Arquivo do blog

domingo, 28 de fevereiro de 2010

Verdade contra Compaixão

" A Compaixão é a primeira missão da Igreja", escreve Jacques Noyer, bispo emérito de Amiens, na França, comentando a forte oposição de um grupo de teólogos contra Rino Fisichella, presidente da Pontifiícia Academia para a Vida e reitor da Universidade Lateranense que condenou a posição do arcebispo emérito de Recife, D. José Cardoso Sobrinho, no caso da menina que abortou. O artigo foi publicado pela revista francesa Temoignage chrétien, nº 32385 de 25-02-2010. A tradução é de Benno Dischinger.

Eis o texto.

Diante da emoção provocada pela excomunhão lançada pelo bispo de Recife contra os médicos culpados de aborto, o arcebispo Fisichella, presidente da Pontifícia Academia para a Vida, publicara um artigo repleto daquela “humanidade da qual nós, homens de Igreja, deveríamos ser anunciadores peritos e mestres”. “Estamos do teu lado”, dissera à menina. Uma parte notável daquela Academia peça hoje sua demissão. Com sua compaixão teria aberto o caminho ao aborto terapêutico. O papa, para acalmar os ânimos, recorda, diante desta Academia, e após ter dado um voto de confiança ao seu Presidente, a autoridade do direito natural.

Por que tal debate, tão apaixonante, permanece confinado nos corredores do Vaticano? Por que a mídia cristã não procura propô-lo à opinião pública? Teme-se o vigor das invectivas que se pode esperar de certos ambientes? Ou se quer mostrar uma Igreja sempre hipocritamente unânime? No entanto, há nisso uma questão fundamental: qual é o papel da Igreja de Jesus Cristo? É antes de tudo testemunho da Verdade ou testemunho da Compaixão?

A Igreja tem frequentemente o vulto solene e privado do senso de humor de um juiz que recorda a lei e aplica a sanção sem tomar em conta a fragilidade dos homens. D. José Cardoso Sobrinho, bispo emérito de Recife, é disto o símbolo. Diante dele, o arcebispo Fisichella se torna o campeão da compaixão. Esta batalha dos chefes poderia oferecer a ocasião de enriquecer a discussão dos fiéis na saída da missa, e a dos estudantes de teologia. Bastaria um nada para que o problema apaixonasse as multidões e fosse discutido nos bares. Cardoso Sobrinho contra Fisichella! A Verdade contra a Compaixão! A cada um a escolha do campo! Basta com as belas fórmulas bem equilibradas que dão razão a cabras e couves. No que me diz respeito, não tenho dúvidas. A Compaixão é a primeira missão da Igreja. Não é esse o olhar dirigido por Jesus aos sofredores e aos pecadores de seu tempo? Pode-se supor que Jesus esperasse de sua Igreja algo diverso do prolongamento de sua calorosa presença junto aos pequenos, os débeis, os pobres de todos os tempos? A Boa Nova é uma coisa diversa da promessa do olhar paterno de Deus para todos aqueles que se pensam abandonados e do acompanhamento de um Filho que vem reerguer aqueles que se acreditavam perdidos?

Sem dúvida existe uma Verdade que é preciso procurar, um Bem que é preciso querer. Podemos ajudar-nos reciprocamente para nos aproximarmos juntos. Mas, o convite e a escolha de Jesus dão, quem sabe, aos sucessores dos Apóstolos o poder de definir a Verdade e de determinar o Bem, aproproiando-se da Razão e da Sabedoria? Deste modo, o Evangelho se torna doutrina e ideologia. Creio que muitos pastores sejam atormentados por esta contradição. Querem ser próximos, acolher, encorajar, reerguer. Mas a instituição lhes recorda continuamente as respostas já prontas e os juízos definitivos que têm o dever de repetir. Estão habituados a calar esta laceração e a sufocar suas contradições. Se um debate público lhes permitisse respirar, sem dúvida isso lhes faria bem. Mas, é a tanto tempo que vivemos sobre esse barril de pólvora que evidentemente se hesita fazer qualquer deslocamento...

Extraído de http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=30127
acesso em 26 fev. 2010.

Foto: The Spirit of Compassion by Raynor Hoff (1894–1937), carved from marble on the South Australian National War Memorial, unveiled in 1931. Fotógrafo: Bilby. 2008. Disponível em http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Spirit_of_Compassion.jpg acesso em 26 fev. 2010.


sábado, 27 de fevereiro de 2010

José Alberto Baldissera sobre Fratello Sole, Sorella Luna

Uma verdadeira e bela poesia

Professor no curso de História da Unisinos, José Alberto Baldissera é graduado em Filosofia e em Letras, mestre e doutor em Educação pela PUCRS. O professor é autor da obra O Livro Didático de História – uma visão crítica. 4. ed. Porto Alegre: Evangraff, 1994 e co-autor do livro História do Pensamento Humano. São Leopoldo: Unisinos, 1995, entre outros. Ele foi entrevistado pela IHU On-Line de 29 de agosto de 2005, edição nº 153, a respeito da primeira palestra do evento Idade Média e Cinema, em 3 de setembro, que concedeu em parceria com o Prof Dr José Rivair de Macedo, da UFRGS. Na edição 162, Baldissera falou sobre O nome da rosa, filme inspirado em livro de nome idêntico, de Umberto Eco, apresentado na Idade Média e Cinema, no IHU, em 2005. A contribuição mais recente de Baldissera à IHU On-Line aconteceu na edição 170, de 06-03-2006, com a entrevista O rei dos reis – em busca de um Cristo mais divinizado.

IHU On-Line - Quais são os maiores méritos de Irmão Sol, Irmã Lua do ponto de vista cinematográfico? Qual é a atualidade dessa produção?

José Alberto Baldissera – Irmão Sol, Irmã Lua, de Franco Zeffirelli tem o mérito de abordar, ou melhor, de apresentar através de um corte, ou prisma delimitado, aspectos da vida de um dos santos mais populares da Igreja Católica: São Francisco de Assis (o Poverello, o pobrezinho) como também é referenciado. O que é apresentado no filme não implica em tudo o que São Francisco pregou nem no que provocou na sociedade de seu tempo, ou em relação à própria Igreja. Detêm-se, principalmente na conversão de Francisco, na formação de seu grupo inicial, e também, quando ele vai a Roma (1210) com os seus doze primeiros discípulos obtendo do Papa Inocêncio III a aprovação verbal da primeira Regra dos Frades Menores que, conforme o historiador Jacques Le Goff está perdida. Na obra de Zeffirelli tudo é dirigido praticamente para aquilo, que o próprio Papa Inocêncio III, ao recebê-lo disse que o próprio Deus teria dado a ele, Francisco, “a graça de se aproximar Dele, através de suas amadas criaturas”.

O filme de Zeffirelli também mostra na sua parte inicial a reação da família de Francisco principalmente, com a mãe e o pai. Também, é claro, com os amigos e a Igreja.

Como cinema os méritos do filme sob o ponto de vista estético é excelente. E como é do estilo de Zeffirelli, com tomadas belíssimas, principalmente quando mostra a natureza. Isto tudo ajuda a ambientar a história contada com bom gosto propondo uma comunhão perfeita entre Francisco e a natureza, as árvores, as flores, as aves que ele tanto ama e que fazem parte da essência de sua pregação e do seu contato com Deus.

IHU On-Line - Como essa obra ajuda a mostrar a realidade social da Idade Média?

José Alberto Baldissera – Quanto a mostrar a realidade social da Idade Média nessa época no final do século XII e na primeira parte do século XIII (Francisco morre em 1226) é bastante superficial no sentido de reconstituição histórica se considerarmos toda a evolução sociopolítico-econômica e cultural dessa época. Refere ao aspecto comercial, que estava em desenvolvimento, principalmente, através da figura do pai de Francisco um rico comerciante de tecidos da cidade de Assis. Também, esboça o poder a pompa da Igreja e a corte papal e em especial do Papa Inocêncio III.

A ambientação da cidade de Assis é perfeita. Aliás a Itália se presta muito a essas ambientações medievais pela sua história e a conservação desses ambientes. As tomadas devem ter sido feitas em vários lugares, pois, não parece, a principio, que tudo tenha acontecido na atual cidade de Assis, e não há nos créditos do filme maiores informações quanto a isso. Porém, o filme que já tem pouco mais de duas horas não poderia mostrar toda a complexidade da sociedade medieval de então. Nos parece que a ambientação proposta por Zeffirelli e pelo próprio roteiro do filme é suficiente para os aspectos da vida de Francisco que foram abordados. Pois como já foi dito é um corte feito sobre a vida de São Francisco de Assis onde não chega a abordar a construção da Ordem, de sua divisão e das relações com a Igreja. Também não se discute outros aspectos da proposta franciscana. O que é mais enfatizado é a opção pelos pobres e também por uma opção de vida afastada de riquezas materiais e em contato com a natureza. Nos parece que a abordagem feita por Zeffirelli é suficiente e criativa para nos passar a importância de São Francisco de Assis e aspectos importantes de sua proposta de vida e de sociedade, trazendo de volta o “verdadeiro” Cristo, e não mais o cristianismo opulento veiculado pela Igreja da época.

IHU On-Line - No quesito religião, acredita que Zeffirelli conseguiu representar a experiência mística de Francisco de Assis?

José Alberto Baldissera – Penso que uma experiência mística, jamais será atingida por palavras, ou mesmo visualmente, como nesse caso, através do cinema. No entanto, podem-se sugerir traços marcantes de uma experiência mística, mesmo que não se a atinja na sua essência por completo. Acredito que a arte nesse caso o faz de uma maneira extraordinária e de uma forma muito mais sensível e criativa do que uma abordagem racional ou cientifica. E nesse caso o filme de Zeffirelli é tocante e há momentos de uma verdadeira e bela poesia para nos sugerir o que seja isto. Nesses momentos o filme conjuga as tomadas de cena a música e a interpretação dos personagens de uma forma onde na mensagem que nos chega transparece a comunhão com a natureza, com a simplicidade e com um grande louvor à vida e ao seu Criador.

IHU On-Line - De que modo Irmão Sol, Irmã Lua mostra o surgimento da Ordem dos Franciscanos Menores? Quais são as aproximações da ficção com a realidade?

José Alberto Baldissera – O filme não chega a discutir sobre aspectos da Ordem dos Franciscanos Menores, pois como sabemos as dissensões no interior da Ordem dos Menores já começam ainda durante a vida de São Francisco. E como afirma o historiador Jacques Le Goff os Spirituali ou Fraticelli vão se apresentar cada vez mais extremistas na austeridade e hostis a Roma, vendo-se reduzidos a posições heréticas. Enquanto que, os Conventuali aceitaram seguir a Regra interpretada e completada por bulas pontifícias que atenuaram a prática da pobreza. O que é mostrado é o pensamento original que teria sido proposto por Francisco. Portanto não é aqui uma questão de aproximação ou não da ficção com a realidade, pois não há porque discutir esse aspecto no filme, uma vez que ele se propõe a mostrar mais o lado poético e religioso de São Francisco do que discussões religiosas ou abordagens teológicas. Mesmo assim sabemos que a arte se permite criar, o que faz parte de sua própria essência, e durante o filme pode-se apontar vários momentos ou características ficcionais, e isso não desmerece em nada a proposta de Zefferelli, pois também sabemos que mesmo a História-Ciência é eivada de ficções, onde muitas vezes é bastante difícil, e até impossível separar a ficção da realidade.

IHU On-Line - E a respeito de Santa Clara, seguidora de Francisco, quais seriam as cenas mais significativas do filme?

José Alberto Baldissera – A personagem de Santa Clara aparece em momentos importantes em relação a São Francisco. A primeira cena ele a vê levando comida para os leprosos o que o deixa perplexo e ao mesmo tempo se afasta com certa repulsa. Mais tarde quando da sua “conversão” ele vai entender esse gesto, e é claro, também o pratica. A relação dos dois é proposta como uma comunhão de poesia e amor (não material) onde os dois se irmanam e se aproximam de Deus através da natureza e das criaturas.

IHU On-Line - Gostaria de acrescentar algum aspecto não-questionado?

José Alberto Baldissera – Quando o filme foi produzido (1972) ainda havia os respingos dos movimentos estudantis, de uma juventude, sedenta querendo uma sociedade diferente, menos desigual e violenta, e do movimento Hippie propondo Paz e Amor. O filme cabe perfeitamente dentro dessas propostas, e a figura de São Francisco, depois que o filme é lançado, torna-se um verdadeiro ícone pelos anos 1970 a fora. O próprio São Francisco teria dito: “Disse o Senhor para mim que queria que eu fosse um novo louco no mundo”. O seu lado “revolucionário” aparece quando resolve escolher os pobres e os simples como exemplos e modelos e quando decide pregar nas praças públicas, junto ao povo, enfrentando a sociedade de seu tempo.
Mas, Le Goff chama a atenção também a um aspecto “reacionário” de Francisco. A Europa se encontrava num desenvolvimento ascendente onde as Universidades reencontravam o conhecimento e ele condena os livros e a ciência, pois esses levariam à superioridade e daí ao poder. Condena também o dinheiro quando a Europa começa a fazer grande uso dele, levando a passagem do mundo feudal para a abertura do capitalismo. O mesmo historiador ainda afirma que Francisco equilibrou-se a um passo da heresia. Lembra, ainda, que não é certo que Francisco quisesse fundar uma Ordem. Sua preferência seria para uma “Fraternidade”, um grupo de poucos como foi o grupo que seguiu Jesus. Le Goff ainda acrescenta que “(...) a poesia que se desprende de São Francisco, a lenda que dele emanou em vida fazem de tal modo parte de sua personalidade, da sua vida, da sua ação que nele Poesia e Verdade se confundem”. E o escritor Chesterton ainda nos lembra “(...) esse grande místico não via sua religião como uma teoria, e sim como um caso de amor”.
Extraído de http://www.ihuonline.unisinos.br/index.php?option=com_eventos&Itemid=26&task=evento&id=45&id_edicao=223 acesso em 22 fev. 2010.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

O QUE ESTAMOS ESCOLHENDO?
















O QUE ESTAMOS ESCOLHENDO?

Vivemos em meio a realidades tantas...
Entre elas está essa que nos abrange...
É nela que nos encontramos...
e encontramos também as demais realidades...
com quem interagimos...

Melhor dizendo...
Vivemos em meio a dois mundos...
O mundo visível,
palpável,
incontestável...
Isto é, o mundo das imagens...
E o mundo da invisibilidade...
Onde a imagem dá lugar ao espírito invisível,
mas profundamente sensível...
e por isso mesmo também incontestável...

Porém, sem sobra de dúvidas...
a verdade se faz presente em tudo...
Em nós naturalmente...
pelo ser e estar nesse nosso mundo...
onde cultivamos com os insumos de nosso viver...
o bem ou o mal que nos aprouver...
Dependendo apenas da liberdade de nossa escolha...

Nas criaturas invisíveis...
a verdade é conhecida...
pelos efeitos que incidem sobre nossa vida...
quando cooperamos ou não com elas...
Pois, não existe neutralidade,
quando tratamos das realidades
que transpõem nossa natureza e razão...

Assim Deus nos criou em seu amor...
Dotados de liberdade e autoridade...
Dons e aptidões...
que ao serem vivenciados...
revelam o estado de nossa alma...
Porque todos os nossos atos...
trazem em si efeitos imediatos...
e revelam quem somos...
e que valores cultivamos...

Sabemos o que é certo e o que é errado...
Ora, aqui não se trata de meros conceitos intelectuais...
Ou discussões banais a respeito de palavras...
Mas se trata do discernimento do bem ou do mal...
Da veracidade ou inverdade de nossa prática...
Em suma, daquilo que somos e vivemos...

Por isso...
É aqui, nesse chão de nossa existência...
Que plantamos, com o nosso viver,
as sementes do eterno devir...
Seja para a glória de Deus...
onde o amor, a misericórdia e a bondade...
prevalecem para sempre...
Seja para a realidade do mistério da iniquidade...
onde a maldade cultivada nesta vida
mostrará suas feridas e seus efeitos pútridos...
Definitivamente...
...

Logo,
convém perguntar...

O que, em nossa liberdade e autoridade,
estamos escolhendo?

Porque, em sã consciência, nada fazemos...
sem que antes passe pelo crivo de nossa permissão...
O que vai além disso, foge de nossa alçada...
Então, temos em mãos a inocência...
como fruto de nossa decência...
e nossa maior defesa...
Seja contra o mal...
Seja diante dos homens...
Seja em plena comunhão...
com a vontade de Deus...
...

Paz e Bem!

Frei Fernando,OFMConv.

Creative Commons License
FREI FERNANDO, VIDA, FÉ E POESIA by Frei Fernando,OFMConv. is licensed under a Creative Commons Atribuição-Uso Não-Comercial-Compartilhamento pela mesma Licença 2.5 Brasil License.

Luiz Carlos Susin sobre Fratello Sole, Sorella Luna

Ficha Técnica

Título Original: Fratello Sole, Sorella Luna
Gênero: Drama
Tempo de Duração: 121 minutos
Ano de Lançamento (Inglaterra): 1972
Estúdio: Vic Films / Euro International Film S.A.
Distribuição: Paramount Pictures
Direção: Franco Zeffirelli
Roteiro: Suso Cecchi d'Amico, Kenneth Ross, Franco Zeffirelli e Lina Wertmüller
Produção: Dyson Lovell e Luciano Perugia
Música: Riz Ortolani e Donovan
Fotografia: Ennio Guarnieri
Desenho de Produção: Lorenzo Mongiardino, Carmelo Patrono e Gianni Quaranta
Figurino: Danilo Donati
Edição: Reginald Mills

Sinopse

A trajetória da vida de São Francisco de Assis (Graham Faulkner), que, quando jovem, era filho de comerciantes ricos e desfrutava de vinho, mulheres e canções sem ter nenhuma preocupação. Quando a guerra e a doença assolam a região onde vive, ele sofre uma grande transformação. Ao aparecer diante do bispo local e tirar suas roupas renuncia sua vida prévia para se dedicar a Deus. Mas sua pregação só iria chegar ao ápice ao ir para Roma, para ter uma audiência com o papa Inocêncio III (Alec Guinness).

Um verdadeiro clássico do cinema, Irmão Sol, Irmã Lua, dirigido em 1972 por Franco Zeffirelli, será exibido em 18 de novembro na programação do evento Idade Média e Cinema II, promovido pelo Instituto Humanitas Unisinos (IHU). Anote e participe: das 8h30min às 12h, na sala 1G119 do IHU. Quem conduz a discussão posterior à exibição do filme é o Prof. Dr. José Alberto Baldissera, da Unisinos.

"Para debater o assunto, a IHU On-Line propôs as duas entrevistas que seguem: a primeira, com o capuchinho gaúcho Luiz Carlos Susin, e a segunda com Baldissera, ambas realizadas por e-mail.

Susin é secretário executivo do Fórum Mundial de Teologia e Libertação (FMTL) e coordenou o primeiro Fórum Mundial de Teologia e Libertação, realizado em Porto Alegre, em 2005, às vésperas do Fórum Social Mundial. Entre suas inúmeras contribuições à IHU On-Line, destacamos a mais recente, na edição 175, de 10-04-2006, quando repercutiu uma entrevista concedida pelo teólogo espanhol José Maria Vigil, que critica o primeiro Fórum Mundial de Teologia e Libertação e tece comentários sobre o Fórum Social Mundial de Caracas, realizado em janeiro deste ano. A entrevista que inspirou a conversa foi publicada na página do Instituto Humanitas Unisinos – IHU, endereço www.unisinos.br/ihu, no dia 15-03-2006. Atualmente, Susin leciona na Pós-Graduação em Teologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). É teólogo graduado pela PUCRS, mestre e doutor em Teologia pela Pontifícia Universidade Gregoriana (PUG), Itália. Para Susin, a vida de São Francisco de Assis inquieta e fascina, inclusive em nossos dias, e é um “prato cheio para a psicanálise”. Confira."

“Uma biografia inquietante e fascinante também para nosso tempo”
ENTREVISTA COM LUIZ CARLOS SUSIN

IHU On-Line – Considerando o filme de Zefirelli, como é possível compreender os ideais franciscanos hoje, no século XXI?

Luiz Carlos Susin – Zefirelli era cenógrafo da Grande Ópera, e seu filme reflete um bocado a grande cena com estética refinada. A grandiosidade poderia ter obscurecido o espírito típico de Francisco. Mas ele contou com a consultoria de excelentes pesquisadores da história franciscana, sobretudo de Francisco e de Clara. O século XX se caracterizou por uma “volta às fontes” e o filme de Zefirelli se beneficiou disso. Os ideais franciscanos são recuperados de forma segura e humanamente compreensível, e traduzidos em linguagem cinematográfica de forma bastante convincente. No entanto, trata-se apenas dos anos agitados de juventude, não de todo o desdobramento da sua vida, que teve surpresas até o final.

IHU On-Line – O que o homem contemporâneo, muitas vezes pautado pelo consumismo e pelo imediatismo, pode aprender com a trajetória de São Francisco de Assis?

Luiz Carlos Susin – Em certa medida, como biografia pessoal e contexto cultural, a originalidade de Francisco não pode ser imitada. Alguns acontecimentos extremos de sua vida, desde a relação tumultuada com o pai, a educação para “saltar de classe social”, a vaidade e a mania de grandeza com a conseqüente frustração e depressão, tudo isso obrigou, de certa forma, a remédios extremos que não podem ser entendidos e menos ainda aplicados fora de sua biografia. Ele precisou elaborar com muito custo a sabedoria do equilíbrio, o “caminho do meio”. Mas exatamente por isso ele se torna um paradigma, um modelo amplificado, dos desequilíbrios e das possíveis buscas de soluções autênticas para uma cultura exacerbada em aparências e gostos. Por trás disso, ele já tinha, na figura de um pai mercador, o início de uma sociedade em que o dinheiro ganha poder e dá sustentação ao consumo. Ele foi mestre em experimentar, em entender a fundo, em desmascarar e reagir de forma saudável a isso. Por isso, tem uma biografia inquietante e fascinante também para o nosso tempo.

IHU On-Line – Como a peregrinação de Francisco e seu desprendimento aos bens materiais influenciou a espiritualidade franciscana e o surgimento das ordens mendicantes? Ainda hoje é possível ser um peregrino? E qual é o significado desse tipo de evangelização?

Luiz Carlos Susin – Tornar-se um “nômade” num mundo globalizado, em que há o incremento do turismo dos que têm dinheiro e a migração mais perturbadora dos que buscam o mínimo de recurso, é um dos grandes fenômenos antropológicos da ordem do dia. Mas ser “peregrino”, se tem algo em comum, tem um coração diferente: anda em busca de algo sagrado. O choque do despojamento, um choque não planejado que lhe veio por sobre a cabeça, e a descoberta da humanidade e do evangelho com os simples na periferia da sociedade cumpriu a primeira parte: a disposição a peregrinar de forma despojada. A segunda parte, a mendicância, além de ser uma terapia de choque para sua vaidade, tornou-se, mais essencialmente, um método de evangelização na busca de relacionamento em torno de uma “mesa comum”: os bens da criação para todos e o trabalho como uma dádiva e como contribuição para os que necessitam da mesa comum e não podem trabalhar – no caso dele, sobretudo os doentes. Francisco desconectou o trabalho do sagrado direito de propriedade sobre o produto do trabalho, por um lado, mas antes disso desidentificou “bens” e “propriedades”. Ao pedir esmola, mesmo depois de trabalhar e não receber nada pelo trabalho, ele estava revelando que não há razão para “o meu e o teu”, tudo é dom para todos. É sobre esta relação de socorro da necessidade, de carência exposta, confessada, que se solidifica a gratuidade da fraternidade.

IHU On-Line – Como o senhor explica a experiência de conversão de Francisco? E qual foi o impacto dessa decisão para a época, sobretudo no contexto social do qual provinha Francisco?

Luiz Carlos Susin – A personalidade extremada de Francisco tornou-se complicada para uma imitação posterior, como já sugeri. E não se trata de um “temperamento” inato, mas algo forjado no contexto familiar e social de seu tempo. Ele foi esmagado pela ambição e projeção paterna, foi uma bolha que primeiro inflou e depois rompeu. Nada foi programa, não se tratou de algo “voluntarista”. Ele viu na grande crise, na “resiliência” à qual foi submetido, e na grande transformação, a mão mesma de Deus. Outros jovens e mesmo pessoas mais adultas, inclusive mulheres bem mais jovens, como foi o caso de Clara, experimentavam algo muito próximo de sua experiência. Por isso houve um “boom” de seguidores, provindos inclusive de classes diferentes. Depois dos fatos narrados por Zefirelli, Francisco viveu somente mais vinte anos, sempre de forma muito intensa e criativa. Os que o seguiam não tinham sempre o mesmo impulso, e então veio cada vez mais a instituição, a regra, a formalidade. Mas ficou a “memória inquieta”.

IHU On-Line – O homem vem depredando seu próprio planeta. Em que aspectos o pensamento de Francisco poderia nos fazer mudar essa postura?

Luiz Carlos Susin – A figura de Francisco é facilmente engolida por uma espiritualidade romântica de unidade com a natureza. Isso não condiz com a experiência de Francisco. No tempo em que foi “ao fundo do poço” até a natureza o aborrecia. Quando ele a redescobriu, foi na forma de relacionamento fraterno e sororal: não são sítios para nosso prazer bucólico nem são parte de um organismo vivo sem alteridade. Todos os elementos são “outros”, numa relação que pode ser cordial se eu tomar iniciativa cordial, como o lobo ou o fogo. A distância antes da unidade, a renúncia e o despojamento antes da comunhão, tornam pura a relação de fraternidade. Francisco podia falar com o lobo, com as cotovias, com o céu sereno porque tinha aceitado também o céu nublado e “toda sorte de tempo com que às tuas criaturas dás sustento” (Cântico do Irmão Sol).

IHU On-Line – Gostaria de acrescentar algum aspecto não questionado?

Luiz Carlos Susin A filmografia sobre Francisco segue a de Jesus: sua rica personalidade, poeta por impulso místico, ecologista por espiritualidade fraternal, foi uma personalidade que passou pela complexidade para se revelar em simplicidade. Por isso é intrigante e paradoxal: meiga e viril, refinada e direta, humilde e cortês, com longo percurso de luto e integração para desembocar na perfeita alegria. É prato cheio para a psicanálise: um dos livros mais interessantes que buscam uma compreensão psicanalítica de Francisco se intitula De Narcisse à Jésus. La quête d’identité chez François d’Assise. Montréal et Paris: Éditions Paulines et Cerf, 1992 (De Narciso a Jesus), de Marc Charron.

Extraído de http://www.ihuonline.unisinos.br/index.php?option=com_eventos&Itemid=26&task=evento&id=44&id_edicao=223 acesso em 22 fev. 2010.

Foto: Franco Zeffirelli, cineasta italiano. Revista pajaro de fuego nro 6 abril 1978. Disponível em http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Francozeffirelli.jpg acesso em 22 fev. 2010.


quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

É TUDO UMA QUESTÃO DE “ECO”

Em 2010, novamente a Campanha da Fraternidade será ecumênica. O tema é: “Economia e Vida”. O lema: “Vocês não podem servir a Deus e ao dinheiro” (Mt 6,24). Há tempos não se via um ataque tão direto, por parte das instituições religiosas, ao cerne de todos os males de nossa era: o culto ao dinheiro.

O lema da CF lembra outra passagem: “dêem a César o que é de César e a Deus o que é de Deus” (Mt 22,21). Jesus disse isso quando lhe perguntaram: “É lícito, ou não, pagar imposto a César?” O imposto, como o nome já diz, é uma obrigação que, embora legal (porque previsto em lei), não seria exigido se quem o deve pagasse espontânea e livremente. O não-pagamento confere-nos o rótulo de mau devedor, má devedora, um/a “fora-da-lei”. Ora, quem já caiu nas armadilhas de um cartão de crédito sabe que o mau caratismo é de quem aplica juros abusivos, e não de quem foi enganado pela propaganda sedutora do consumismo.

Se a serpente encontrasse Adão e Eva hoje, diria: “Se comprardes isso agora, sereis como deuses”. E então eles correriam até o shopping mais perto de sua casa e, depois de gastar o que não podiam, Eva tentaria aplacar sua culpa comendo um chocolate e Adão se entupiria de cerveja. Mas ambos saberiam, em seu íntimo, que não deviam ter escutado a serpente em forma de “tela-plana-trinta-e-quatro-polegadas”.

O desejo de consumir deriva da necessidade que temos de não passar necessidade. Nada mais natural. Porém, o desejo desenfreado de consumir deriva do medo de que falte amanhã e, por isso, gera o acúmulo. Quando exagerado, o medo gera o egoísmo: “importa é não faltar pra mim!” E o grau superlativo do medo diz: “importa não sobrar para os outros!” Eureca!!! Descobrimos a fórmula da desigualdade social!

Bom... Na verdade, essa fórmula já é conhecida há anos. Quando os hebreus e hebreias estavam numa situação crítica de fome, bem no meio do deserto, Deus Javé fez chover maná do céu (Ex 16). O medo de passar fome no dia seguinte fez com que algumas famílias pegassem mais do que o necessário para o seu sustento. Porém, sem freezer, naquele deserto, logo elas perceberam que o maná tinha prazo de validade. Se não fosse consumido no dia da coleta, amanhecia estragado.

E assim, a duras penas, o povo foi aprendendo a viver só com o necessário. Tudo ia bem, até que um dia alguém resolveu cercar um punhadinho de terra e dizer que aquele espaço era seu. Mas essa é uma história para outro pôr-do-sol.

Aliás, falando em cercar um punhadinho de terra... Esta não seria uma análise completa do aspecto econômico e ecumênico do texto, se não falássemos de um terceiro “eco”: o da ecologia. Afinal, os três “ecos” estão interligados. Podemos observar, no texto, que as tentativas de exploração do meio ambiente, a extração indevida daquilo que Javé, aproveitando as características naturais do deserto, ofereceu para matar a fome (maná), foram frustradas (o maná acumulado apodreceu). Além de partilhar, o povo aprendeu a viver em harmonia com a natureza, pois colhia dela somente o necessário.

O que vale destacar aqui é a pedagogia da partilha e da harmonia com o meio, embora alguns vejam, na história do maná, uma justificativa divina para o consumismo imediatista de nossa época. Elas exigem o que é de César, mas esquecem o que é de Deus. No deserto, o povo estava murmurando contra Moisés e contra Javé, pois havia gente morrendo de fome. Hoje também há pessoas morrendo de fome, mas essas não parecem ser as mesmas que obedecem à lógica do “eu quero, e tem que ser agora!

Essa proposta pedagógica da partilha indica uma economia bem diferente da praticada pelo atual sistema econômico mundial. A propósito: O que é economia? Que modelos econômicos conhecemos? Qual deles seria a melhor alternativa para os nossos dias? Ela tem alguma coisa a ver com a proposta do maná no deserto? Por quê?

EM SÚPLICE ORAÇÃO


















EM SÚPLICE ORAÇÃO

A vida é como um campo pronto, adubado...
Nela, Deus tudo dispôs com perfeição...
Cada ser precisa fazer germinar fecundamente...
as sementes do bem viver...
para que brote os bons frutos no tempo certo...

Em se tratando da humana criatura...
Nela vemos,
quando não atingida pelo pecado,
belíssimos resultados de um campo fértil...
Bem plantado...

Mas para isso...
Não podemos, em hipótese alguma,
afastar de nossa vinha...
nosso Vinhateiro Criador...
Ele, Senhor e Pai Eterno...
nos livra do inferno das ervas daninhas...
que o inimigo de nossas almas procura semear...
...

Em súplice oração, peçamos...

Pai Santo de infinita bondade...
quão feliz é quem te ama...
E se deixa fecundar pelo amor e obediência
do teu Filho Jesus...
Que atingido por morte de cruz...
fizeste ressuscitar...

Aqui estamos ó Senhor nosso...
e te suplicamos...
Vinde em nosso auxílio...
com a graça do Espírito Santo...
Para que fecundos neste chão de nossa vida...
possamos dar frutos de verdadeira conversão...
e assim vivermos a salvação que o teu Filho veio trazer...

Paz e Bem!

Frei Fernando,OFMConv.

Creative Commons License
FREI FERNANDO, VIDA, FÉ E POESIA by Frei Fernando,OFMConv. is licensed under a Creative Commons Atribuição-Uso Não-Comercial-Compartilhamento pela mesma Licença 2.5 Brasil License.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Cântico das Criaturas - de 'Clara e Francisco'

Camila Batista da Varano

O príncipe Júlio César de Varano, senhor do ducado de Camerino, era um fidalgo guerreiro e alegre, muito generoso com o povo e sedutor com as damas. Tinha cinco filhos antes de se casar, aos vinte anos, com Joana, filha do duque de Rimini, que completara doze anos de idade. Tiveram três filhos. Criou todos juntos no seu palácio de Camerino, sem distinção entre os legítimos e os naturais.

Camila era sua filha primogênita, fruto de uma aventura amorosa com uma nobre dama da corte. Nasceu em 9 de abril de 1458. Cresceu bela, inteligente, caridosa e piedosa. Tinha uma personalidade sedutora e divertida, apreciava dançar e cantar. Tinha herdado o temperamento do pai, motivo de orgulho para ele, que a amava muito.

Ainda criança, depois de ouvir uma pregação sobre a Paixão de Jesus Cristo, fez um voto particular: derramar pelo menos uma lágrima todas as sextas-feiras, recordando todos os sofrimentos do Senhor. Porém tinha dificuldade para conciliar o voto à vida divertida que levava, quando não conseguia vertê-la sentia-se mal toda a semana. Mas esse exercício constante, a leitura sobre mística e o estudo da religião, amadureceram a espiritualidade de Camila, que durante as orações das sextas-feiras ficava tão comovida que chorava muito.

Aos dezoito anos, já sentia o chamado para a vida religiosa, mas continuava atraída pela vida e os divertimentos da corte. Quando conseguiu afastar todas as tentações, pediu a seu pai para ingressar num convento. Ele foi categórico e não permitiu. Camila ficou sete meses doente por causa disso. Seu pai fez de tudo, mas ela não desistiu. Após dois anos, acabou consentindo. Assim, aos vinte e três anos, em 1481, ingressou no mosteiro das clarissas, em Urbino, tomando o nome de irmã Batista e vestindo o hábito da Ordem.

O príncipe, entretanto, queria a filha próxima de si. Por isso comprou um convento da região e entregou aos franciscanos, para que o transformassem num mosteiro de clarissas. O primeiro núcleo saiu de Urbino, trazendo nove religiosas, entre as quais irmã Camila Batista, como a chamavam, que se tornou a abadessa do novo mosteiro de Camerino.

Os anos que se sucederam foram de grandes experiências místicas para Camila Batista, sempre centradas na Paixão e Morte de Jesus Cristo. Escreveu o famoso livro "As dores mentais de Jesus na sua Paixão", que se tornou um guia de meditação para grandes santos. Depois ela própria se tornou uma referência para as autoridades civis e religiosas que procuravam seus conselhos.

Morreu com fama de santidade, em 31 de maio de 1524, nesse mosteiro. A cerimônia do funeral se desenvolveu no pátio interno do palácio paterno. Foi declarada beata Camila Batista de Varano pela Igreja, para ser celebrada no dia de sua morte.

Nota: dia 17 out. próximo ela será canonizada.

Extraído de http://www.paulinas.org.br/diafeliz/santo.aspx?Dia=31&Mes=5&SantoID=38 acesso em 24 fev. 2010.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

O TEMPO DA QUARESMA














TEMPO DA QUARESMA

A quaresma é um tempo de reflexão e mudança que a Igreja instituiu desde o século IV para seus filhos e filhas, a fim de torná-los perfeitos na prática da fé, visto que, precisamos fazer em tudo a vontade de Deus como fez e nos ensinou Jesus; pois, todo o nosso viver tem que ser plano do Senhor para a nossa salvação; caso contrário, precisamos nos converter, para não corremos o risco de fazer a própria vontade e não a vontade de Deus.

ENTÃO, COMO DEVEMOS VIVER ESSE TEMPO?

Jesus começou sua vida pública anunciando: "Completou-se o tempo e o Reino de Deus está próximo; fazei penitência e crede no Evangelho”. (Mc 1,15). Logo, compreendemos que esse é um tempo propício e mais profundo de oração, penitência e conversão para ajustarmos o nosso modo de ser e viver à sabedoria do Evangelho, que nos proporciona todas as bênçãos e graças necessárias para a nossa salvação.

São três os pilares ou alicerces desse tempo quaresmal, a saber: oração, jejum e caridade. A oração é o meio mais fácil de se viver na presença de Deus, porque por ela ascendemos aos céus, alcançamos todas as graças e nos libertamos de todas as nossas fraquezas. Por isso a oração verdadeira é como um metal que aquecido na fornalha é transformado no que o artesão quer; em outras palavras, por ela somos aquecidos no fogo do amor de Deus que, como perfeito artesão de nossas almas, nos funde com o seu querer e nos faz ser a perfeita imagem e semelhança do seu Filho Jesus Cristo ainda neste mundo.

Assim, percebemos que o sentido da oração é a comunhão permanente com a vontade de Deus sem a qual ninguém poderá ser salvo, é como escreveu São Paulo: “Porque é gratuitamente que fostes salvos mediante a fé. Isto não provém de vossos méritos, mas é puro dom de Deus”. (Ef 2,8). Ele ainda recomenda: “Não vos inquieteis com nada! Em todas as circunstâncias apresentai a Deus as vossas preocupações, mediante a oração, as súplicas e a ação de graças. E a paz de Deus, que excede toda a inteligência, haverá de guardar vossos corações e vossos pensamentos, em Cristo Jesus”. (Filip 4,6-7).

O segundo alicerce da quaresma é o jejum. Jejuar não é o mesmo que fazer regime, pois o jejum que agrada a Deus nasce do exercício da justiça e da verdade, ou seja, como a própria vida, a prática sincera da fé requer muito mais que um desejo ou demonstração de piedade; requer, sobretudo, o desapego dos bens materiais e amenização dos próprios sentidos com o fim de entrar mais ainda na intimidade divina, vencendo-se a si mesmo pela submissão dos instintos, visto que a prática do jejum precisa vir acompanhada das boas obras.

O ato de jejuar precisa vir também acompanhado de algum propósito ou intenção por parte do fiel que jejua, pois desse modo vencemos a tentação das injustiças e do imediatismo ou de uma fé mágica que não condiz de forma alguma com nossa fé católica. (Cf. Lc 4,3-4). A Igreja recomenda a prática do jejum na quarta-feira de cinzas e na sexta-feira santa a todos os batizados de 18 a 60 anos, ou em dias diferentes de acordo com a necessidade de cada fiel. Pode ser praticado também por crianças, adolescentes e idosos acima de 60 anos conforme suas disposições.

Por fim, vem a caridade ou boas ações que, como escreveu são Tiago, “faz desaparecer uma multidão de pecados” (Cf. Tiag 5,19-20). Aliás, São Paulo também escreveu sobre essa prática quaresmal na carta aos Efésios (Cf. Cap 2,8-10) e na 1 Coríntios (cf. Cap 13). A palavra caridade significa o ato de amar e toda pessoa que ama de verdade é conduzida pelo Espírito Santo a fazer o bem como dádiva de Deus na sua vida e na vida dos outros.

Portanto, quem faz alguma boa obra na intenção de se promover ou promover seus negócios ou ainda com o fim de si salvar, está com má intenção ou enganando a si mesmo, pois, a intenção promocional nunca foi vontade de Deus; são João Batista bem nos ensinou isso quando disse: “Eu não sou o Cristo; eu não sou digno de lhe desatar as correias do calçado; importa que Ele cresça e que eu diminua”. (Cf. Jo 1,20.27;3,30).

Paz e Bem!

Frei Fernando,OFMConv.

Creative Commons License
FREI FERNANDO, VIDA, FÉ E POESIA by Frei Fernando,OFMConv. is licensed under a Creative Commons Atribuição-Uso Não-Comercial-Compartilhamento pela mesma Licença 2.5 Brasil License.

amor - caridade

domingo, 21 de fevereiro de 2010

PENSO E LOGO EXPRESSO...
















PENSO E LOGO EXPRESSO...

Penso e logo expresso em meus versos...
Por meio de letras acesas...
as certezas que trago no coração...
Dou, com isso, um sumiço na insegurança...
Pela sua discrepância à verdade que me refaz...

Não, não sou capaz por mim mesmo dessa proeza...
A Verdade ela mesma é que me capacita...
e me faz ser assim...
Todo seu, todo em mim...
sem com isso ser egoísta...
Pois tenho em vista não o meu eu...
Mas o que Deus me dá a viver e fazer...
Segundo o seu plano de salvação...
O seguimento de Nosso Senhor Jesus Cristo...

Já ouvi alguém dizer:
“É muito difícil seguir Jesus”...
Ao que respondi: difícil é seguir o pecado
Porque o seu resultado é a morte e nada mais...

Ao contrário...
Seguir Jesus é fazer o que Ele nos ensinou...
Amar o Amor até as últimas consequências...
Renunciar a si mesmo...
Tomar a cruz de cada dia...
E segui-lo pela via da obediência e da penitência...
Até a ressurreição...

Por isso...
quando digo algo...
não o digo pra mim tão somente...
Porque o meu dizer tem que ser um dizer diferente...
Porém sempre de acordo a vontade de Deus...
Senão se torna apenas um palavreado qualquer...
Sem nexo...
Sem reflexo...
Sem vida...
...

“Nenhuma palavra má saia da vossa boca,
mas só a que for útil para a edificação,
sempre que for possível,
e benfazeja aos que ouvem.
Não contristeis o Espírito Santo de Deus,
com o qual estais selados para o dia da Redenção.

Toda amargura, ira, indignação, gritaria e calúnia...
sejam desterradas do meio de vós,
bem como toda malícia.
Antes, sede uns com os outros bondosos e compassivos.
Perdoai-vos uns aos outros,
como também Deus vos perdoou, em Cristo”. (Ef 4,29-31).

Paz e Bem!

Frei Fernando,OFMConv.

Creative Commons License
FREI FERNANDO, VIDA, FÉ E POESIA by Frei Fernando,OFMConv. is licensed under a Creative Commons Atribuição-Uso Não-Comercial-Compartilhamento pela mesma Licença 2.5 Brasil License.

sábado, 20 de fevereiro de 2010

De pé descalço nas pegadas de Jesus

Francisco de Assis experimenta e segue Cristo
Fr. Niklaus Kuster OFMCap
1. Juventude não religiosa no centro de Assis e um Deus distante

Porque vive uma pessoa jovem, socializada pela Igreja, no ano de 1200, “como se Cristo não existisse”? E isto no centro duma cidade que dispõe de mais de uma dúzia de igrejas e centros monásticos, ao mesmo tempo, que só tem 2000 habitantes? A resposta pode ser insinuada pelo portal da Catedral de São Rufino, que foi construído naquela época: representa uma imagem de Deus, normal em 1200: o Deus do mundo românico, no trono, assistido pelo sol e pela lua, altamente sublime. O que tem esse Cristo poderoso do mundo a ver com a vida cotidiana das pessoas, com as preocupações burguesas, negócios planejados, festas e sonhos com carreiras?

“O mais humano de todos os santos” escreve Raoul Manselli sobre a primeira metade da vida que tinha “vivido sem Cristo”. O autor traduz assim, para a linguagem moderna, o que Francisco de Assis expressa no seu testamento desta maneira: “cum essem in peccatis” (“como eu estivesse em pecados”). O jovem negociante, sem dúvida, pratica a religião como toda a camada burguesa: vai à missa aos domingos, participa das procissões nos dias festivos e peregrina com sua família, de vez em quando, para Roma. No entanto, olhando para trás, a fé parece não ter influência em sua vida. Agir e decidir. Naquela época é o clero que se ocupava da religião. O clero que está presente em grande proporção na cidade, não acompanha a rápida mudança do tempo. O culto celebrado não significa, de maneira nenhuma, espiritualidade vivida.

Deus mesmo se mostra altamente paciente com o jovem negociante que, durante muitos anos, desfruta do lado dourado da vida. O “Altíssimo” pode esperar até as pessoas o procurarem por iniciativa própria – e Ele espera o que o procura nos lugares mais estranhos. Contudo, este tema vai ser abordado mais tarde.

2. Guerra – Calabouço – Doença
Tocar Aquele que é “luminoso acima de todas as coisas”

Só quando o jovem ambicioso, mimado pela vida, tropeça nos planos audazes da sua ambição, então desperta a sua alma. Aos 20 anos experimenta, na batalha no Tibre, um colapso terrível, é prisioneiro de guerra, passa um ano nos calabouços escuros de Perusa, é liberto pelo pagamento de uma fiança, depois adoece gravemente. Quando, um ano mais tarde, se restabelece, a sua vida comovida começa a procurar mais profundidade.

“Business as usual” na grande empresa do seu pai, passeios a cavalo aos mercados, no arredores e festas noturnas nos dois anos seguintes, fazem crer que tudo se tem normalizado. Sem que os seus amigos e a sua família o notem, o jovem comerciante desliza para uma dupla procura. Francisco começa, primeiramente, a descobrir o silêncio. Nos arrabaldes da cidade encontra umas cavernas. Nelas pode dar espaço às suas experiências e às perguntas da sua alma. Nas horas de silêncio, possivelmente, também começa a aprender aquela oração que, dois anos mais tarde, se manifesta em São Damião. “Altíssimo Deus luminoso, ilumina a escuridão do meu coração! Dá-me fé que leve para diante, uma esperança que leve através de tudo, e um amor, que não exclua ninguém...” (OrCr).

A Igreja como instituição e comunidade de fé fica afastada desta procura: Francisco procura sozinho, embora não faltem igrejas, clérigos e centros espirituais em Assis. Não são os espaços sagrados, nem a Bíblia, nem os sacerdotes que vão buscar o jovem na sua procura de sentido. Cavernas escuras atraem a ele – lugares que, aparentemente, correspondem ao seu mundo interior. “Ilumina a escuridão do meu coração”. O silêncio – ainda ameaçador, nas longas noites da prisão e da doença, agora se torna aliado para o jovem habitante urbano.

3. “O Altíssimo conduziu-me entre os mais humildes”
Experiências-chave de uma longa procura

Ao mesmo tempo que descobriu o silêncio nas cavernas e nos bosques fora da cidade, o jovem comerciante reparou, também nas penumbras de sua Assis cheia de sol. Até agora, o centro da pequena cidade cheio de vida era o seu mundo: as casas senhoriais das mais importantes corporações, as lojas magníficas no centro, a “piazza” por si. Ainda hoje quase nenhum turista se perde nas ruelas sujas da cidade baixa – “vicoli” estreitas e tortas, pátios interiores sombrios, as casas das famílias dos operários.

Francisco, que no seu interior pede nova alegria e novo sentido na vida, descobre os operários, os desempregados, os/as mendigos/as e os pobres de Assis. E é atraído cada vez mais para baixo, para o meio dos marginais, na sombra da cidade. As vias para cima, para o silêncio, fazem com que o jovem Bernardone encontre a paz interior, e as vias para baixo, para junto dos pobres para os quais põe a própria mesa, o levam por dois anos de perturbação crescente. Ambos os movimentos de procura preparam duas experiências-chave decisivas.

Os passos de Francisco tornam-se mais radicais: durante uma viagem a Roma. O jovem distancia-se da dureza de coração da sua corporação, atirando o dinheiro da viagem furiosamente sobre o túmulo de São Pedro e trocando secretamente suas vestes com um mendigo, para mendigar ele mesmo diante de São Pedro. Na planície, abaixo de Assis, encontra um leproso a quem a princípio, despreza e, depois abraça descobrindo que “o amargo se tornou doce”. Inesperadamente, o comerciante experimenta nova alegria na vida muito “em baixo”, para onde se sente “conduzido pelo Altíssimo”. Poucas semanas depois do encontro com o leproso, Francisco reza perto do asilo dos leprosos, o qual tem visitado desde então, na igreja rural meio destruída - São Damião. Diz palavras que têm acompanhado sua procura desde há meses. Concretizam pela primeira vez uma influência do anúncio da Igreja deixando, ao mesmo tempo, faltar qualquer indicação para uma imagem concreta de Deus: Quem procura encontra Deus, conforme a compreensão românica, como Senhor do universo. Espera DELE fé – esperança – caridade.

Altíssimo, glorioso Deus,
Ilumina as trevas do meu coração
Dá-me uma fé verdadeira,
uma esperança firme e um amor perfeito.
Dá-me sensibilidade e conhecimento, ó Senhor,
a fim de que eu cumpra o vosso santo e veraz mandamento. (OC)


A respeito da Igreja, como instituição e congregação de fiéis, pode-se constatar com assombro: Francisco continua a tatear sozinho, sem acompanhamento espiritual e também sem conselheiro. O orante procura, durante anos seguidos a Deus, procura fontes de luz e sentido novo de vida. Fá-lo, aparentemente, sem a intervenção de um sacerdote.

Refeições com mendigos e horas de silêncio preparam paulatinamente o primeiro impulso. Pode ser datado na primavera de 1206 e verifica-se em dois passos e em poucas semanas. A experiência com leprosos às portas da cidade tornou o comerciante, que ainda se apresenta montado num cavalo, sensível para o Rei do Universo, que andava descalço no chão. Francisco descreve a experiência decisiva no seu testamento com as seguintes linhas tão breves quanto concisas: Vivi vinte anos como se Cristo não tivesse existido. Naquele tempo parecia-me repugnante e amargo ver os leprosos. Porém, Deus conduziu-me para o meio deles, e no encontro com eles, o meu amor despertou. Então, aquilo que me parecia amargo, transformou-se em doçura para a alma e o corpo. Passado pouco tempo deixei o mundo. (Test 1-3)

Na sua procura por um sentido na vida, o comerciante tinha rezado até à data, a um Deus nas alturas. Encontros com as pessoas mais humildes de Assis fazem com que ele descubra que o Altíssimo atua de maneira surpreendente: muito em baixo. “Deus mesmo levou-me para o meio dos leprosos” (Test). O abraço de um leproso abre o coração da pessoa que procura para o encontro místico em São Damião. Deus aparece-lhe aí – como amigo dos mais humildes – inesperadamente ao mesmo nível. Giotto pintou magistralmente este encontro surpreendente ao mesmo nível: o ricamente vestido vê-se perante o Cristo nu; o bem situado (com 8 casas em Assis) perante Deus que está suspenso , sob à chuva – sente-se sufocado e ajoelha-se.

No conflito seguinte, com o próprio pai, a cruz de São Damião ensina Francisco a considerar o conflito mais grave de Jesus com os homens. Ameaçado pelo pai, Francisco vive durante semanas perto de São Damião, onde, provavelmente, o pároco aí residente, trata dele e, possivelmente o acompanha por primeiro. Francisco encontra na cruz a mão do Pai nos Céus, que leva o Seu Filho – o “Filho do Homem” - à Sua Luz através de recusa, ódio e sofrimento. Francisco vai considerar o Pai de Jesus como o seu próprio pai, algumas semanas mais tarde: o único Pai neste mundo e depois ele. “A partir de agora, já não digo “pai Pietro”, mas sim “Pai Nosso que estais nos Céus” (Leg3C 20). (...)

Experiências limites decisivas feitas no inverno de 1205/06, trilham, dentro de poucos e agitados meses, um caminho cheio de descobrimentos. O “Altíssimo” leva aos mais humildes, responde no Filho descalço na terra e pode ser conhecido como Pai por cada ser humano. O descobrimento do homem Jesus na terra faz com que o Pantocrátor românico se torne num “Deus ao nosso nível” – um Deus que se apresenta ao jovem comerciante fora da cidade e das suas igrejas, à margem da sociedade, entre os mais pobres, em cavernas sossegadas e na ruína de uma igreja.

A experiência de um Pai de todos os homens e do Único Filho que se faz irmão dos mais humildes, leva Francisco a uma imagem do mundo fraternal e radical. Mostra-se mais revolucionário do que a República de Assis e oposto ao pensamento eclesiástico hierárquico. (...)

Como Francisco experimentou aos 16 anos, e na revolução urbana em que a ordem comunal rompe com os modelos patriarcais na sociedade, e desenvolve idéias democráticas, a sua imagem do homem e do mundo radicaliza-se em 1206, a partir de uma vivência comovente de fé. Deus mesmo escolhe a carreira descendente, o Altíssimo iguala-se aos mais pequenos. (...)

O revolucionário desta espiritualidade em relação à sociedade e à Igreja mostra-se nas suas conseqüências, em comparação com o modelo patriarcal de Bento, que orienta a Igreja hierárquica até hoje. Talvez, Francisco chegue a conhecer o famoso prólogo à Regra de Bento já na primavera de 1206, imediatamente depois de ter sido deserdado, estando ao serviço do beneditinos de Vallingegno, o mais tardar, no entanto, sendo frade migrante, que desfruta bastantes vezes da hospitalidade dos frades. Esboça, nos seus últimos anos, numa carta dirigida aos próprios irmãos, um modelo notável de contraste:

Regra de S. Bento:
Escuta, meu filho, as doutrinas do mestre e incline o ouvido do teu coração. Aceita de boa vontade a admoestação do Pai misericordioso e cumpre com ela autuando...

Francisco à sua Ordem:
Ouvi, Filhos de Deus e meus irmãos, e escutai as minhas palavras com os vossos ouvidos. Inclinai o ouvido do vosso coração e cumpri a voz do Filho de Deus. Preservai os Seus mandamentos em todo o vosso coração e cumpri os Seus conselhos com espírito pleno.

Enquanto para Bento de Núrsia, o convento é uma escola de amor e de perfeição “sob prior e regra”, o Francisco caminhante há de procurar a comunhão da fé no seguimento do Filho de Deus fraternal.

4. Vita evangélica et apostolica
A vida dos amigos que rodeavam Jesus

Francisco transporta como leigo a missão de Jesus transmitida aos apóstolos e a sua vida de caminhantes com o Mestre para a sua época e o seu mundo úmbrio. Inspirado pelo discurso sobre a missão dos discípulos (Mt 10) arranca de mãos vazias, procura levar paz às casas e às ruas, fazer bem aos leprosos, fazer sentir o amor de Deus no dia-a-dia dos homens e viver o Evangelho. Embora experimente rejeição e desprezo, os primeiros companheiros não tardam a segui-lo.

Francisco reage assombrado e embaraçado a este fato. “Quando o Senhor me deu irmãos, ninguém me mostrou o que deveria fazer. O Altíssimo mesmo confirmou que deveríamos viver segundo o molde do Evangelho”. (Test) A cena é conhecida: Em vez de converter-se ele mesmo em mestre dos seus companheiros pergunta com eles o único Senhor de todos. O abrir três vezes a Bíblia na pequena igreja de Plathea revela poucos conhecimentos da Bíblia: mas, como pode Francisco ler na Bíblia sendo ele paupérrimo e não possuindo livros? O que poderia parecer como fundamentalista manifesta-se, mais tarde, como uma tradução, que é tanto enraizada numa fé profunda como também prudente e realista dum encontro de Cristo na Bíblia para a própria Igreja. Um ano mais tarde, o papa mais poderoso da Idade Média – um teólogo brilhante – há de confirmar uma simples regra para a vida consistente meramente de citados tirados dos Evangelhos permitindo aos irmãos leigos a pregação simples “em toda a orbe terrestre”.

A primeira regra começa com a frase característica e programática: “A vida dos irmãos é esta: seguir a doutrina e o exemplo do nosso Senhor Jesus Cristo” (Reg NB 1). Antes de descobrir as pegadas de Jesus, Francisco descobriu a Cruz. A meditação sobre a Paixão que é contada na cruz de São Damião, desde o cantar do galo, passando pela manhã da Páscoa até à Ascensão, demonstra ao comerciante buscante a Encarnação de Deus: como Mestre pobre e simples na terra, com companheiros e companheiras e num amor extensivo mesmo aos inimigos. Após dois anos de vida como eremita, Francisco descobriu, na vida ambulante dos apóstolos que rodeavam Jesus, o seu próprio caminho. Com os companheiros que o seguem aceita a vida galiléa dos amigos que rodeavam Jesus. Como Jesus andava pelas aldeias e cidades para se retirar de noite também para lugares sossegados e montes, o movimento dos primeiros franciscanos “cidade e silêncio”, liga tempos ao serviço dos homens com tempos em “lugares solitários”.

5. Nas Pegadas do Filho do Homem
Liberdade Evangélica

A história seguinte, que nos é contada por Jordão de Jano, na sua crônica, demonstra claramente, como Francisco e a primeira fraternidade transpõem o Evangelho para sua própria realidade.

Os cronistas dos cruzados escrevem o ano do Senhor 1219. Estamos em fins do outono e, na Palestina, as colheitas estão recolhidas. Francisco anda pela Terra Santa com a autorização do Sultão que ficou seu amigo em Setembro. O “poverello” tinha andado muito comovido pelos caminhos que viram “as pegadas do Senhor”. Certo meio-dia – assim conta Jordão de Jano – Francisco estava à mesa alhures na Judéia ou na Galiléia. Como aconteceu mais vezes, alguém o convidou a ele e aos seus companheiros Pietro di Cattaneo, Elias e Cesar de Spira. Talvez os anfitriões, desta vez, tivessem sido cruzados, um família modesta, talvez muçulmanos ou malteses para uma pousada de peregrinos. Estando reunidos, aparece de repente um irmão, suado, comovido com o desejo inquieto de encontrar Francisco. Saiu depressa da Itália, para lhe comunicar o que tinha acontecido aí, em Setembro. Gregório de Nápoles e Matteo de Narni, nomeados pelo poverello como os seus substitutos, tinham reunido os irmãos mais versados para um capítulo. Este decretou, entre outras coisas, severas prescrições em relação à comida. Não era permitido aos irmãos que obedecessem simplesmente às regras de jejum que são válidas para todos os leigos: durante todo o ano não deviam comer carne nas quintas e sextas-feiras! Os irmãos não deviam ficar por trás das ordens que se tinham tornado velhas e cômodas! O que é a norma para os monges, deve ser o mínimo para os frades menores. Assim, o capítulo decidiu regras de jejum e abstinência que prescreviam exatamente quando era proibido comer carne ou lacticínios. Francisco ficou assustado com o relatório do mensageiro. É verdade que ame a pobreza, que seja mais radical do que todos os outros, mas, para ele, não é uma ação ascética, nenhum trabalho, cuja renúncia possa ser medida em gramas ou em ganhos. E a sua reação é, portanto, tão elucidativa como libertadora: pergunta, com serenidade, aos seus companheiros, que estão sentados diante da carne nos pratos, não sabendo se podem continuar a comer, o que o Senhor tinha recomendado aos discípulos quando os tinha mandado por este país. Lucas nos conta (10,5-8): “Comam e bebam do que tiverem!“ Como os pobres que recebem com gratidão o que lhes é dado, que não estão habituados a escolher... e, oxalá, possam desfrutar do que a bondade das pessoas lhes der.

A reação do irmão que continua comendo – não fazendo caso das regras de jejum – é orientador e indica a decisão fundamental da sua espiritualidade: é necessário seguir o Evangelho, e não quaisquer normas, e medir-se só na prática de Jesus, e não nas indicações de frades, por mais santos que sejam: O Mestre é o único Senhor – Ele, que não era asceta, que amava a vida, mostrando-se tão amigo dos homens que multiplicou o vinho e que, inclusive, seus adversários chamaram de comilão e beberrão, depois de um banquete (Mt 11,19).

A pobreza evangélica não tem nada a ver com renúncias mensuráveis, com sucessos autoimpostos. É muito mais radical e, simultaneamente, mais libertadora. O conselho de Jesus ao jovem rico indica o primeiro passo fundamental. O Mestre encoraja o jovem que está disposto a fazer tudo, com as seguintes palavras: “Deixa tudo!” Tudo o que tens, dá aos pobres e segue-me com as mãos livres! “Francisco experimentou que a promessa se torna realidade para todos que seguem este conselho: “Quem arrisca tudo pelo Reino de Deus, quem, por isso, renuncia inclusive à casa, família, profissão e carreira, quem seguir Cristo com as mãos e os pés livres, com corpo e alma e com um coração livre, deixa muitas coisas, é verdade, mas recebe a seguir cem vezes mais!” (...) A confissão de uma pobreza que arrisca muito mais do que a pobreza dos monges que, no recolhimento de uma abadia levam uma vida regular e segura: a pobreza dos apóstolos faz com que o poverello percorra a Itália dum modo inseguro e com as mãos vazias, não sabendo de manhã onde poderá receber um pedaço de pão ao meio-dia e onde poderá repousar à noite. Numa pobreza que confia totalmente na bondade das pessoas e na misericórdia divina, é levado como irmão até França e Espanha, até o Egito e o acampamento do Sultão – com a confiança de mãos vazias e seguidor da missão pascal dada aos Apóstolos “anunciar o Evangelho a todos as criaturas” e “até aos confins do mundo“. Mesmo os supostos inimigos tornam-se amigos, como demonstra o próprio Sultão Malik al Kamil“.

Também esta história exemplifica como Francisco e sua primeira fraternidade transpõem o Evangelho para a sua própria realidade. Possívelmente, aconteceu um pouco mais tarde. Francisco voltou da Palestina à Itália:

O Poverello está outra vez na Cidade Santa, e o Cardeal Hugolino convida-o para comer. O bispo e “Senhor de Ostia” aproveita a oportunidade de apresentar o frade, que se tinha tornado famoso, aos seus familiares, nobres da família dos condes de Segni e a outros prelados. Há um banquete rico ao qual participam os senhores na hora do almoço. Para Francisco, está previsto o lugar de honra – bem visível para todos – ao lado do anfitrião. No entanto, no meio dos senhores nobres e excelências, o irmão menor parece não se sentir muito bem – ou é desta vez o banquete rico? De qualquer modo, pede licença por pouco tempo, desce para a ruela e senta-se no meio dos mendigos que pedem os restos da comida à porta do Senhor Cardeal. Quando Francesco tem suficientes migalhas de pão e restos de legumes no seu recipiente de madeira, volta para a companhia de Hugolino, distribui a cada hóspede algo das suas dádivas e senta-se outra vez... Após a refeição, Hugolino leva o poverello à parte, abraça-o perguntando-lhe um pouco embaraçado porque o tinha comprometido sobremaneira com esta atitude: “Não Vos honrei?” – ao que Francisco responde: – “Honrando um Senhor maior? Deus mesmo ama a pobreza, e eu quero seguir o meu Senhor que abdicou da sua riqueza, tornando-se pobre por nossa causa”.

A pobreza que Francisco chegou a amar seguindo os passos de Jesus tem uma força de união. A riqueza de Hugolino, no entanto, divide. O poverello supera o abismo existente entre o rico banquete do Cardeal com os seus amigos escolhidos, e os mendigos famintos à sua porta. O “Senhor de Ostia”, ex ofício “sucessor dos apóstolos” não conheceu esta pobreza que dá tudo o que tem, cujo amor une e liberta os homens, que dá vida e, repartindo também dá ao doador – cem vezes mais. A atitude exemplar do poverello na casa de Hugolino, é o paralelo de uma parábola de Jesus, da qual o prelado muito bem se recorda. Também na Roma medieval há Lázaros pobres e ricos comilões: bendito quem supera o abismo enquanto houver tempo.

6. “Agradar Cristo e seguir as suas pegadas”
Sucessão na fantasia do amor

Francisco estima, medita sobre e interioriza o Evangelho de tal maneira que lhe mostra, em todas as situações da vida, as “pegadas” de Jesus e faz ouvir a voz “do Filho de Deus” (CtOrd). A Palavra de Deus não só quer ser conhecida e estudada, mas sim quer fazer nascer Cristo de novo em nós através da nossa vida (Carta aos Fiéis). Num caso extremo deve-se, até mesmo, dar o único livro de Evangelhos se não for possível ajudar uma pessoa sofrente de outra maneira. No inverno de 1220/21, Francisco pede ao responsável da “Comunidade Exemplar” que se ofereça o único Livro de Evangelhos de Porciúncula a uma mãe empobrecida de dois irmãos para que ela o possa vender vencendo assim a sua miséria. Pois, Cristo gosta mais que os irmãos convertam a sua Palavra em ações concretas do que apenas rezem e meditem: “Tive fome e vós destes-me de comer.”

A prontidão de seguir com ações concretas o conselho de Jesus dirigido ao homem rico torna-se o critério para novas vocações no caminho da “fraternitas” franciscana. Escreve em 1223 na sua regra definitiva o que resulta da experiência própria radical e libertadora:

Se alguém movido pelo espírito de Deus quiser adotar esta vida e vem até aos nossos irmãos deve ser acolhido por eles com carinho. Se estiver decidido a escolher esta forma de vida... então os responsáveis devem dizer-lhe a Palavra do Evangelho para que ele vá a vender tudo o que possua cuidando de distribuir o provento entre os pobres. (RegB 2)

Não deve haver outra norma do que o Evangelho. A fantasia do amor demonstra a cada irmão como agradar melhor a Cristo. Uma sucessão autêntica desenvolve-se no signo duma amizade pessoal para com Cristo.

Fr. Leão já se encontra a caminho com o “poverello” há dez anos e é o seu mais íntimo. Embora já não seja principiante anseia instruções mais precisas para a sucessão. Em linhas escritas desajeitadamente, Francisco responde ao “seu irmão” e é ao mesmo tempo sensível como uma mãe. Mas, a sua liberdade evangélica, que escolheram juntos, não precisa de normas. Francisco evita entrar no papel dum líder ou dum mestre:

Fr. Leão, do teu irmão Francisco Paz e todo o Bem. Assim te digo, meu filho, como uma mãe, por todas as palavras que tocamos durante o caminho, resumo abreviando nesta palavra e aconselho-te tal – e tu, (depois,) não precisas de vir até mim, para ser aconselhado. Pois aconselho-te o seguinte: de que modo te pareça melhor agradar ao Senhor nosso Deus e seguir as Suas pegadas e a Sua pobreza, fá-lo com a benção do Senhor Nosso Deus e fraternalmente unido a mim. E se for necessário para a tua alma para obter uma consolação ou se quiseres por ti voltar para mim – vem!” (Leão)

A cartinha que Leone mantém durante mais de 50 anos no seu hábito, refleta a liberdade original franciscana da vida. Auto-responsabilidade une-se à solidariedade. Nenhum irmão e nenhuma prescrição, nenhuma pessoa e nenhum cargo devem colocar-se entre Cristo e aqueles ou aquelas que O sigam por amor. Nem leis ou instruções dum outro, mas sim a própria fantasia sabe melhor de que modo o discípulo agrada ao seu Mestre e o amigo agrada ao seu amigo. O “poverello” desperta no companheiro a coragem para se deixar dirigir na sucessão de novo pela fantasia do próprio amor.

7. “forma vivendi”
Núcleo da forma franciscana de viver

O texto mais antigo de Francisco que nos foi transmitido é a chave mais bonita da sua espiritualidade que se abre em relações ricas e intensas, através do seguimento de Jesus Cristo. Nos primeiros tempos da sua comunidade, Clara pede ao irmão que escreva a sua forma de viver em poucas linhas. O Poverello sintetiza numa única frase o que admira em São Damião, por volta de 1212. Mais tarde, há de aplicar esta ótica da vida cristã em toda a sua liberdade e em toda a sua riqueza a cada forma cristã de viver, apresentando-a na carta dirigida aos fiéis.

Movido pelo amor, Francisco escreveu a forma de viver da seguinte maneira:

“Visto que, por divina inspiração vos fizestes filhas e servas do altíssimo e sumo Rei, o Pai celeste, e desposastes o Espírito Santo, escolhendo viver segundo a perfeição do santo Evangelho, quero e prometo, por mim e por meus irmãos, ter sempre por vós diligente cuidado e especial solicitude, como tenho por eles” (RSC, VI,3-4)

A estrutura interna desta forma de vida torna-se mais nítida quando a única frase um pouco complicada será dividida nos seus sujeitos atuantes e, depois, num esboço:

Em escritos posteriores, esta primeira espiritualidade – vivida pelas irmãs de Clara e descrita por Francisco – apresenta-se como caminho para todos os fiéis de qualquer forma de viver. Na carta dirigida a todos os fiéis, a relação com Cristo abre-se numa tríplice forma de intimidade:

„E à medida que todos aqueles e aquelas fizerem tais coisas e perseverarem até o fim, pousará sobre eles o espírito do Senhor... e serão filhos e filhas do Pai celestial cujas obras realizam. E são esposos, irmãos e mães do nosso Senhor Jesus Cristo. Somos esposos, quando a alma fiel se une pelo Espírito Santo a Jesus Cristo. Somos seus irmãos, quando fazemos a vontade do Pai que está nos céus; somos mães, quando O trazemos em nosso coração e nosso corpo através do amor e da consciência pura e sincera; damo-lo à luz por santa ooperação que deve brilhar como exemplo aos outros (2Fi 48-53)“.

8. Encarnação
Admiração da “proximidade de Deus na terra”

As pegadas de Jesus levam o irmão peregrino também a Belém, o mais tardar em 1220, e isso, com corpo e alma. O seu compromisso contra a cruzada fracassa, no campo da aliança cristã, mas, do outro lado do Nilo, ganha um amigo, o Sultão al-Malek al-Kamil. Este consente que o Poverello continue livremente o caminho rumo à Palestina. De volta à Europa e, no Natal, o irmão procura meios de levar, também os camponeses da Itália, aos campos dos pastores de Belém: espiritual e palpavelmente. A festa natalícia de Greccio havia de entrar para a história. Francisco encenou o nascimento de Jesus, de tal forma realista, fundando assim a tradição do presépio, por ocasião da festa. O irmão passou a época fria do Advento de 1223, com poucos companheiros, na eremitagem de Greccio: era constituída de grutas sobre o vale de Rieti com a vista panorâmica para a planície suave até aos montes Sabinos ao norte de Roma.

Tempos de silêncio, após semanas de caminho, permitem refletir sobre as experiências e vivências feitas. Simultaneamente, abrem espaço para beber de fontes profundas e para estar só com Deus. Francisco quer, da mesma forma que seu Mestre, ir até Deus quando vem do meio dos homens, e vir de Deus quando for a estes (cf Mc 1,21-39). O biógrafo inicia a narrativa da festa natalina digna de menção, com a indicação de que o santo teria, “refletindo constantemente sobre as palavras do Senhor, não perdendo de vista nunca as Suas obras. Sobretudo, porém, sua humildade na encarnação e o seu amor na morte deixaram profundas marcas na sua memória.” A admiração sobre o caminho de Deus na terra inspira o poverello, duas semanas antes do Natal, a preparar uma festa especial juntamente com um fidalgo amigo, da região. A mesma devia, de maneira palpável, chamar a atenção, dos irmãos e do povo, para o amor e a humildade de Deus. Efetivamente, as pessoas munidas de archotes encontram na noite santa, na gruta dos irmãos, um menino recém-nascido em cueiros, deitado em palhas entre um boi e um burro. Na celebração da Eucaristia, sobre o presépio vivo, Francisco lê o Evangelho, ao qual a gruta, as palhas, os animais, o pequeno menino e a multidão fornecem um colorido nunca experimentado. Naquele tempo, como termina a descrição da comovente celebração, “nasceu o menino Jesus, de novo, nos corações de muita gente.” (1Cel 84-87).

Extraído de http://www.ccfmc.net/wPortugues/cbcmf/bibliothek/charisma/Kuster_Text.shtml?navid=103 acesso em 20 fev. 2010.

Ilustrações:
Cinema Strenge w czasie festiwalu Castle Party 2008 / Lilly M. 2008. Disponível em http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Cinema_Strenge_Castle_Party_2008_08.jpg acesso em 21 fev. 2010.

Detainees at Camp X-Ray / Shane T. McCoy, U.S. Navy. 2002. Disponível em http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Camp_x-ray_detainees.jpg acesso em 21 fev. 2010.

The Lord's Prayer / James Tissot. Brooklyn :Brooklyn Museum, 1886-1896. (The Life of Christ). Disponível em http://commons.wikimedia.org/wiki/File:TissotLordsPrayer.JPG acesso em 21 fev. 2010.

Thousands of footprints in the surge ash deposit of the Avellino eruption (1660 BC ca.-(+/-43 yrs, carbon-dated)) testify to an en masse exodus from the devastated zone / Giuseppe Mastrolorenzo, Pierpaolo Petrone, Lucia Pappalardo, and Michael F. Sheridan. 2006. Disponível em http://commons.wikimedia.org/wiki/File:SheridanVesuviusFootprints.jpg acesso em 21 fev. 2010.

Anbetung vor dem Thron Gottes. ca. 1000. Disponível em http://commons.wikimedia.org/wiki/File:BambergApocalypseFolio010vWorshipBeforeThroneOfGod.JPG acesso em 21 fev. 2010.

Vitrail l'Annonciation / par l'abbé Suger. Saint-Denis : Basilique de Saint Denis, Séc. XII. Disponível em http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Vitraux_Saint-Denis_190110_19.jpg acesso em 21 fev. 2010.

Fratello Sole, Sorella Luna Legendado

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Ariel Ramirez, 1921-2010

Gracias, Ariel!

A infância de Clara

Sempre servindo-nos do texto Chiara di Assisi. Um silenzio qui grida, de Chiara Giovanna Cremaschi (Ed. Porziuncola, Assisi) continuamos a refletir sobre a história de Clara. Hoje nos detemos nos primeiros anos de vida da santa.

Frei Almir Ribeiro Guimarães, OFM
1. Ao chegar ao mundo, Clara foi acolhida com todo afeto por sua família. Certamente Ortolana, a mãe, haveria de tomar a peito a educação da menina. O pai aparece pouco presente em seu caminho e em sua história, o que não exclui contacto com a filha quando de sua presença em casa, entre uma e outra de suas viagens. Podemos imaginar que Ortolana tenha ensinado a Clara os fundamentos da fé cristã, iniciando-a na oração com métodos adaptados à sua idade. Celano lembra que Clara , não dispondo de contas para repassar os Pai-nossos, usava um monte de pedrinhas para contar suas pequenas orações ao Senhor (LSC 4).

2. Ortolana ( como todas as mães e todos os pais cristãos) transmite a fé pela vida. É todo o ser do catequista que é digno de credibilidade. Há um clima educacional e “catequético” que se cria por pessoas que sabem amar os educandos e os filhos e que têm o costume de se aquecer com os raios do amor de Deus. Ortolana é uma pessoa humanamente madura. Clara se sente respeitosamente amada pela mãe. Assim foi crescendo interiormente. Na casa paterna haveria Clara de encontrar um terreno propício para o desenvolvimento de suas características pessoais adultas: firmeza de vontade acompanhada de grande doçura, senso positivo diante da vida, gratidão pelos benefícios recebidos da parte de Deus, abandono filial nos braços do Pai que é terno como uma mãe. Estamos convencidos de que as mães ( e os pais) precisam ser os primeiros e fundamentais catequistas dos filhos e estes necessitam crescer num espaço de acolhimento-amor. A feminilidade que a filha de Favarone haverá de manifestar de modo tão refinado tem na mãe sua raiz e exemplo. Acrescente-se ainda que a capacidade de criar união entre as irmãs de São Damião foi possível porque teve o seu primeiro germe nos relacionamentos cordiais e respeitosos vividos com a mãe e as irmãs, bem como com mulheres que freqüentavam a casa da Praça de São Rufino.

3. As Fontes dão a entender que, nos primeiros anos de vida, Clara já se interessa pelos pobres. Essa atenção pelos mais necessitados também aprendeu de sua mãe que, com simplicidade e sem ostentação se ocupava desses que necessitavam. A descoberta da indigência de tantos faz com que Clara coloque gestos bem concretos. Não se limita a socorrer os pobres com a abundância de sua casa, com o supérfluo. Priva-se de alimentos delicados. Novamente Celano: “Para que o seu sacrifício fosse mais agradável a Deus privava seu próprio corpinho dos alimentos mais delicados enviando-os às ocultas por intermediários, reanimava o estômago de seus protegidos” (n.3).

4. Depois Clara receberá outros elementos de sua família para sua formação. Não se tem muitos elementos para descrever os estudos feitos pela menina e mocinha. Como adulta mostrará um bom conhecimento do latim. Com inteligência intuitiva apreende a realidade e a reelabora intuitivamente. “Parece que podemos afirmar que Clara é formada no estilo clássico de escrever, através do qual o vassalo se dirige ao seu senhor que está acima dele, porque não pode permitir-se errar no tom, vocábulos, atitudes em relacionamento tão delicado. Muito provável ainda que a primogênita dos Favarone tenha aprendido a literatura cortês, apreciada pelo seu tempo. Tem ela um temperamento ardente, tipicamente mediterrâneo, levado a decisões radicais, sem meias medidas. É límpida e sincera. Assumindo uma linha de comportamento, persegue-a a todo custo, sem se deixar abater. Clara é, por natureza, alegre, levada sempre a ver o lado bom das situações, dos acontecimentos e das pessoas. Fundamentalmente tem grande confiança na capacidade presente em todas as criaturas humanas no sentido de realizar a plenitude do que se propõe” ( p. 24-25).

5. Durante a infância Clara veio a experimentar na própria pessoa as conseqüências da luta entre os nobres e a burguesia. Devido aos conflitos entre e uns e outros, o tio Monaldo optou pelo exílio e leva toda a família para Perugia onde permanecerão alguns anos. Ali a primogênita dos Favarone cresce ao lado da irmã menor Catarina, experimentando a vida numa cidade diferente daquela em que nascera, tanto pela posição geográfica quanto pela arquitetura, hábitos e costumes de seus cidadãos. Dilata-se o círculos dos relacionamentos, sobretudo graças à mãe que cria à sua volta uma rede de amizades com mulheres de sua classe social. Delas as filhas aprendem a arte di diálogo, o acolhimento do outro e um certo estilo de convivência feminina. Pode-se dizer que Clara não ressentiu negativamente a mudança de cidade, não perdendo o sentido positivo diante das coisas da vida e a atitude de acolhimento das pessoas.

6. Antes do retorno para Assis que deve ter se dado quando Clara tinha dezessete anos, ou logo depois, vem à luz a última filha dos Favarone, Beatriz. Nada podemos dizer dos sentimentos que suscitaram a chegada desta irmã na primogênita, agora já adulta. Depois vem a idade da adolescência.

Extraído de http://www.franciscanos.org.br/v3/almir/artigos/clara/02.php acesso em 18 fev. 2010.

Firefox