santo foi enviado de sua parte, conforme prometera. Desse modo, Maria é a mãe da Igreja, mãe dos apóstolos e de todos os filhos da Igreja que nasceram do Sacramento do batismo.

Ora, no Evangelho de São João, antes de sua morte, Jesus já havia anunciado essa verdade que se cumpriu em Pentecostes:”Junto à cruz de Jesus estavam de pé sua mãe, a irmã de sua mãe, Maria, mulher de Cléofas, e Maria Madalena. Quando Jesus viu sua mãe e perto dela o discípulo que amava, disse à sua mãe: 'Mulher, eis aí teu filho'. Depois disse ao discípulo: 'Eis aí tua mãe'. E dessa hora em diante o discípulo a levou para a sua casa”. (Jo 19,25-27). Portanto, Jesus é o soberano do céu e da terra e Maria, sua mãe, é a Rainha, não somente dos apóstolos, mas também de todos os filhos e filhas de Deus, participantes do Reino dos Céus.

Rainha dos Mártires

A grandeza dos mártires se encontra no seu testemunho de sangue, pois são capazes da dá a vida pela causa que defendem, por isso, não temem a morte, porque sabem que sairão vitoriosos dessa batalha espiritual, por sua total doação a Deus. Maria Santíssima, em seu martírio de dor, sofreu o martírio com seu Filho, Jesus, oferecendo-o ao Pai em expiação pelos nossos pecados. Todos os mártires têm no martírio de Jesus e de Maria o seu fundamento; porque ser mártir não é uma simples decisão pessoal, mas é uma escolha divina que lhes dá a honra de imitar perfeitamente Jesus Cristo em sua morte de cruz.

O Reino de Deus é também Reino dos Mártires, e Jesus, por ser o Rei dos Mártires, nos deu sua Mãe, mártir consigo em seu suplício de dor, para ser a Rainha de todos os que dão a vida pela causa do Reino; nesse sentido, todo aquele que se entrega a Deus sofre com Jesus e Maria, o martírio da fé, pois renunciam a si mesmos para carregar sua cruz com Jesus. Eis o que escreveu São Paulo na Carta aos Romanos:”Ou ignorais que todos os que fomos batizados em Jesus Cristo, fomos batizados na sua morte?” (Rom 6,3). Assim, o batismo nos torna mártires da fé por seguirmos o mesmo propósito de Jesus e de sua Mãe santíssima, a obediência perfeita à Vontade do Pai.

Rainha dos Confessores

Confessar a fé é dizer com suas palavras e confirmar com sua vida que Jesus Cristo é o Senhor, a quem ama, adora e serve publicamente sem receio algum nesse seu seguimento. O testemunho mais perfeito da união com Jesus e do seu seguimento o deu Maria Santíssima, pois, é isso que ela nos ensina, quando disse:”Eis aqui a serva do Senhor. Faça-se em mim segundo a tua palavra”. (Lc 1,38). E ainda:”Fazei o que ele vos disser”. (Jo 2,5). No tempo dos mártires de sangue, estes eram chamados confessores, porque eram martirizados por confessarem a fé em Jesus Cristo publicamente e morrerem por ela; hoje, tempo dos mártires da fé, são confessores todos os que confessam sua fé em Jesus Cristo, quer por palavras quer por obras; pois não baste dizer que Jesus é o Senhor, mas é preciso também apresentar as virtudes eternas que nos levam a permanecer nele pela santidade de vida. Maria santíssima é a Rainha dos confessores, porque confessou ardentemente por sua vida e palavras que seu Filho amado é o Emanuel, Deus conosco, Senhor do Céu e da terra; e com isso, tornou-se modelo de perfeição para todos os que confessam que Jesus Cristo é o Senhor, que vive e reina para sempre. Amém!

Paz e Bem!

Frei Fernando Maria,OFMConv.

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quarta-feira, 27 de março de 2013

“Esta é a intervenção magistral do cardeal Bergoglio no pré-conclave”

Durante a homilia que pronunciou na Missa do Crisma, a primeira que celebrou em Cuba após várias semanas em Roma para despedir Bento XVI e participar do conclave que elegeu o Papa Francisco, o cardeal Jaime Ortega revelou as palavras do cardeal Jorge Mario Bergoglio em sua intervenção na congregação geral de cardeais em preparação ao conclave e que, mais tarde, o hoje Papa Francisco, entregou por escrito, de punho e letra, ao arcebispo de Havana.

A reportagem está publicada pelo sítio Zenit, 26-03-2013. A tradução é do Cepat.

Ao referir-se ao momento de “novidade” que vive a Igreja pela eleição do novo sucessor de Pedro à frente da Igreja – revela à Zenit o porta-voz da Arquidiocese de Havana, Orlando Márquez – o cardeal Ortega disse: “Permitam-me que lhes dê a conhecer como primícia quase absoluta o pensamento do santo padre Francisco sobre esta missão da Igreja”, e acrescentou que o tornava público com a autorização do próprio Francisco.

Aos centenas de fiéis que participaram da celebração na catedral de Havana na manhã do sábado, 23 de março – com a presença do núncio apostólico em Cuba, Mons. Gruno Musaró, dos bispos auxiliares de Havana Alfredo Petit e Juan de Dios Hernández, e do clero local que renovou suas promessas sacerdotais –, o arcebispo de Havana acrescentou que, durante uma das reuniões dos cardeais em preparação ao Conclave, “o cardeal Bergoglio fez uma intervenção que me pareceu magistral, esclarecedora, comprometedora e correta”.

Na sequência leu na íntegra o texto que lhe entregara o futuro papa, onde recolhe em quatro pontos o pensamento que o cardeal Bergoglio desejava compartilhar com seus irmãos cardeais e que expressa sua visão pessoal sobre a Igreja no tempo presente.

O primeiro desses pontos é sobre a evangelização, e expressa que “a Igreja deve sair de si mesma e ir às periferias” não apenas geográficas, mas também existenciais, manifestadas no mistério do pecado, da dor, da injustiça e da ignorância, entre outras. O ponto dois assinala uma crítica à Igreja “autorreferencial”, que se olha a si mesma em uma espécie de “narcisismo teológico” que a afasta do mundo e “quer Jesus Cristo dentro de si e que não o deixa sair”.

Em consequência disso, há duas imagens de Igreja, segundo indica o ponto três da intervenção do cardeal Bergoglio: uma é “a Igreja evangelizadora que sai de si” e a outra é “a Igreja mundana que vive em si, de si e para si”. E é esta consideração dual que deve “dar luz às possíveis mudanças e reformas que tenha que fazer” na Igreja.

Em seu último ponto, o ainda arcebispo de Buenos Aires confessava aos cardeais o que esperava de quem fosse eleito para dirigir a Igreja sem saber que seria ele próprio: “um homem que, a partir da contemplação de Jesus Cristo (...), ajude a Igreja a sair de si para as periferias existenciais”.

O arcebispo de Havana revelou também em sua homilia que, por concordar com esse pensamento sobre a Igreja, perguntou ao cardeal Bergoglio após sua intervenção se tinha o texto por escrito, pois desejava conservá-lo, o que este negou.

Mas acrescentou que na manhã seguinte, “com extrema delicadeza” lhe entregou o texto da “intervenção escrita de seu punho e letra tal e como ele a recordava”.

Então, pela primeira vez, o cardeal Ortega pediu, e recebeu, autorização do cardeal Bergoglio para divulgar seu pensamento sobre a Igreja.

A segunda ocasião em que solicitou a permissão foi durante um encontro posterior com o já eleito Papa Francisco, que ratificou sua autorização para a difusão do texto, cujo original o cardeal Jaime Ortega guarda como um tesouro especial da Igreja e uma recordação privilegiada do atual Sumo Pontífice.

Ao terminar a celebração eucarística, o cardeal Jaime Ortega convidou todos os fiéis para viver uma autêntica Semana Santa, e aproveitar o feriado da Sexta-feira Santa para estar mais próximo do Senhor na oração pessoal e comunitária.

A revista da Arquidiocese de Havana, Palabra Nueva, dirigida pelo Orlando Márquez, oferece uma transcrição do manuscrito entregue pelo cardeal Jorge Mario Bergoglio ao cardeal Jaime Ortega, onde se recolhe a intervenção do futuro Papa Francisco em uma congregação geral antes do Conclave em que fora eleito sumo pontífice da Igreja Católica.

Segue-se o texto da intervenção do cardeal Bergoglio.

A doce e confortadora alegria de evangelizar

Fez-se referência à evangelização. É a razão de ser da Igreja. “A doce e confortadora alegria de evangelizar” (Paulo VI). É o próprio Jesus Cristo quem, a partir de dentro, nos impulsiona.

1. Evangelizar supõe zelo apostólico. Evangelizar supõe na Igreja a parresía de sair de si mesma. A Igreja é chamada a sair de si mesma e ir para as periferias, não apenas geográficas, mas também as periferias existenciais: as do mistério do pecado, da dor, das injustiças, das ignorâncias e recusa religiosa, do pensamento, de toda miséria.

2. Quando a Igreja não sai de si mesma para evangelizar torna-se autorreferencial e então adoece (cf. a mulher encurvada sobre si mesma do Evangelho). Os males que, ao longo do tempo, se dão nas instituições eclesiais têm raiz na autorreferencialidade, uma espécie de narcisismo teológico. No Apocalipse Jesus diz que está à porta e bate. Evidentemente, o texto se refere ao fato de que Jesus bate do lado de fora da porta para entrar... Mas penso nas vezes em que Jesus bate do lado de dentro para que o deixemos sair. A Igreja autorreferencial quer Jesus Cristo dentro de si e não o deixa sair.

3. A Igreja, quando é autorreferencial, sem se dar conta, acredita que tem luz própria; deixa de ser o mysterium lunae e dá lugar a esse mal tão grave que é a mundanidade espiritual (Segundo De Lubac, o pior mal que pode sobrevir à Igreja). Esse viver para dar-se glória uns aos outros. Simplificando: há duas imagens de Igreja: a Igreja evangelizadora que sai de si – a Dei Verbum religiose audiens et fidenter proclamans, ou a Igreja mundana que vive em si, de si e para si. Isto deve dar luz às possíveis mudanças e reformas que tenha que fazer para a salvação das almas.

4. Pensando no próximo Papa: um homem que, a partir da contemplação de Jesus Cristo e da adoração de Jesus Cristo ajude a Igreja a sair de si para as periferias existenciais, que a ajude a ser a mãe fecunda que vive da “doce e confortadora alegria de evangelizar”.

segunda-feira, 25 de março de 2013

SER, VIVER E FAZER, EIS A QUESTÃO...






SER, VIVER E FAZER, EIS A QUESTÃO...

Para nós que cremos e naturalmente aqui estamos, a vida é um lindo presente de Deus, mas também um constante aprendizado, seja no campo das ciências naturais, comportamentais, tecnológicas; seja ainda no campo das ciências teológicas. Apesar de toda inteligência e capacidades que Deus, nosso Criador, nos concedeu, ainda assim precisamos das evidências necessárias para constatarmos a veracidade de nossas descobertas e crenças.

Sem dúvida alguma, vivemos envoltos pelos sublimes mistérios de Deus, do homem e de todas as coisas existentes. Às vezes temos respostas intelectuais para tudo, menos para nossa vida pessoal e o que se sucede após o seu término. Pois, por mais que a razão humana chegue às conclusões óbvias sobre o que indaga, quase sempre esbarra no limite de sua finitude, com exceção da fé que nos faz ver e entender muito além de nossa razão obscura.

Nem tudo cabe no entendimento humano. Por mais explicações e evidências que tenhamos, ainda assim ficamos sem respostas para a vida e para quase tudo que a cerca. Isto acontece talvez pela falta de humildade e de fé do homem de não querer admitir a presença evidente de Deus na criação e mais diretamente em nosso viver, “porque é em Deus que nós vivemos, nos movemos e somos”, mesmo que os incrédulos e malfeitores não admitam isso. De fato, precisamos do dom da fé para nos atermos seguros de nossas convicções e assim convivermos com o Senhor e nos deixar conduzir por Ele, que nos ama e quer permanecer conosco numa profunda e constante comunhão de amor.

Então, quais os meios e evidências que Deus nos dá para isto? A primeira evidência somos nós mesmos e a própria obra da criação, porque somente em Deus nos sentimos seguros, visto que, fora de Deus nada nos sustenta nem mesmo os conhecimentos e as descobertas mais relevantes, porque com a morte tudo se esvai. A segunda e mais importante evidência é a vinda de Jesus Cristo, Seu Filho amado, ao seio de nossa humanidade como um de nós, conforme nos ensinou São Paulo: “Mas quando veio a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho, que nasceu de uma mulher e nasceu submetido a uma lei, a fim de remir os que estavam sob a lei, para que recebêssemos a sua adoção filial. A prova de que sois filhos é que Deus enviou aos vossos corações o Espírito de seu Filho, que clama: Aba, Pai! Portanto já não és escravo, mas filho. E, se és filho, então também herdeiro por Deus”. (Gal 4,4-7).

Então, o que precisamos fazer para termos a vida eternamente? Interessante essa pergunta, porque certa feita um jovem também a fez a Jesus, como lemos no Evangelho de São Mateus 19,16-22em tal ocasião o Senhor recomendou àquele jovem que obedecesse aos santos mandamentos da Lei de Deus, ao que o jovem respondeu que já o fazia desde a mais tenra idade, porém, sentindo que ainda lhe faltava alguma coisa, perguntou ele a Jesus: “Que me falta ainda?”; e obteve como resposta: “Se queres ser perfeito, vai, vende tudo o que tens, dá aos pobres e terás um tesouro no céu. Depois, vem e segue-me”. Ouvindo essas palavras, o jovem foi embora muito triste, porque possuía muitos bens”.

nóso que precisamos também para seguir Jesus e termos a vida eterna Nele? Como ouvimos acima, precisamos obedecer aos santos mandamentos e fazeo bem para o qual fomos criados, sem acumularmos nada, pois, foi isto o que nos ensinou São Paulo:Sem dúvida, grande fonte de lucro é a piedade, porém quando acompanhada de espírito de desprendimento. Porque nada trouxemos ao mundo, como tampouco nada poderemos levar. Tendo alimento e vestuário, contentemo-nos com isto. Aqueles que ambicionam tornar-se ricos caem nas armadilhas do demônio e em muitos desejos insensatos e nocivos, que precipitam os homens no abismo da ruína e da perdição. Porque a raiz de todos os males é o amor ao dinheiro. Acossados pela cobiça, alguns se desviaram da fé e se enredaram em muitas aflições. Mas tu, ó homem de Deus, foge desses vícios e procura com todo empenho a piedade, a fé, a caridade, a paciência, a mansidão. Combate o bom combate da fé. Conquista a vida eterna, para a qual foste chamado”. (1Tim 6,6-12).

Portanto, obedeçamos e façamos o bem, e não nos preocupemos se alguém nos criticar por fazermos tão pouco, o importante é que o nosso fazer seja um fazer para Deus. Agir e reagir são ações que dependem de cada situação; às vezes por medo, omissão ou culpa nos abstemos de fazer o bem que cada situação de nossa vida nos pede, porém, quando conscientes de nossa inocência não temos nenhum medo de fazê-lo, porque Deus que é o Senhor de nossa vida, se faz presente em nossa inocência é o primeiro a nos incentivar a fazer tal bem que Ele mesmo nos dá a viver e realizar, como escreveu São Paulo: “Porque é Deus quem, segundo o seu beneplácito, realiza em vós o querer e o executar”. E ainda: “Somos obras suas, criados em Jesus Cristo para as boas ações, que Deus de antemão preparou para que nós as praticássemos”. (Fil 2,13; Ef 2,10).


Destarte, faz jus que nos perguntemos: em quem vivemos centrados? Qual é o fundamento de nossa vida e nossas ações? Se estamos centrados em Deus, por meio do Seu Filho, Jesus Cristo, precisamos gozar de sua intimidade para que nossas ações sejam agradáveis a Ele que fundamenta a nossa vida, nosso existir. Porque quando nos encontramos em Cristo e permanecemos nele, só vamos aonde ele nos conduz, e a partir dessa singela condução, começamos a experimentar o céu que ele mesmo preparou para aqueles que o amam (cf. Jo 14,1ss). Porque, tudo o que começa em Deus, cresce e permanece Nele; tudo o que começa sem Deus, não perdura por muito tempo, porque o fruto da não presença de Deus é sinônimo de aborrecimento estéril e confuso, culminando com a morte injuriosa, sem mérito algum. É como está escrito no Salmo primeiro: “Porque o Senhor vela pelo caminho dos justos, ao passo que o dos ímpios leva à perdição”. (Sl 1,6).

Paz e Bem!

Frei Fernando Maria, OFMConv.


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segunda-feira, 18 de março de 2013

FÉ, OBEDIÊNCIA, LIBERDADE, FELICIDADE...





FÉ, OBEDIÊNCIA, LIBERDADE, FELICIDADE...

Obedeço, quando essa obediência me conduz à verdadeira liberdade e a felicidade que dela advém. Mesmo sendo um dom, é preciso que aprendamos pela Sagrada Escritura como usá-lo, pois é assim que no ensina o Senhor que nos criou por amor e nos quer livres para amá-lo acima de todas as coisas. De fato, Deus nos deixa livres para fazermos nossas escolhas e tomarmos nossas decisões. Mas Ele nos orienta para não perdermos nossa liberdade; neste sentido, seus santos mandamentos nos ensinam que são para nós proteção; não cumpri-los significa tirar de nossa vida a proteção que o Senhor nos dá por nossa obediência a ele.

Com efeito, somos tentados a todo instante a não crer e a não viver em comunhão com Deus. Porém, prestem bem atenção, porque toda tentação é uma mentira, pois o inimigo de nossas almas, que está por trás delas, a princípio, esconde seus resultados nefastos, para em seguida apresentar o terrível gosto amago de nossos desvarios e revoltas contra Deus e o seu Cristo. Mas, o que Deus nos ensina na Sagrada Escrituras a esse respeito? Eis o que está escrito na primeira Carta de São Paulo aos Coríntios: “Não vos sobreveio tentação alguma que ultrapassasse as forças humanas. Deus é fiel: não permitirá que sejais tentados além das vossas forças, mas com a tentação, ele vos dará os meios de sairdes dela” (1Cor 10,13).

E nos diz ainda na Carta de São Tiago: “Feliz o homem que suporta a tentação. Porque, depois de sofrer a provação, receberá a coroa da vida que Deus prometeu aos que o amam. Ninguém, quando for tentado, diga: “É Deus quem me tenta”. Deus é inacessível ao mal e não tenta ninguém. Cada um é tentado pela sua própria concupiscência, que o atrai e alicia. A concupiscência, depois de conceber, dá à luz o pecado; e o pecado uma vez consumado, gera a morte. Não vos iludais, pois, meus irmãos muito amados” (Tiag 1,12-16).

Ora, o aprendizado espiritual para a nossa vida é de suma importância, visto que, aquilo que aprendemos para o nosso bem, é com amor que o aprendemos e praticamos. Nada faz mais uma vida feliz e transparente do que a verdade que nos é comunicada pelo Senhor por meio dos exemplos de fé contidos nas Sagradas Escrituras. O Catecismo da Igreja, falando sobre isso, nos ensina:“Obedecer ("ob-audire") na fé significa submeter-se livremente à palavra ouvida, visto que sua verdade é garantida por Deus, a própria Verdade. Desta obediência, Abraão é o modelo que a Sagrada Escritura nos propõe, e a Virgem Maria, sua mais perfeita realização” (CIC § 144).

A Epístola aos Hebreus, no grande elogio à fé dos antepassados, insiste particularmente na fé de Abraão: "Foi pela fé que Abraão, respondendo ao chamado, obedeceu e partiu para uma terra que devia receber como herança, e partiu sem saber para onde ia" (Hb 11,8). Pela fé, viveu como estrangeiro e como peregrino na Terra Prometida. Pela fé, Sara recebeu a graça de conceber o filho da promessa. Pela fé, finalmente, Abraão ofereceu seu filho único em sacrifício”. (CIC §145). Assim, pela fé, Abraão obedeceu a Deus e cumpriu Sua vontade integralmente.

Também “A Virgem Maria realizou da maneira mais perfeita a obediência da fé. Na fé, Maria acolheu o anúncio e a promessa trazida pelo anjo Gabriel, acreditando que "nada é impossível a Deus" (Lc 1,37) e dando seu assentimento: "Eu sou a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra" (Lc 1,38). Isabel a saudou: "Bem-aventurada a que acreditou, pois o que lhe foi dito da parte do Senhor será cumprido" (Lc 1,45). É em virtude desta fé que todas as gerações a proclamarão bem-aventurada. Durante toda a sua vida e até sua última provação, quando Jesus, seu filho, morreu na cruz, sua fé não vacilou. Maria não deixou de crer "no cumprimento" da Palavra de Deus. Por isso a Igreja venera em Maria a realização mais pura da fé”. (CIC §148; §149).

Portanto, só obedece quem é livre e só é livre quem encontra Deus e permanece Nele. Todo escravo só faz o que lhe manda aquilo ou aquele que o prende. Por isso, muitos gostariam de poder decidir sobre tudo em sua vida, mas não o fazem por causa da liberdade que perderam quando optaram pelo pecado. Pois, a pior de todas as prisões que o ser humano se impõe, é o pecado. Assim, antes de tudo, o pecado é uma decisão pelo mau uso da liberdade e a perca dela. E todos que assim agem, o fazem pensando tirar algum proveito de seus atos pecaminosos, quando de fato, caem na armadilha dos próprios instintos e se perdem nos caminhos obscuros da maldade, por rejeitarem as graças de Deus.

Falando sobre a liberdade humana, no Evangelho de São João, Jesus disse: “Se permanecerdes na minha Palavra, sereis meus verdadeiros discípulos; conhecereis a verdade e a verdade vos livrará”. No entanto, seus contendedores replicaram-lhe:”Somos descendentes de Abraão e jamais fomos escravos de alguém. Como dizes tu: Sereis livres?” Respondeu Jesus:”Em verdade, em verdade vos digo: todo homem que se entrega ao pecado é seu escravo. Ora, o escravo não fica na casa para sempre, mas o filho sim, fica para sempre. Se, portanto, o Filho vos libertar, sereis verdadeiramente livres”. (Jo 8,31-36). “E voltou-se para os seus discípulos, e disse: Ditosos os olhos que veem o que vós vedes, pois vos digo que muitos profetas e reis desejaram ver o que vós vedes, e não o viram; e ouvir o que vós ouvis, e não o ouviram. Bem-aventurado aquele para quem eu não for ocasião de queda!” (Lc 10,23-24; Mt 11,6).

Paz e Bem!

Frei Fernando Maria,OFMConv.


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sábado, 9 de março de 2013

A hora impossível de um Papa Francisco I

Os quartos de Bento XVI estão vazios: com que o nome irá responder ao Escrutinador o próximo papa que irá dormir no seu leito? Após o anúncio do conclave, o pontífice pré-escolhido tem "um minuto inteiro" para pensar a respeito. O primeiro sinal da Igreja que muda poderia ser o nome do sucessor de Ratzinger. Da sacada, ninguém nunca anunciou "eis Francisco", Francisco I, para reiterar o compromisso do santo que protege a Itália, mas sempre esquecido pelos descendentes de Pedro.

A reportagem é de Maurizio Chierici, publicada no jornal Il Fatto Quotidiano, 08-03-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Ele morreu há quase oito séculos, mas ninguém se sentiu disposto a abraçar a sua espiritualidade e a sua dedicação absoluta à vida dos outros. "Francisco é um nome impossível para a carga de poderes com os quais, ao longo dos séculos, foi construído o papado: infalibilidade, soberania, controle na forma de todo serviço, autoridade sobre milhões de fiéis, responsabilidade de propostas. Não é uma questão de humildade pessoal. Francisco impõe uma pobreza difícil a qualquer soberano vaticano".

Raniero La Valle não imagina que o próximo papa possa se lembrar disso. O que o conforta é a renúncia de Bento XVI, que restitui ao pontífice a fragilidade humana. Reevocada por Paulo VI no seu único discurso de improviso depois do Concílio: ele pediu que a Igreja se tornasse pobre "não só no ser, mas também no aparecer", palavras que se esvaíram com o tempo.

Diretor e testemunho para o jornal Avvenire, dos bispos italianos, nos anos do Concílio Vaticano II, La Valle hoje gira o mundo pela Rai em busca dos últimos. Entre os livros Dalla parte di Abele, Pacem in Terris, La teologia della liberazione e a belíssima memória Il mio Novecento. Ele lidera os Comitês Dossetti para a Defesa da Constituição. A separação da Igreja da gestão dos bens é um tormento que atravessa os anos: quem também o invoca é Heinrich Böll, prêmio Nobel de Literatura que cresceu no pacifismo católico da Alemanha ano zero.

"Será sempre tarde demais quando a Igreja e a aristocracia se separarem das suas imensas propriedades, dos seus tesouros, das ridículas e pomposas ninharias com as quais elas continuam se adornando. Um aspecto do mundo ocidental são, justamente, as propriedades das Igrejas. Terrível fardo que pesa sobre o atormentado e sofredor líder daquela que é ainda hoje a mais poderosa das Igrejas. Quem poderia renunciar à propriedade? Quem, senão essa Igreja que não tem descendentes? Torna-se cada vez mais tarde".

Era 1969. Em Castel Gandolfo, o Papa Montini repetia as mesmas palavras: "Com este Vaticano, nunca haverá um papa chamado Francisco, porque Francisco destruía as regras humanas apenas na obediência ao Evangelho. Nenhuma estrutura piramidal, nenhuma burocracia, nenhum privilégio". Quando ele descobriu que um irmão da Ordem construiu para si uma pequena casa, ele subiu ao telhado e, uma a uma, arrancou as suas telhas: que pobreza é essa se muitos irmãos se refugiam nas grutas da campanha? Quem o lembra é Ettore Masina, vaticanista e escritor que relatou o Concílio.

Francisco vinha da riqueza do pai, do qual se separou despojando-se das roupas diante do bispo e de uma multidão de curiosos. A pobreza é a vocação que o fez passar por louco. "Portanto, é impossível, nos nossos anos, que um pontífice chamado Francisco possa habitar no Vaticano. Ele deveria viver na última paróquia de Roma".

O padre Paolo Farinella, pároco no centro de Gênova de uma paróquia sem paroquianos, viveu em Jerusalém nos anos do cardeal Martini. Estudou hebraico, aramaico e grego. Tem duas graduações em teologia bíblica, sobretudo a análise religiosa e política da Terra Santa devastada por repressões e intifadas. Os seus livros são publicadas pela editora Gabrielli. Em 2000, publicou o romance Habemus Papam, Francesco I. Dez anos depois, ele o reescreveu com o título Habemus papam. La leggenda del papa che abolì il Vaticano [A lenda do papa que aboliu o Vaticano], mas a história não muda.

Ele conta a história de um pároco genovês chamado a Roma, onde os Padres do conclave não chegam a um acordo, e um cardeal que conhece as virtudes do pequeno padre faz a excêntrica proposta: e se escolhêssemos alguém assim? Pároco desarmado nos círculos da burocracia vaticana. Papa ideal nas mãos dos manipuladores. Eis a surpresa: assim que o Escrutinador se dirige a ele para perguntar-lhe "quomodo vocaberis?", como você quer se chamar, o velho padre responde: "Francisco I".

E, quando, do trono, se dirige ao povo, a voz não treme: "Escolhi o nome de Francisco não por um capricho político, mas sim para que ele permaneça como marca de fogo na minha carne. Deve ser um lembrete constante a levar a sério o Evangelho: a caridade como lei, a pobreza como estilo, a comunhão como método".

A multidão observa, perplexa, os paramentos que brilham. "Eu sei perfeitamente o que vocês estão pensando: prega bem, mas pratica mal". Com lentidão exasperada, começa a se despojar. "Deponho esta férula de prata: como diz Marcos, não levem para a viagem nada mais do que um bastão. Deponho este chapéu anacrônico: mais do que um pastor, ele me mostra como um sátrapa oriental". Ele se desfolha como uma cebola: do anel de zafira, da cruz de ouro maciço, dos paramentos "luxuosos que deveriam render glória a Deus e se tornam ofensa para os pobres".

Ele fica com uma túnica branca. "E, por um momento, bispos e cardeais se envergonharam por não estarem nus como Adão e, olhando-se adornados pelos mantos no espelho da sua alma, se reconheceram ridículos".

O QUE EU VEJO, SENHOR?





MEU OLHAR SOB TEU OLHAR, SENHOR... (Lc 10,25-37)

Dá-me, Senhor, por amor de teu nome enxergar as tuas criaturas como Tu as enxergas...

Pois, o que eu vejo nelas? Com que olhar, olho as tuas criaturas, os acontecimentos e tudo ao meu redor? E, qual a influência de tudo isso em minha vida? O que preciso para enxergar a essência das pessoas e das cosias com quem me relaciono? Será que preciso dá mais tempo para isto? Será que é preciso a mudança dos outros ou dos acontecimentos ou ainda minha própria mudança, para que eu atingir o âmago de tudo e de todos? Ó Senhor, são tantas perguntas e tão poucas respostas que penso: creio que estou errando o alvo onde devo mirar, para encontrar as respostas que tanto desejo.

Lançar só um olhar não é suficiente, porque muitos enxergam somente o que querem enxergar, ou o que lhes agrada aos olhos. Talvez seja pela curiosidade, ou quem sabe por interesses pessoais, ou ainda porque buscam novidades. O fato é que, “o essencial é oculto aos olhos”. Como seria bom que o nosso olhar fosse sempre um olhar de misericórdia, cheio de bondade ou quem sabe um olhar de fé, de compreensão, de sabedoria, etc...
Ao que parece, quando olhamos os outros e não temos familiaridade com eles, enxergamos uma ameaça ou alguém que quer tirar nossa liberdade ou mesmo nos importunar. Ou será por que não queremos nos comprometer? Realmente, precisamos ficar atentos, porque muitas vezes o que vemos e ouvimos atentamente nos leva a enxergar o que nossa miopia espiritual teima em não querer ver.

Vinde e vede”, é o convite do Senhor à vida comunitária, à comunhão fraterna. De fato, nossa experiência existencial nos diz que precisamos conhecer melhor para nos relacionar melhor, principalmente aquilo que o amor nos ensina. A visão de Deus em nossa vida se dá pela obediência, que significa para nós amor e fidelidade aos seus mandamentos. Quando temos familiaridade com o Senhor, agimos a partir de sua vontade em nossa vida, porque tudo o que Deus nos ensina é agradável e nos faz bem. E para que isso aconteça, Deus nos deu o dom da oração como a maneira mais fácil de termos familiaridade com Ele, pois a oração é para a nossa alma, olhos, ouvidos e boca. Por Ela, falamos com o Senhor, ouvimos sua vontade e contemplamos sua glória.

O que ou quem você encontra em sua oração? Com efeito, a experiência de Deus é permanente nós é que a interrompemos com nossas desventuras e infortúnios. Olhar o Sagrado com os olhos de nossa alma pela oração é contemplar a Deus e participar de suas maravilhas diretamente, pois a maior alegria da alma é ver a Deus face a face e permanecer imersa Nele. Assim, posso dizer em minha oração: Senhor, quando olho para Ti, não me falta nada, porque em Ti tenho tudo.

Paz e Bem!

Frei Fernando Maria, OFMConv.

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sexta-feira, 8 de março de 2013

Bento XVI, Deus, a fome e nós

"Bento XVI tomou a decisão (de renunciar) em um momento importante de sua vida - no final -, quando os seres humanos, normais e nobres, não costumam se enganar e nem enganar. E creio que tomou a decisão "só ante Deus”. Deve ter consultado algumas pessoas, sem dúvida; porém, não a "um papa”, a alguém maior do que ele no organograma da Igreja", escreve Jon Sobrino, teólogo jesuíta, diretor do Centro Monseñor Romero da Universidade Centro-Americana - UCA -, El Salvador, em artigo publicado por Eclesialia, 07-03-2013. A tradução é da Adital e a revisão é do Instituto Humanitas Unisinos - IHU.
Eis o artigo.

A renúncia de Bento XVI é um fato importante. Pode mover a vida da Igreja em uma ou outra direção. E, pelo que tem de "ruptura sem precedentes” –dizemos isso sem saber o que acontecerá; porém, com esperança de que aconteça- pode gerar um ambiente propício para a ruptura de outras tradições eclesiais que parecem intocáveis. Umas, mais categoriais, têm a ver com o mínimo acesso dos leigos, sobretudo da mulher, à vida, missão e responsabilidade na Igreja. Outras, mais de fundo, têm a ver com a concepção da Igreja –também dogmática- como Igreja dos pobres.

1. A renúncia de Bento XVI. Honradez, esperança, liberdade e solidão ante Deus

O papa tomou uma decisão importante, e o fez com simplicidade na forma e profundidade. Disse: "não posso mais”, o que parece evidente, dadas suas minguadas forças. Mais, no fundo, disse: "Já não está em minhas mãos limpar a sujeira na Igreja”. Os vaticanistas discutirão em que isso consiste. Graves escândalos na gestão econômica que há anos levou ao suicídio de Calvi. A sombra alargada de Maciel, que, também traz à mente o desconhecimento e a inação de João Paulo II. As lutas pelo poder entre importantes cardeais da Cúria. Os historiadores estudarão tudo isso; porém, sem dúvida, Bento XVI tem vivido sob fortes pressões.

Apesar de que, no profundo dos seres humanos, só podemos entrar com infinito cuidado e na ponta dos pés, pensamos que Ratzinger tomou sua decisão por honradez com sua consciência, e que o fez com esperança, mesmo que seja contra esperança: um sucessor, com mais energia e com novas luzes; com mais graça ou com melhor fortuna poderá facilitar a mudança necessária. Tomou isso com liberdade, expressada na dura linguagem sobre os fatos: miséria, sujeira; e sobre as exigências: conversão no interior da Igreja. As palavras estão dirigidas a todos, in membris et in capite, dizia-se antes. E não soam como rotineiras; mas, saídas do coração: a Igreja, e símbolos seus importantes,que se distanciaram de Jesus. E a Ele têm que voltar.

Bento tomou a decisão em um momento importante de sua vida - no final -, quando os seres humanos, normais e nobres, não costumam se enganar e nem enganar. E creio que tomou a decisão "só ante Deus”. Deve ter consultado algumas pessoas, sem dúvida; porém, não a "um papa”, a alguém maior do que ele no organograma da Igreja.

Não é fácil compreender o que significa estar "só ante Deus”. A parte final do Diário espiritual de Dom Romero que, juntamente com o padre Ellacuría, publicamos na Revista Latinoamericana de Teología, me ajudou desde que chegou às minhas mãos. Poucas semanas antes de ser assassinado, fez um retiro espiritual e, em total privacidade, comunicou ao seu padre espiritual as três coisas que mais o preocupavam: seus escrúpulos (que nele eram finura de espírito) por ter-se descuidado de sua vida espiritual; a possibilidade de uma morte violenta; e a dificuldade extrema de trabalhar com seus irmãos bispos. Dom Romero colocou-se diante de Deus; sozinho com Deus. O diálogo com seu confessor não lhe proporcionou um apoio à sua própria experiência, apesar de que o ajudou a aprofundar-se nela, só ante Deus. É bom ter isso sempre presente como possível experiência.

Outro exemplo: Poucos anos antes, o Padre Pedro Arrupe, superior geral dos jesuítas, propôs deixar o cargo, que, na época, era vitalício. Em seu caso, sim, podia consultar ao papa e o fez. Porém, João Paulo II não acedeu à sua petição. Não lhe parecia oportuno, pois temia que a Companhia de Jesus caísse em problemas e perigos ainda maiores. E, quem sabe, pensasse também que a demissão do Geral dos Jesuítas abriria a porta à expectativa de que também o papa pudesse demitir-se. Arrupe não pode demitir-se. E manteve-se só ante Deus.

2. Deus e a fome

Em 1966, quando comecei a estudar teologia em Sankt Georgen, Frankfurt, dizíamos que o melhor professor da faculdade era Ratzinger. Não ensinava lá, mas em Tübingen. Mas líamos com avidez seus textos, que eram excelentes. Alegrei-me por ter encontrado o teólogo Ratzinger e, anos mais tarde, aconteceu a mudança mencionada por González-Faus, em um artigo.

Ratzinger, nem como teólogo e nem como papa, deixou de ‘transpirar’ a profundidade do Theos, de Deus; porém, parecera que algo não chegou ao profundo de sua teologia: os pobres e oprimidos, imensa maioria deste mundo.

Bento XVI sente como responsabilidade sua específica, talvez a maior, fazer com que Deus esteja presente no mundo, especialmente no mundo onde Deus está mais ausente: o mundo de abundância. Busca tornar Deus presente para "glória” de Deus e, simultaneamente, para a "humanização” do mundo. Sem Deus não é possível um mundo humano, insiste. E daí que, desde o início de seu pontificado, insistiu na importância do absoluto e no nocivo da relativização.

Bento XVI é, portanto, muito sensível à desumanização que é produto do desaparecimento de "Deus”. Porém, não se mostrou tão sensível ao absolutamente desumano e desumanizador, que é a fome das maiorias de pobres, oprimidos, escravos, marginalizados, excluídos, assassinados, massacrados, as imensas maiorias da humanidade.

Em minha opinião, uma grande contribuição da Teologia da Libertação - a de Gustavo Gutiérrez; a de Ignacio Ellacuría; a de Pedro Casaldáliga -, talvez a maior, é precisamente ter radicalizado o absoluto; porém, de uma maneira específica: o absoluto de Deus e o co-absoluto da fome. Sem manter-se o primeiro (ou seu equivalente no Deus não explicitado dos crentes anônimos, na linguagem de K. Rahner); e, certamente, sem manter o segundo (segundo Mateus 25), nos desumanizamos. Pedro Casaldáliga diz isso em palavras lapidares: "Tudo é relativo, menos Deus e a fome”.

3. Nós. Humanização e desmistificação do Papa

Tomara que possamos humanizar e desmistificar o papa. A tarefa não é nada fácil.

Com dificuldade aceitamos que o Cristo foi Jesus de Nazaré, um ser humano, um homem.

Praticamente não conhecemos o que diz a Carta aos Hebreus, que o Cristo é Jesus de Nazaré – com esse nome é mencionado por oito vezes na Carta; que foi feito menor que os anjos; que teve que aprender a obedecer, gemer e chorar ante Deus. E que é mediador não por possuir dons sobre-humanos, sobrenaturais, mas por ter exercitado em sua vida a fidelidade a Deus e a misericórdia para com os homens. E mesmo quando o conhecemos assim, dificilmente o tornamos central em nossas vidas e em nossa Igreja.

Com facilidade desumanizamos e mistificamos a Jesus. E também ao papa. Dizemos que ele é o vigário de Cristo; ou seja, aquele que faz as vezes de Cristo sobre a terra. Dito mais provocativamente, o que faz as vezes de Jesus sobre a terra. Durante a Idade Média, vigários de Cristo eram os pobres. E se não me engano, um frade, o primeiro que chamou o papa de "vigário de Cristo”, sofreu uma sanção canônica.

O que está em jogo não é desvalorizar que haja vigários de Cristo sobre a terra. Ao contrário. Todos os seres humanos, homens e mulheres, estamos chamados a torná-lo realmente presente. E todos somos ele na medida em que somos seu sacramento. Expressamos sua realidade na medida em que nos parecemos a ele, vivemos, falamos e trabalhamos como ele. E os mártires morrem como ele. São os vigários de Jesus de Nazaré na terra. Isso não nos torna desumanamente divinos; mas, divinamente humanos.

Custa ver o papa assim. Porém, será bom comprometer-nos dentro de nossas possibilidades para que seja eleito alguém que, além de amplos dotes de governo pastoral se pareça a Jesus e nos anime a parecer-nos também a ele.

terça-feira, 5 de março de 2013

O TEMPO DO HOMEM E O TEMPO DE DEUS...





O TEMPO DO HOMEM E O TEMPO DE DEUS...

Existe um tempo, dois tempos, três tempos...
Mas todos os tempos são apenas o tempo...
Porque o tempo é existência que passa, que vai adiante...
Que não para nem mesmo quando o fim de uma história acontece...
Porque já chegou a eternidade para ela...
Pois a missão do tempo é nos levar para a eternidade mesmo...
E com toda certeza ele cumpre perfeitamente sua missão...

Deus é Eterno,
e criou o homem no tempo para a eternidade...
Ora, aquilo que para nós é temporário, para Deus não é...
Por isso, precisamos viver por Ele e para Ele todo tempo que temos...
E mais ainda, tudo o que para nós é mistério,
é plenamente conhecido por Deus...
Porque Ele que fez a essência de tudo o que existe...
E tudo o que existe, só existe porque Deus dá existência...

Todavia, não confunda o bem com o mal,
porque o mal não vem de Deus...
Antes, saiu Dele como bem, mas tornou-se mal...
e como mal se perpetuará...
E ai de quem o seguir na estrada da maldade...
Terá por castigo a mesma eternidade da maldade que impôs...

Então, precisamos ficar atentos...
Porque com o tempo e o bem que somos...
Deus nos deu também a capacidade de que dispomos...
Para trabalharmos com afinco a nossa salvação...
Por isso, precisamos aproveitar todo o tempo e capacidade...
Para nos firmarmos na verdade que fundamenta nossa vida em Deus...

E a verdade que fundamenta nossa vida é Cristo Jesus,
O Filho de Deus e da Virgem Maria...
Que disse um dia com suas Palavras Eternas:
“Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida; ninguém vai ao Pai senão por mim”.
Assim é e sempre será, porque ninguém pode mudar o que Deus falou...

Com efeito, hoje vemos como num espelho...
Todavia, no dia eterno, veremos como tudo é em sua essência...
E o que hoje conhecemos com carência,
na eternidade conheceremos face a face...
Porque, na verdade, a nossa realidade natural...
é apenas o começo da Realidade Eterna que nos espera para ela...
Porque Deus que nos ama tudo dispôs para o nosso bem,
desde que o amemos acima de todas as coisas,
no cumprimento de sua vontade como convém...

Paz e Bem!

Frei Fernando Maria,OFMConv.


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segunda-feira, 4 de março de 2013

Como entender o Papado

(Alguns subsídios de ordem histórica)

Eduardo HOORNAERT

Logo após a conclusão do concílio Vaticano II, houve intensas discussões acerca do papado. Muitas delas encontraram eco nas páginas da revista Concilium ao longo da década de 1960. Dessas discussões ficou a convicção de que é preciso conhecer melhor a história do papado e evitar os anacronismos (projetar no passado situações presentes) e as afirmações desprovidas de base histórica que permeiam o discurso acerca do governo central da igreja católica. Diante de um tema que toca pontos nevrálgicos do sistema católico e da sensibilidade católica, parece-me importante anotar aqui alguns pontos básicos que costumam chegar à tona quando se fala em papado.

1. Pedro em Roma. 

O bispo Eusébio de Cesareia, teórico da política universalista do imperador Constantino, redigiu, no século IV, listas de sucessivos bispos para as principais cidades do império romano, na tentativa de adaptar o sistema cristão ao modelo sacerdotal romano. Ele trabalhou de forma bastante aleatória. Assim ele escreve, por exemplo, que Clemente foi ‘o terceiro bispo de Roma’, depois de Lino e Anacleto. Conhecemos Clemente romano por suas cartas, mas nada sabemos acerca de Lino e Anacleto. Ninguém sabe donde Eusébio tirou esses nomes, trezentos anos após os acontecimentos. Para dar consistência à sua tese de que Pedro é o primeiro papa, Eusébio escreve, no segundo livro (14, 6) de sua ‘História eclesiástica’, que o apóstolo Pedro viajou a Roma no início do reino de Cláudio, ou seja, por volta do ano 44. O que os escritos do novo testamento dizem a esse respeito? Nos Atos dos apóstolos (12, 17) se escreve que Pedro, em 43, saiu de Jerusalém e ‘foi para outro lugar’, sem especificar qual. Os mesmos Atos relatam que Pedro está em Jerusalém no ano 49, por ocasião da visita de Paulo. Nada se diz sobre a atuação do apóstolo entre 43 e 49. O mais provável é que ele tenha viajado à Samaria como exorcista, pois os Atos relatam sua disputa com outro exorcista, de nome Simão Mago, que atuava naquela região. Enfim, as datas propostas por Eusébio não combinam com o que os Atos dos apóstolos relatam. Os historiadores hoje concordam em dizer que Eusébio é um historiador suspeito, pois está envolvido num projeto que tem como finalidade articular a política imperial em relação ao cristianismo e ajustar o movimento cristão a um modelo dinástico de tipo romano. Ele projeta a imagem da igreja no século IV sobre o passado. Por exemplo, ele projeta a repartição territorial das áreas de influência (dioceses), que faz parte da administração romana, aos primeiros tempos do cristianismo, sem nenhuma base historiográfica. Nos capítulos 4 a 7 de sua História Eclesiástica, ele elabora listas de bispos monárquicos que remontam até os apóstolos. Em tudo isso aparece a intenção de acomodar as estruturas cristãs à organização imperial da época. Concluindo podemos dizer que não há base histórica para a afirmação de que Pedro tenha estado em Roma e com isso cai um dos principais fundamentos do discurso oficial acerca do papado.

2. ‘Tu és Pedro’


Hoje, as palavras ‘Tu és Pedro e sobre esta pedra construirei minha igreja’ figuram em enormes letras no interior da cúpula da basílica de São Pedro, em Roma. Vale a pena observar que se trata aqui de um verso isolado do evangelho de Mateus. Contudo, o sentido do verso só aparece quando é lido em contexto, ou seja, dentro da sequência de quatro versos entre Mt 16, 16-19. O historiador ortodoxo Meyendorff[1] mostra como esses versos foram entendidos nos séculos anteriores a Constantino e à aliança entre as lideranças cristãs e as autoridades do império romano. Trata-se, conforme o historiador, de um elogio de Jesus dirigido a Pedro. Quando este afirma que Jesus não é um profeta entre outros, mas o ungido de Deus, ele mostra que Jesus não segue a tradicional maneira de agir dos profetas do antigo testamento, que ameaçavam e intimidavam as pessoas falando da ira de Deus por causa dos pecados e da necessidade de penitência. Pedro entende que Jesus, que não ameaça nem condena, mas aponta para o reino de Deus, a graça, a misericórdia, o perdão, é diferente. Deve ser o ungido de Deus tão esperado, pensa ele. E Jesus elogia Pedro por expressar de forma tão feliz a novidade que ele mesmo vem trazer. É como se ele quisesse dizer: você capta minha intenção, você é a pedra sobre a qual pretendo construir minha igreja, se todos entendessem o que você diz aqui, minha igreja estaria bem forte.

Eusébio de Cesareia e os demais teólogos comprometidos com a ideologia imperial romana não lêem o verso 18 de seu contexto, o isolam dos demais (vv. 16 a 19) e desse modo dão um significado diferente às palavras de Mateus. Hoje, Eusébio tem de ser severamente criticado (assim como os que o seguem na exegese de Mt 16, 18), pois a exegese atual é taxativa em afirmar que não se pode isolar um texto de seu conjunto literário e transformá-lo em oráculo. Para quem lê os evangelhos em contexto fica claro que não dá para se imaginar que Jesus tenha planejado uma dinastia apostólica de caráter corporativo, baseada em sucessão de poderes.

3. A religião do povo (e dos papas).

Sempre mais me convenço que o caminho certo, para analisar o papado, consiste em prestar atenção à religião do povo. A palavra ‘papa’ (pope) pertence ao grego popular do século III e é um termo derivado da palavra grega ‘pater’ (pai). Ela expressa o carinho que os cristãos tinham por determinados bispos ou sacerdotes. O termo penetrou no vocabulário cristão, tanto da igreja ortodoxa como da católica. No interior da Rússia, até hoje, o pastor da comunidade é chamado ‘pope’. A história conta que o primeiro bispo a ser chamado ‘papa’ foi Cipriano, bispo de Cartago entre 248 e 258 e que o termo ‘papa’ só apareceu tardiamente em Roma: o primeiro bispo daquela cidade a receber oficialmente esse nome (segundo a documentação disponível) foi João I, no século VI.

Não se tem dado, entre nós, a devida atenção à religião popular na construção do cristianismo. É um dado implícito a toda a história da igreja, mas que passa largamente despercebido e sem comentário. Isso provém, em parte, do fato de que, até pouco tempo atrás, a historiografia cristã estava principalmente baseada no estudo de fontes escritas. Ora, essas fontes praticamente nunca abordam a religião do povo. Isso, aliás, é regra geral: intelectuais não costumam mostrar interesse pelo que se passa no meio do povo comum e anônimo. A ‘plebe’ não retém a atenção de filósofos como Platão, Aristóteles, Cícero ou Sêneca, ou de intelectuais proeminentes como Galeno, Plotino ou Marco Aurélio. Nem mesmo autores cristãos como Justino, Ireneu, Tertuliano, Cipriano, Clemente de Alexandria ou Orígenes descrevem o que se passa entre cristãos comuns. Afinal eles também pertencem à elite letrada. Hoje existem ciências que nos revelam a vida vivida daqueles tempos, para além dos escritos, como a arqueologia e a iconografia, ou seja. o estudo da arte cristã.

O estudo da arte cristã no decorrer do século IV mostra que praticamente tudo que se conta sobre Pedro provém da religião popular. Na época da construção das primeiras basílicas cristãs (segunda parte do século IV), se convidaram artistas que trabalhavam com mosaicos para cobrir as paredes de cenas relativas aos evangelhos e á vida da igreja. Assim apareceram as mais variadas imagens de Pedro: crucificado de cabeça para baixo, com as chaves na mão, pescador, segurando na mão direita a maquete de alguma nova igreja, revestido de vestes sacerdotais romanas (alba, estola, manípulo), com a tiara persa ou a mitra mesopotâmica (da liturgia do deus Mitra) na cabeça, com seu barco (que nunca afunda), sua rede (que pesca homens), seu selo, sua cátedra (a santa sé). Mas a imagem que aparece com mais frequência é a do túmulo de Pedro, ao lado do túmulo de Paulo. Efetivamente, o papa é antes de tudo visto como o guardião dos túmulos de Pedro e Paulo. Uma tradição romana muito antiga reza que Pedro foi martirizado no monte Vaticano e Paulo ‘fora dos muros’. Desde cedo se registram ‘romarias’ aos túmulos dos apóstolos-mártires Pedro e Paulo[2]. Sem documentação que provasse a veracidade da presença de Pedro e Paulo em Roma, as histórias sobre ambos proliferam em Roma. Já no século II, ir a Roma significa visitar os túmulos sagrados, como comprovam os escritos de Justino e Inácio de Antioquia. O papa Pio XII ainda procurou reavivar a tradição dessas romarias por meio do ‘ano santo’ de 1950, que foi um sucesso e mais tarde, em 1956, ele mandou executar escavações num cemitério antigo descoberto em 1956 sob uma garagem em construção no Vaticano. Nesse cemitério eram enterradas pessoas pobres, escravos e libertos até nos séculos IV e V. O papa esperou encontrar aí sinais do túmulo de Pedro, mas as obras foram suspensas por falta de evidências[3]. Tudo isso indica que a instituição cristã, da maneira como funciona concretamente, pode ser considerada uma criação da religião popular. Para os bispos, não é tão fácil aceitar isso, mas não há como fugir da evidência. Todos sabemos que o povo sustenta financeiramente a hierarquia (de uma ou outra forma) e que é ele que confere prestígio e honorabilidade a bispos e papas. Afinal, o que seria do papa se ninguém mais saísse de casa para ir vê-lo e aclamá-lo?

Interessante observar que os próprios papas têm sua ‘religiosidade’. Até agora, nenhum papa se atreveu a adotar o nome Pedro. Só tardiamente, no século VI, um papa adotou o nome João e só no século VIII veio o primeiro Paulo. Há muitos detalhes interessantes nesse sentido, que não menciono aqui por falta de espaço, mas que você pode pesquisar na google.

4. A luta pela hegemonia.

A partir do século III desencadeia-se, entre os bispos das quatro principais metrópoles do império romano (Constantinopla, Alexandria, Antioquia e Roma), uma prolongada luta pelo poder. Essa luta é particularmente dramática na parte oriental do império, onde se fala a língua grega. Os bispos em litígio passam a ser chamados ‘patriarcas’. Esse termo acopla o ‘pater’ grego com o poder político (‘archè’, em grego, significa ‘poder’), o que significa que o patriarca é ao mesmo tempo pai e líder político. Nos inícios, Roma participa pouco dessa disputa, por ficar longe dos grandes centros do poder da época e usar uma língua menos universal (apenas usada na administração e no exército do sistema imperial romano), o latim. Por sua vez, Jerusalém, cidade ‘matriz’ do movimento cristão, fica fora do páreo por ser uma cidade de pouca importância política.

Constantinopla se autoproclama, em 330, a ‘segunda Roma’, um título aceito pelos bispos em 381, por ocasião do concílio de Constantinopla. Doravante, o poder divino (exercido por Pedro) atua na ‘nova Roma’, ou seja, em Constantinopla. Fortalecidos por esse consenso, os patriarcas de Constantinopla se metem sempre mais em assuntos internos das demais igrejas, um processo que culmina em Calcedônia (451), quando Constantinopla nomeia bispos para Antioquia e Alexandria. A ideia da transferência do ‘poder de Pedro’ ainda faz sucesso no século XVI, quando o patriarca Jeremias II Tranos, de Constantinopla, viaja à Rússia (1589), impressionado pelo vigor do cristianismo naquele país, faz de Moscou uma ‘terceira Roma’. Prontamente, a cidade se torna centro de peregrinação. Assim como os francos e germânicos peregrinam para Roma, os eslavos e russos peregrinam para Moscou. A identificação entre o império romano, sua memória, seus símbolos, seus ritos, suas vestes e cerimônias e os impérios bizantino, carolíngio, russo e católico é algo que salta à vista do historiador. Efetivamente, ‘o mundo gira, mas a cruz fica’[4].

5. Durante séculos, Roma busca o poder. 

O patriarca de Roma, que no início não ocupa um papel de destaque na luta pela hegemonia sobre a cristiandade toda, não deixa, desde cedo, de fazer valer seu poder na parte ocidental do império. Já no século III, o já citado bispo Cipriano, de Cartago, reage com energia diante das pretensões hegemônicas do bispo de Roma e repete que entre os bispos há de reinar uma ‘completa igualdade de funções e poder’. Mas a história progride inexoravelmente. Com tenacidade, os sucessivos patriarcas de Roma conseguem ampliar sua ascendência sobre as demais igrejas do ocidente. É uma longa história da qual aponto aqui apenas alguns momentos marcantes[5]. Penso que é importante percorrer as sucessivas etapas, pois desse modo fica mais fácil compreender que o papado é uma construção histórica condicionada pelo tempo e pelo espaço, como tudo que o homem faz. Tudo que o homem constroi pode ser desconstruído, remodelado ou substituído por algo mais condizente com as exigências do momento.
- Até o final do século III, o papado não se mete nas decisões feitas pelas reuniões de bispos. Eles são livres e soberanos. Mas já se anunciam problemas no horizonte.

- A mesma atitude perdura na primeira parte do século IV. Os bispos locais mantêm sua independência diante de Roma, embora sempre manifestem respeito para com o patriarca de Roma. Assim nas reuniões episcopais de Arles (314), Nicéia (325) e Sárdico (342). Quando há um caso, o bispo de Roma é notificado, nada mais. Os patriarcas Silvestre e Libério não interferem em decisões tomadas nas reuniões de bispos (concílios).

- As coisas começam a mudar na segunda parte do século IV. Os patriarcas romanos Damásio (366-384) e Sirico (384-399) se mostram destemidos e atribuem a Pedro (e seus sucessores) títulos da nomenclatura religiosa romana, como ‘sumo pontífice’, ‘príncipe (dos apóstolos)’, ‘vigário (de Cristo)’. Bispos como Basílio e Ambrósio não aprovam as manobras romanas, mas mesmo assim os patriarcas romanos avançam em busca de controle sobre os bispos.

- Sob Inocêncio I, no início do século V, o processo da romanização da igreja cristã no Ocidente avança. Inocêncio intervém sistematicamente nos assuntos de igrejas locais na Gália, Espanha e Ilíria, ele exige relatórios se reserva a última decisão. Às reuniões episcopais de Cartago e Mileve (acerca do pelagianismo), ele manda dizer que um caso só se resolve após passar por Roma. Celestino I segue o mesmo caminho e resolve soberanamente o caso de Nestório (de Alexandria), e delega Cirilo de Alexandria ao concílio de Éfeso (431). Mais uma vez, bispos e teólogos reagem. Mesmo Agostinho não concorda, embora se diga que ele seja autor da frase ‘Roma falou, a discussão terminou’[6]. Ele mantém a ideia tradicional: a autoridade romana tem de respeitar a soberania dos concílios episcopais. O primado do bispo de Roma é apenas honorário.

- Mas o processo da centralização romana continua. Leão I intensifica a mística petrina e principalmente a mitologia em torno da imagem de Pedro. Ele tem a ousadia de afirmar que sua autoridade (a ‘plenitude do poder’[7]), provém diretamente de Cristo. O ‘vigário de Cristo’ é o ‘príncipe dos apóstolos’, não é o ‘primeiro entre pares[8]’ (como dizia Eusébio), nem uma autoridade ‘honorária’ (como dizia Agostinho). Nos concílios realizados da Espanha, da Itália do Norte e da África do Norte, Leão age em chefe absoluto e intervém em mínimos detalhes. Mesmo no oriente ele se atreve a interferir. Na controvérsia monofisita, ele despreza a intervenção do patriarca de Alexandria e manda seus próprios legados, transmite ordens aos padres reunidos em Calcedônia e declara nulas as decisões que não lhe agradam. Essa postura mandante impressiona muito os contemporâneos, que conservam cuidadosamente sua correspondência, que passa a constituir a base da teoria papal vigente até nossos dias.

S. Gregório Magno
- A vitória definitiva do papado vem com Gregório Magno, que cria em Lérins, na atual França, uma escola de ‘aristocratas episcopais’ a estabelecer a organização eclesiástica no sul da Gália. Intelectual de renome, Gregório inicia os tempos da glória romana. Sua figura pode ser arrolada ao lado de outros expoentes da ‘aristocracia episcopal’, como Ambrósio, protagonista da supremacia da igreja sobre o estado; Agostinho, ao mesmo tempo ‘pai da inquisição’ e genial teólogo; João Crisóstomo, orador de renome e Cirilo de Alexandria, fundador da tradição teológica grega.

- O caminho está pavimentado. Após a bem sucedida aliança com o emergente poder germânico no ocidente (Carlos Magno, 800), os papas romanos sempre mais elevam o tom da voz e, por conseguinte, as relações com os patriarcas orientais (principalmente com o patriarca de Constantinopla) se tornam sempre mais tensas. O cisma de 1054 vem concluir uma evolução de séculos. Rompe-se a unidade do corpo cristão e dois caminhos se abrem: o ortodoxo e o católico.

6. Roma no auge do poder.

Aí começa a história da igreja católica apostólica romana propriamente dita. É uma história de sucesso, durante séculos. Esse sucesso provém principalmente da diplomacia, ou seja, da ‘arte da corte’ que Roma aprendera com Constantinopla. Ao longo dos séculos, praticamente todos os governos da Europa ocidental aprendem em Roma ou por Roma essa arte. Pois a diplomacia é uma arte nada edificante mas muito eficiente. Ela inclui hipocrisia, aparência, habilidade em lidar com o povo, impunidade, sigilo, linguagem codificada (inacessível aos fiéis), palavras piedosas (e enganosas), crueldade encoberta de caridade, acumulação financeira (indulgências, ameaça do inferno, do medo etc.). A imponente ‘História criminal do cristianismo’, em 10 volumes, que o historiador K. Deschner acaba de concluir, descreve essa arte eminentemente papal em detalhes.

É principalmente por meio da arte diplomática que, ao longo da idade média, o papado tem sucessos fenomenais. Sem armas, Roma enfrenta os maiores poderes do ocidente e sai vitoriosa (Canossa 1077). Como resultado, a igreja é afetada, no dizer do historiador Toynbee, pela ‘embriaguez da vitória’. O papa perde contato com a realidade do mundo e passa a viver num universo irreal, repleto de palavras sobrenaturais (que ninguém entende).

7. Roma ao lado dos mais fortes

Com o advento da modernidade, o papado perde paulatinamente espaço público. No século XIX, principalmente durante o longo pontificado de Pio IX, a antiga estratégia de se opor aos ‘poderes deste mundo’ não funciona mais. Não traz mais vitórias, registra apenas derrotas. Então, o papa Leão XIII resolve mudar a estratégia e inicia uma política de apoio aos mais fortes, uma estratégia que funciona durante todo o século XX. Bento XV sai da primeira guerra mundial ao lado dos vitoriosos; Pio XI apoia Mussolini, Hitler e Franco, enquanto Pio XII pratica a política do silêncio diante dos crimes contra a humanidade perpetrados durante a segunda guerra mundial, à custa de incontáveis vidas humanas. Após uma breve interrupção com João XXIII, a política de apoio silencioso aos ganhadores (e de palavras genéricas de consolo aos perdedores) prossegue até os nossos dias.

8. O papado, um problema.

Por tudo isso, pode-se dizer hoje que o papado não é uma solução, é um problema. Pois o papa não é só um líder religioso, mas também um chefe de estado. Cada vez mais se percebe como o papado é um desvio do episcopado. Esse episcopado registra, ao longo dos séculos, páginas luminosas. Aqui na aqui na América Latina tivemos, nos últimos tempos, além de bispos mártires como Romero e Angelelli, uma geração de bispos excepcionais entre os anos 1960 e os anos 1990. É verdade que o concílio Vaticano II avançou a ideia da colegialidade episcopal, no intuito de fortalecer o poder dos bispos e limitar o poder do papa, mas sem avanços consideráveis, pelo menos até hoje. Mesmo assim, vale lembrar que o catolicismo é maior que o papa e que a importância dos valores veiculados pelo catolicismo é maior que o atual sistema de seu governo.

Tudo se resume na seguinte pergunta: ‘pode a igreja católica subsistir sem papa?’ É como se perguntar ‘ pode a França subsistir sem rei, a Inglaterra sem rainha, a Rússia sem czar, o Irã sem aiatolá?’. A própria história dá resposta. A França não se acabou com a destituição do rei Luis XVI e o Irã certamente não se acabará com o fim do reino dos aiatolás. O surgimento do protestantismo no século XVI comprovou que o cristianismo pode subsistir sem papa. Haverá certamente resiliências e saudosismos, tentativas de volta ao passado, mas instituições não costumam desaparecer com mudanças de governo. Em geral, o movimento da história em direção a uma maior participação popular é irreversível (ao que parece). Cedo ou tarde, a igreja católica terá de enfrentar a questão da superação do papado por um sistema de governo central mais condizente com os tempos que vivemos.


[1] Meyendorff, The Primacy of Peter. Essays on Ecclesiology and the Early Church, Crestwood (NY), St. Vladimir‘s Seminary Press, 1992.
[2] As romarias ‘ad limina apostolorum’.
[3] Veja Revue d’ Histoire Écclésiastique, Louvain, 1976, 109-111, com comentário do livro de Väänänen sobre o assunto.
[4] Stat crux dum volvitur mundus.
[5] Veja Wojtowytsch, M., Papsstum und Konzile von den Anfängen bis zu Leo I (440-461). Studien zur Enstehung der Überordnung des Papstes über Konzile, Stuttgart, A Hiersemann Verlag, 1981.
[6] Roma locuta, causa finita
[7] Plenitudo potestatis.
[8] Primus inter pares. Essa é a tese clássica de Cipriano.

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