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quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

O SIM DE MARIA SANTÍSSIMA





O SIM DE MARIA SANTÍSSIMA

Todos nós podemos dizer sim a Deus, porém, de que forma e com que objetivo? E, em que resulta este nosso sim? Como podemos saber isto? Todo sim dado a Deus tem uma história de vida por trás dele, isto significa que os acontecimentos de nossa existência não são por acaso. De fato, por termos origem divina, tudo em nosso ser e existir transpõe os limites de nossa natureza, por isso, o nosso viver depende das escolhas e decisões que tomamos, baseados nos dons que de Deus recebemos. Todavia, não podemos nunca excluir Deus dessas escolhas e decisões, pois se o fizermos fatalmente nos destinamos à ruína eterna, visto que sem Deus nada subexiste  por muito tempo, porque somente em Deus permanecemos eternamente. 

Bem nos ensinou São Paulo a esse respeito, quando disse: "O Deus, que fez o mundo e tudo o que nele há, é o Senhor do céu e da terra, e não habita em templos feitos por mãos humanas. Nem é servido por mãos de homens, como se necessitasse de alguma coisa, porque é ele quem dá a todos a vida, a respiração e todas as coisas. Ele fez nascer de um só homem todo o gênero humano, para que habitasse sobre toda a face da terra. Fixou aos povos os tempos e os limites da sua habitação. Tudo isso para que procurem a Deus e se esforcem por encontrá-lo como que às apalpadelas, pois na verdade ele não está longe de cada um de nós. Porque é nele que temos a vida, o movimento e o ser..." (At 17,24-28a). 

De fato, segundo as Sagradas Escrituras, como vimos, a história humana começou com Adão e Eva, e depois do pecado destes, prosseguiu com seus descendentes até Deus Pai escolher um povo, na pessoa de Abraão, para amá-lo e servi-lo, e fazer nascer dele um salvador para toda a humanidade e toda criação; cumprindo assim, a promessa de salvação que havia feito aos nossos primeiros  pais, Adão e Eva, depois que pecaram (cf. 3,15). Desse modo, "quando veio a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho, que nasceu de uma mulher e nasceu submetido a uma lei, a fim de remir os que estavam sob a lei, para que recebêssemos a sua adoção" (Gal 4,4-5). Ora, se Deus quis assim se fazer cumprir a sua vontade na Obra da Criação, é porque não quis fazer nada sem a nossa cooperação.

Agora, meditemos sobre o Sim de Maria, pois ele é o que há de mais original, em termos de cooperação com Deus, na história da salvação. O Sim da Virgem Mãe significa que nela se cumpriu todas as promessas que Deus havia feito aos Antigos Patriarcas, dos quais ela descende. Pois, com os Patriarcas Deus fez alianças, lhes deu uma Lei Sagrada, uma terra prometida e todos os favores para permanecerem fiéis e em comunhão com Ele. Mas, como não observaram suas leis e mandamentos, o Senhor enviou seus profetas que lhes anunciou com mais ênfase ainda a vinda do salvador prometido. Com efeito, o Profeta Isaías, assim profetizou: "Ouvi, casa de Davi: Não vos basta fatigar a paciência dos homens? Pretendeis cansar também o meu Deus? Por isso, o próprio Senhor vos dará um sinal: uma virgem conceberá e dará à luz um filho, e o chamará Deus Conosco". (Is 7,13-14). 

Com efeito, em cumprimento a essa profecia de Isaías, Deus enviou o Anjo Gabriel para anunciar à virgem Maria o nascimento de Seu Filho, Jesus Cristo (cf. Lc 1,26-38); este fato nos mostra claramente que os céus e a terra estão unidos, pois Deus veio habitar no meio de nós. Desse modo, podemos afirmar com toda convicção, que todos os acontecimentos que se deram depois da Encarnação do Verbo, tem seu fundamento na Vontade de Deus por meio do Sim de Maria:"Eis a serva do Senhor. Faça-se em mim segundo a tua palavra". Assim, a partir desse Fiat (faça-se) da Santíssima Virgem, o Espírito Santo gerou Jesus em seu ventre, e o Deus Conosco  (Emanuel), tornou-se carne de sua carne e sangue de seu sangue (cf. Lc 1,26-38). Também a partir desse sim de Maria, Jesus foi apresentado ao Pai, por Simeão, no templo de Jerusalém; João Batista o apontou como o "Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo" (cf. Jo 1,29). Enfim, e por sua intercessão materna Jesus fez o primeiro milagre, antecipando sua hora de manifesta-se como o Messias enviado por Deus (cf. Jo 2,1012).

E confirmando ainda mais o seu Sim, em seu mais sublime ato de amor ao Pai, Maria ofereceu seu amado Filho, Jesus Cristo, no altar da Santa Cruz como nosso Redentor, assumindo com Ele o múnus sacrifical, e recebendo Dele a missão de Mãe da humanidade, como a Nova Eva (cf. Jo 19, 23-27). E vivendo mais intensamente o seu Sim, Maria Santíssima com os Apóstolos no Cenáculo, assistiu o nascimento da Igreja com a vinda do Espírito Santo na Teofania de Pentecostes (cf. At 1,12-14; 2,1-13); acompanhou a evangelização dos Apóstolos, o nascimento dos primeiros escritos destes; o crescimento do rebanho do Senhor; até que foi elevada ao céu em corpo e alma, conforme a vontade de Deus (cf. At 2,31).

O que dizer ainda mais do Sim de Maria? Todos os milagres de Cristo e dos Apóstolos; a revelação do Reino de Deus e de sua Justiça anunciada por Jesus; a pregação da Palavra em todo mundo conhecido; o perdão dos pecados estendido à todos os pagãos; a instituição dos Santos Sacramentos, em especial, a Eucaristia, o sacerdócio e a Santa Missa, enfim, todos os homens e mulheres que se santificaram ao longo da história da Igreja, tiveram sua gênese no Sim de Maria, ela que se fez "a serva do Senhor". Tudo o que vimos no seu Filho, tudo o que Ele fez e faz hoje e sempre, nasceram do Sim da Teotokos (Mãe de Deus).

Portanto, o Sim de Maria é o Sim fundacional da Nova Criação, da Nova Humanidade. Maria é para nós o milagre vivo de Deus; ela é a porta do céu, por onde Deus entrou no seio da humanidade e permanece conosco até o fim dos tempos. E mais ainda, em Maria e em seu Filho Jesus Cristo, Deus Pai nos deu não somente o Modelo Perfeito que sempre quis para a humanidade, mas também o Dom do Espírito Santo no novo nascimento na ordem da graça pelo batismo, para que assim fôssemos adotados como seus filhos e filhas amados. 

Destarte, meditemos mais um pouco sobre o Sim de Maria, Mãe de Jesus e nossa mãe, com suas próprias palavras: 

"E Maria disse: Minha alma glorifica ao Senhor, meu espírito exulta de alegria em Deus, meu Salvador, porque olhou para sua pobre serva. Por isto, desde agora, me proclamarão bem-aventurada todas as gerações, porque realizou em mim maravilhas aquele que é poderoso e cujo nome é Santo. Sua misericórdia se estende, de geração em geração, sobre os que o temem. Manifestou o poder do seu braço: desconcertou os corações dos soberbos. Derrubou do trono os poderosos e exaltou os humildes. Saciou de bens os indigentes e despediu de mãos vazias os ricos. Acolheu a Israel, seu servo, lembrado da sua misericórdia, conforme prometera a nossos pais, em favor de Abraão e sua posteridade, para sempre". (Lc 1,46-55).

Paz e Bem!

Frei Fernando Maria,OFMConv.



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sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

AS INVOCAÇÕES DA LADAINHA DE NOSSA SENHORA (XXIII)


 


AS INVOCAÇÕES DA LADAINHA DE NOSSA SENHORA (XXIII)

Rainha dos Anjos

A oração, como dádiva do Espírito Santo em nossa alma, sempre foi e sempre será o dom que mais nos aproxima de Deus, especialmente quando nos dedicamos a ela ou pedimos a intercessão da Virgem Mãe, e dos santos e santas. Por esse dom, gozamos da intimidade divina e de todas as graças que Deus dispõe à nosso favor. Ora, nenhuma criatura é mais íntima de Deus que a Santíssima Virgem Maria, pois, Deus mesmo gerou em seu ventre Seu Filho amado, aquele que é o Senhor e Rei do céu e da terra, e fez de sua Mãe rainha dos anjos, dos homens e de todos os santos e santas de Deus.

Existe uma oração belíssima dirigida a Nossa Senhora, Rainha dos Anjos, pedindo sua intercessão, na luta contra o pecado e contra as hostes do maligno  os anjos decaídos; a fim de nos mantermos de pé diante do Altíssimo, para caminharmos sempre pelo caminho da salvação com o auxílio dos santos anjos, guiados pela Virgem Mãe. Essa oração foi confeccionada pelo Padre Luis Eduardo Cestac, fundador da Congregação das Servas de Maria (Anglet); e depois, "foi aprovada por vários Bispos e Arcebispos. Em 8 de junho de 1908, o Papa São Pio X concedeu 300 dias de indulgência a todas as pessoas que a recitarem".(*)

Eis a oração: "Augusta Rainha do Céu e altíssima soberana dos Anjos, vós que desde os primórdios recebestes de Deus o poder e a missão de esmagar a cabeça de Satanás, humildemente vos rogamos, enviai vossas santas legiões de Anjos, a fim de que à Vossa Ordem e pelo vosso poder persigam os espíritos infernais e em toda a parte os combatam, confundindo-os em sua arrogância e arrojando-os para o abismo".(*)

Rainha dos Patriarcas

Com o pecado de Adão e Eva, Deus foi, como que posto de lado, por causa do pecado, pois em Deus não há pecado. Deus, porém, em seu infinito amor jamais abandonou o homem nesse seu infortúnio, pelo contrário, teve compaixão e prometeu um salvador (cf. Gen 3,16) que viria a este mundo para libertar a humanidade e toda criação. Ao longo da história humana Deus renovou constantemente sua promessa, fazendo alianças com os homens, até que se cumprisse plenamente o que houvera prometido; assim foi com Noé, Abração, Isaac, Jacó, Moisés e todos justos que vieram depois deles. 

Com a encarnação do Verbo, no seio virginal de Maria, Deus cumpriu a sua promessa e se estabeleceu definitivamente no meio de nós. De fato, Jesus mesmo nos ensinou:"Mas, quanto a vós, bem-aventurados os vossos olhos, porque vêem! Ditosos os vossos ouvidos, porque ouvem! Eu vos declaro, em verdade: muitos profetas e justos desejaram ver o que vedes e não o viram, ouvir o que ouvis e não ouviram". (Mt 13,16-17). Desse modo, compreendemos que em Maria, Deus cumpriu o que houvera prometido aos Antigos Patriarcas, enviando o Messias nascido de seu ventre. Assim, Jesus é a plenitude do cumprimento dessa promessa; e por ele, Maria tornou-se Mãe e Rainha de todo o povo de Deus, desde os santos Patriarcas do Antigo Testamento, até nós que formamos a Igreja da Nova e Eterna Aliança, firmada em Seu Sangue Redentor.

Rainha dos Profetas

Por que Maria é invocada como mãe dos profetas? Porque "a grande missão de todos os profetas foi anunciar ao mundo a vinda do Salvador, e Maria sempre esteve no coração desta grande profecia". No início do Evangelho de São Mateus, Deus confirmou essa verdade revelando-a a São José: “José, filho de Davi, não temas receber Maria por esposa, pois o que nela foi concebido vem do Espírito Santo.  Ela dará à luz um filho, a quem porás o nome de Jesus, porque ele salvará o seu povo de seus pecados. Tudo isto aconteceu para que se cumprisse o que o Senhor falou pelo profeta:  Eis que a Virgem conceberá e dará à luz um filho, que se chamará Emanuel (Is 7, 14), que significa: Deus conosco”  (Mt 1,20-23).

De fato, à todos os profetas Deus sempre se deu a conhecer como "Deus conosco", isto é, o sempre presente, porém, na Encarnação do Seu Verbo, Deus foi além, tornou-se "carne de nossa carne e sangue de nosso sangue", obviamente no seio da santíssima Virgem Maria. Assim, os profetas tiveram um papel fundamental na revelação desse Grande Mistério e do seu anúncio, e Maria como Mãe do Salvador, tornou-se Rainha de todos esses profetas que hoje se encontram no paraíso, participando do Reino de Deus. Por fim, como Rainha dos Profetas, ela mesma assumiu esse dom da profecia quando profetizou as maravilhas de Deus, no seu belíssimo Cântico do Magnificat (cf. Lc 1,46-55).

Paz e Bem!

Frei Fernando Maria,OFMConv.

(*)(http://saopio.wordpress.com/2008/01/25/oracao-a-rainha-dos-anjos/)



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7 VECES CRUCIFICADO. Videoclip. Tema de JAVIER MAROTO

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

São Francisco de Assis (filme, 1961, completo)

Francis of Assisi / Direção Michael Curtiz. -- EE.UU.A., 1961.
Filme completo, com legendas em porguguês (é preciso ativar as legendas).

Curiosidade: Santa Clara é interpretada por Dolores Hart que dois anos depois abandonou a carreira de atriz e tornou-se monja beneditina em Connecticut, sendo a única freira membro da Academia de Cinema de Holliwood tem direito à voto para o Oscar e todos os anos vê os fimes indicados.

sábado, 16 de fevereiro de 2013

Blog da JuFra Canindé

Blog da Juventude Franciscana de Canindá, Ceará:

A FÉ SEM OBRAS É MORTA (Tiag 2,26).





A FÉ SEM OBRAS É MORTA (Tiag 2,26).

A fé verdadeira crê e espera mesmo quando não entende...
Porque vê além das aparências...
Pois percebe o novo que vem de Deus sempre, 
e permanece em sua presença constantemente...
Contemplando o seu desígnio redentor...

Assim, crer é um profundo ato de obediência e amor...
Que reverentes prestamos ao nosso Criador e Pai de nossas almas...
Não podemos dizer que não o conhecemos...
E que não temos nada com Ele...
Porque sem Ele nada somos e nada podemos...
Pois, todo poder sobre o céu e sobre a terra, 
pertence unicamente ao Senhor...
E ai de quem dele queira se apossar...
Porque, por mais que alguém se esforce... 
Um dia chegará seu fim e nada lhe restará, 
a não ser a prática do bem que de Deus recebeu para à Ele ser fiel...
Caso contrário, será julgado pelos os atos nefastos que praticou...

Na alma humana não há espaço para a graça e o pecado...
Assim como não há união entre a luz e as trevas...
Também não há comunhão entre o bem e o mal...
Porque o bem vem somente de Deus; 
e o mal somente do mal...
Portanto, não existe o mal em Deus...
E como não existe em Deus, 
todo o mal que há será precipitado na geena eterna...

Quanto ao mal que é praticado no tempo, 
se perpétua definitivamente após o julgamento...
Porque na eternidade, após a sentença final, 
não há mudança de condição...
Quem plantou o trigo da bondade divina, 
colherá da bondade divina a felicidade eterna...
Quem plantou o joio da discórdia e divisão, 
colherá seu quinhão de perversão infinitamente...

Portanto, não queira ir para o abismo infernal desde já, 
pela prática da maldade que há neste mundo...
Que o teu sim, seja sim, e o teu não, seja não...
O que passa disso vem do Maligno. (cf. Mt 5,36)...

Paz e Bem!

Frei Fernando Maria,OFMConv.


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sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

O fim de um pontificado de transição: de onde saiu e para onde nos leva?

"Como uma espécie de herança destes breves 7 anos de pontificado, Bento XVI deixa por implementar o projeto de Nova Evangelização. A questão é saber se Nova Evangelização é um novo termo mais palatável para o mesmo projeto de Cristandade ou se é realmente algo “novo”, no sentido de uma Igreja à serviço do mundo na linha da Gaudim et  Spes", escreve Sérgio Ricardo Coutinho.

Sérgio Ricardo Coutinho é mestre (UnB) e doutorando (UFG) em História Social; professor de “História da Igreja” no Instituto São Boaventura e de “Formação Política e Econômica do Brasil” e de “Teoria Política” no Centro Universitário IESB, em Brasília; membro da Associação Brasileira de História das Religiões (ABHR) e presidente do Centro de Estudos em História da Igreja na América Latina (CEHILA-Brasil).
Eis o artigo.
Sergio Ricardo Coutinho
A renúncia do papa Bento XVI acontece em meio às comemorações dos 50 anos do Concílio Vaticano II. Há cinquenta anos atrás também estava um “papa de transição” e que percebeu qual deveria ser a relação da Igreja com a sociedade, com o mundo, com a história.

Desde as primeiras intervenções, João XXIII reafirmava a sua intenção de que o Concílio estivesse em continuidade com o ensinamento da Igreja e que o apresentasse ao todos os homens, levando em conta, porém, os desvios, as exigências e as oportunidades do nosso tempo. Portanto, como disse Giuseppe Alberigo (1a), “não uma continuidade abstrata e atemporal, mas historicizada; com referência não só aos erros, mas também às novas instancias e possibilidades (...) uma continuidade que não fosse surda às mudanças da história, nem dominada pela categoria do erro”.

Assim, João XXIII acentuou, então, as modificações dinâmicas iniciadas na sociedade mundial e na atitude positiva da fé cristã e da Igreja diante disso. Por isso, ele rejeitava com grande veemência a posição de quem via “nos tempos modernos tão-só prevaricação e ruína”, e daí, um regresso em relação ao passado. Pelo contrário, declarou solenemente que tinha de discordar “desses profetas da desgraça”.

Quarenta anos depois do encerramento do Concílio, um de seus peritos chegava ao pontificado sob o nome de Bento XVI. A escolha do nome já carrega em si um projeto: a recristianização do Ocidente. Um “novo” Bento de Núrcia.

Diferentemente de João XXIII, seu pontificado de “transição” se manteve sim em continuidade com o ensinamento da Igreja, mas cometeu o mesmo equívoco de seu antecessor: uma continuidade surda aos “sinais dos tempos”.

Seu desafio maior continuou sendo o mesmo de João Paulo II: como restaurar autoridade moral e política da Igreja diante de um mundo cada vez mais globalizado e secularizado? A resposta continuou a mesma: não há verdadeira civilização nem autêntica convivência humana fora de uma sociedade onde a Igreja dite as regras e os valores do viver social. Ou seja, não pode haver uma sociedade globalizadamente cristã fora dos princípios da Cristandade.

A questão é que a secularização também penetrou fundo no interior da Igreja. Daí que seu pontificado foi quase que totalmente preocupado com as questões internas em vista das externas: a pedofilia no clero, o “vatileaks” e a luta por poder na Cúria Romana, os cismas explícitos (lefebvrianos) e implícitos (as “desobediências”), e o projeto de Nova Evangelização.

Um dos maiores desafios foi o de retomar a credibilidade interna e externa agindo de forma firme e enérgica diante dos milhares de casos de abusos sexuais por parte de padres e religiosos, tanto na Europa como nos Estados Unidos. Isto custou muito sofrimento não só às vítimas, mas também ao próprio papa (1).

Estes fatos o convencem de uma coisa: só se poderá restaurar a “civilização cristã” com um clero fortalecido na moral e na obediência. De certa forma, isto explica a busca de diálogo e de retornar à comunhão com a Fraternidade São Pio X fundada pelo bispo tradicionalista Monsenhor Marcel Lefebvre. Ali encontraria um clero com identidade católica acima de qualquer suspeita. Primeiro, dois gestos de amizade e simpatia: o levantamento da excomunhão de quatro bispos da Fraternidade e a publicação do Motu Proprio que autorizava e restaurava a missa em latim. O resultado: os lefebvrianos continuam mais cismáticos do que nunca e não aceitam de forma alguma os termos de retorno à luz da aceitação do Concílio Vaticano II. Uma derrota de sua diplomacia que ele não contava (2).

Outro passo nesta mesma direção: restaurar os Legionários de Cristo. Bento XVI, corajosamente, levou à cabo uma investigação, há muito interrompida, acerca do comportamento moral do fundador dos Legionários, o padre Marcial Maciel. Depois de sua morte, veio à tona ainda outros fatos mais impressionantes que deixaram o papa perplexo. Resultado: a nomeação de um interventor pontifício e a reforma das regras dos Legionários. Com o desejo de não perder as grandes bases econômicas deste Instituto, Bento XVI também queria dar continuidade a “fornada” de novos padres com forte identidade católica. Neste ponto, nos parece que sua ação teve sucesso (3).

Por outro lado, teve que ver fortes manifestações de “desobediência” por parte de padres e teólogos “esclarecidos” (4). Tanto na sua terra natal como nas vizinhas Áustria e Suíça os padres fizeram um “Apelo à Desobediência”. O programa era bem conhecido: celibato dos padres, ordenação de mulheres, valorização do laicato, formação de pequenas comunidades, inclusão de casais de segunda união e de homoafetivos entre outros. O movimento alcançou um número impressionante de assinaturas. Bento XVI encarregou seu cardeal, agora papável, Christian Schönborn para acompanhar o caso de mais perto e “apelando para a obediência” (5).

A maior desobediência talvez tenha vindo de dentro da própria Cúria Romana. Com o enfraquecimento e diminuição da importância política dos Legionários, outros dois grupos neointegristas avançam decididamente em busca do papado: o Opus Dei e o Comunhão e Libertação. O chamado “vatileaks” nada mais foi que a busca por informações privilegiadas em vista do xeque mate no jogo do próximo conclave, que já estava plenamente aberto na cara de Bento XVI (6).

O discurso do papa aos recém purpurados em fevereiro de 2012, dava bem o tom de seu sentimento de decepção: quis propor aos novos cardeais uma imagem da Igreja incomparável com as lutas de poder, os negócios, a busca da glória e do carreirismo. (7). Bento XVI não teve força política, ou pelo menos não quis exercê-lo, para uma reforma profunda na Cúria. O jeito que encontrou foi tentar torná-la mais universal e menos europeia. O breve consistório de novembro do ano passado incluiu nomes vindos de regiões onde o catolicismo é minoritário e perseguido, mas muito florescente. (8). Ao nosso ver, o “golpe” de Bento XVI contra Cúria teve dois atos: o primeiro foi este, o segundo foi a sua surpreendente renúncia.

Finalmente, como uma espécie de herança destes breves 7 anos de pontificado, Bento XVI deixa por implementar o projeto de Nova Evangelização. A questão é saber se Nova Evangelização é um novo termo mais palatável para o mesmo projeto de Cristandade ou se é realmente algo “novo”, no sentido de uma Igreja à serviço do mundo na linha da Gaudim et  Spes.

Em artigo nosso anterior, sobre as Proposições do Sínodo sobre a Nova Evangelização, encontramos ali alguma coisa sobre este projeto, ou melhor, sobre as relações entre Igreja e sociedade, entre Igreja e mundo, entre Igreja e história. Como a imensa maioria dos bispos e cardeais foram feitos, nestes últimos 35 anos, por João Paulo II e Bento XVI, precisaremos ficar atentos quando da alocução Urbi et Orbi do novo papa eleito, em fins de março próximo, pois ali estará explicitado seu “programa de governo” e pode muito bem ser este:

“Somos cristãos vivendo em um mundo secularizado. Considerando que o mundo é e continua sendo a criação de Deus, a secularização se insere na esfera da cultura humana. Como cristãos, não podemos ficar indiferentes ao processo de secularização. Estamos, de fato, em uma situação semelhante à dos primeiros cristãos e, como tal, devemos ver isso tanto como desafio e possibilidade. Vivemos neste mundo, mas não somos deste mundo (cf. Jo 15, 19;17, 11-16). O mundo é criação de Deus e manifesta seu amor. Em e através de Jesus Cristo, recebemos a salvação de Deus e somos capazes de discernir o progresso de sua criação. Jesus abre as portas para nós de novo, de modo que, sem medo, possamos abraçar amorosamente as feridas da Igreja e do mundo (cf. Bento XVI) (Prop. 8). (...) A mensagem de verdade e de beleza [do Evangelho] pode ajudar as pessoas a fugir da solidão e da falta de sentido onde muitas vezes estão relegadas nas condições da sociedade pós-moderna. Portanto, os crentes devem se esforçar para mostrar ao mundo o esplendor de uma humanidade baseada no mistério de Cristo. (Prop. 13) (...) Em um mundo que está cindido por guerras e violência, um mundo ferido por um individualismo muito difundido, que separa os seres humanos entre si, e coloca um contra o outro, a Igreja deve desempenhar o seu ministério de reconciliação de maneira calma e firme. (...) a Igreja tem que fazer um esforço para derrubar os muros que separam os seres humanos. (...) ela tem que pregar a novidade do Evangelho salvífico de Nosso Senhor, que veio para nos libertar de nossos pecados e para nos convidar a construir a paz, harmonia e justiça entre os povos”. (Prop. 14)

Notas do Autor:
1.- Pedofilia: como Bento XVI se diferenciou de João Paulo II
1a.- ALBERIGO, Giuseppe. A Igreja na História. SP: Paulinas, 1999, p. 293

2.- Lefebvrianos: a derrota de Ratzinger
3.- A difícil refundação dos Legionários de Cristo: entre os escândalos e os costumes
4.- "Igreja 2011: uma virada necessária" – Manifesto dos teólogos alemães, suíços e austríacos
5.- Papa teme um cisma progressista na Igreja
6.- O Vatileaks e as ''guerras vaticanas''
7.- Papa convida a Igreja a um banho de humildade
8.- Consistório: o ''golpe'' de Bento XVI

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

A eleição de um novo papa e o Espírito Santo

Ivone Gebara
Escritora, filósofa e teóloga

Depois da louvável atitude do ancião Bento XVI renunciando ao governo da Igreja Católica Romana sucederam-se entrevistas com alguns bispos e sacerdotes nas rádios e televisões de todo o país. Sem dúvida, um acontecimento de tal importância para a Igreja Católica Romana é notícia e leva a previsões, elucubrações de variados tipos, sobretudo de suspeitas, intrigas e conflitos dentro dos muros do Vaticano que teriam apressado a decisão do papa.

Ivone Gebara
No contexto das primeiras notícias, o que chamou a minha atenção foi algo à primeira vista pequeno e insignificante para os analistas que tratam dos assuntos do Vaticano. Trata-se da forma como alguns padres entrevistados ou padres liderando uma programação televisiva, quando perguntados sobre quem seria o novo papa saíssem pela tangente. Apelavam para a inspiração ou vontade do Espírito Santo como aquele do qual dependia a escolha do novo pontífice romano. Nada de pensar em pessoas concretas para responder a situações mundiais desafiantes, nada de suscitar uma reflexão na comunidade, nada de falar dos problemas atuais da Igreja que a tem levado a um significativo marasmo, nada de ouvir os clamores da comunidade católica por uma democratização significativa das estruturas anacrônicas de sustentação da Igreja institucional. A formação teológica desses padres comunicadores não lhes permite sair de um discurso padrão trivial e abstrato bem conhecido, um discurso que continua fazendo apelo a forças ocultas e de certa forma confirmando seu próprio poder. A contínua referência ao Espírito Santo a partir de um misterioso modelo hierárquico é uma forma de camuflar os reais problemas da Igreja e uma forma de retórica religiosa para não desvendar os conflitos internos que a instituição tem vivido. A teologia do Espírito Santo continua para eles mágica e expressando explicações que já não conseguem mais falar aos corações e às consciências de muitas pessoas que têm apreço pelo legado do Movimento de Jesus de Nazaré. É uma teologia que continua igualmente a provocar a passividade do povo crente frente às muitas dominações inclusive as religiosas. Continuam repetindo fórmulas como se estas satisfizessem a maioria das pessoas.

Entristece-me o fato de verificar mais uma vez que os religiosos e alguns leigos atuando nos meios de comunicação não percebam que estamos num mundo em que os discursos precisam ser mais assertivos e marcados por referências filosóficas para além da tradicional escolástica. Um referencial humanista os tornaria bem mais compreensivos para o comum das pessoas incluindo-se aqui os não católicos e os não religiosos. A responsabilidade da mídia religiosa é enorme e inclui a importância de mostrar o quanto a história da Igreja depende das relações e interferências de todas as histórias dos países e das pessoas individuais. Já é tempo de sairmos dessa linguagem metafísica abstrata como se um Deus iria se ocupar especialmente de eleger o novo papa prescindindo dos conflitos, desafios, iniqüidades e qualidades humanas. Já é tempo de enfrentarmos um cristianismo que admita o conflito das vontades humanas e que no final de um processo eletivo, nem sempre a escolha feita pode ser considerada a melhor para o conjunto. Enfrentar a história da Igreja como uma história construída por todos e todas nós é testemunhar respeito por nós mesmas/os e mostrar a responsabilidade que todas e todos que nos consideramos membros da comunidade católica romana temos. A eleição de um novo papa é algo que tem a ver com o conjunto das comunidades católicas espalhadas pelo mundo e não apenas com uma elite idosa minoritária e masculina. Por isso, é preciso ir mais além de um discurso justificativo do poder papal e enfrentar-se aos problemas e desafios reais que estamos vivendo. Sem dúvida, para isso as dificuldades são muitas e enfrentá-las exige novas convicções e o desejo real de promover mudanças que favoreçam a convivência humana.

Preocupa-me mais uma vez que não se discuta de forma mais aberta o fato de o governo da Igreja institucional ser entregue a pessoas idosas que apesar de suas qualidades e sabedoria já não conseguem mais enfrentar com vigor e desenvoltura os desafios que estas funções representam. Até quando a gerontocracia masculina papal será o doublé da imagem de um Deus branco, idoso e de barbas brancas? Haveria alguma possibilidade de sair desse esquema ou de ao menos começar uma discussão em vista de uma organização futura diferente? Haveria alguma possibilidade de abrir essas discussões nas comunidades cristãs populares que têm o direito à informação e à formação cristã mais ajustada aos nossos tempos?

Sabemos o quanto a força das religiões depende de desafios e comportamentos frutos de convicções capazes de sustentar a vida de muitos grupos. Entretanto, as convicções religiosas não podem se reduzir a uma visão estática das tradições e nem a uma visão deliberadamente ingênua das relações humanas. As convicções religiosas igualmente não podem ser reduzidas a onda de devoções as mais variadas que se propagam através dos meios de comunicação. E mais, não podemos continuar tratando o povo como ignorante e incapaz de perguntas inteligentes e astutas em relação à Igreja. Entretanto, os padres comunicadores acreditam tratar com pessoas passivas e entre elas estão muitos jovens que desenvolvem um culto romântico em torno da figura do papa. Os religiosos mantêm essa situação muitas vezes cômoda por ignorância ou por avidez de poder. Provar a interferência divina nas escolhas que a Igreja Católica hierárquica, prescindindo da vontade das comunidades cristãs espalhadas pelo mundo é um exemplo flagrante dessa situação. É como se quisessem reafirmar erroneamente que a Igreja é em primeiro lugar o clero e as autoridades cardinalícias às quais é dado o poder de eleger o novo papa e que esta é a vontade de Deus. Aos milhares de fiéis cabe apenas rezar para que o Espírito Santo escolha o melhor e esperar até que a fumaça branca anuncie uma vez mais o "habemus papam”. De maneira hábil sempre estão tentando fazer os fiéis escapar da história real, de sua responsabilidade coletiva e apelar para forças superiores que dirijam a história e a Igreja.

É pena que esses formadores de opinião pública estejam ainda vivendo num mundo teologicamente e talvez até historicamente pré-moderno em que o sagrado parece se separar do mundo real e pousar numa esfera superior de poderes à qual apenas alguns poucos têm acesso quase direto. É desolador ver como a consciência crítica em relação às suas próprias crenças infantis não tenha sido acordada em beneficio próprio e em benefício da comunidade cristã. Parece até que acentuamos os muitos obscurantismos religiosos presentes em todas as épocas enquanto o Evangelho de Jesus continuamente convoca para a responsabilidade comum de uns em relação aos outros.

Sabendo das muitas dificuldades enfrentadas pelo papa Bento XVI durante seu curto ministério papal, as empresas de comunicação católica apenas ressaltam suas qualidades, sua doação à Igreja, sua inteligência teológica, seu pensamento vigoroso como se quisessem mais uma vez esconder os limites de sua personalidade e de sua postura política não apenas como pontífice, mas também por muitos anos, como presidente da Congregação da Doutrina da Fé, o antigo Santo Ofício. Não permitem que as contradições humanas do homem Joseph Ratzinger apareçam e que sua intransigência legalista e o tratamento punitivo que caracterizaram, em parte, sua pessoa sejam lembrados. Falam desde sua eleição, sobretudo de um papado de transição. Sem dúvida de transição, mas de transição para que?

Gostaria que a atitude louvável de renúncia de Bento XVI pudesse ser vivida como um momento privilegiado para convidar as comunidades católicas a repensar suas estruturas de governo e os privilégios medievais que esta estrutura ainda oferece. Estes privilégios tanto do ponto de vista econômico quanto político e sócio cultural mantêm o papado e o Vaticano como um Estado masculino à parte. Mas um Estado masculino com representação diplomática influente e servido por milhares de mulheres através do mundo nas diferentes instâncias de sua organização. Esse fato nos convida igualmente a pensar sobre o tipo de relações sociais de gênero que esse Estado continua mantendo na história social e política da atualidade.

As estruturas pré-modernas que ainda mantém esse poder religioso precisam ser confrontadas com os anseios democráticos de nossos povos na busca de novas formas de organização que se coadunem melhor com os tempos e grupos plurais de hoje. Precisam ser confrontadas com as lutas das mulheres, das minorias e maiorias raciais, de pessoas de diferentes orientações sexuais e escolhas, de pensadores, de cientistas e de trabalhadores das mais distintas profissões. Precisam ser retrabalhadas na linha de um diálogo maior e mais profícuo com outros credos religiosos e sabedorias espalhadas pelo mundo.

E para terminar, quero voltar ao Espírito Santo, a esse vento que sopra em cada uma/um de nós, a esse sopro em nós e maior do que nós que nos aproxima e nos faz interdependentes de todos os viventes. Um sopro de muitas formas, cores, sabores e intensidades. Sopro de compaixão e ternura, sopro de igualdade e diferença. Este sopro não pode mais ser usado para justificar e manter estruturas privilegiadas de poder e tradições mais antigas ou medievais como se fossem uma lei ou uma norma indiscutível e imutável. O vento, o ar, o espírito sopra onde quer e ninguém deve se atrever a querer ser ainda uma vez seu proprietário. O espírito é a força que nos aproxima uns dos outros, é a atração que permite que nos reconheçamos como semelhantes e diferentes, como amigas e amigos e que juntos/as busquemos caminhos de convivência, de paz e justiça. Esses caminhos do espírito são os que nos permitem reagir às forças opressoras que nascem de nossa própria humanidade, os que nos levam a denunciar as forças que impedem a circulação da seiva da vida, os que nos levam a des-cobrir os segredos ocultos dos poderosos. Por isso, o espírito se mostra em ações de misericórdia, em pão partilhado, em poder partilhado, em cura das feridas, em reforma agrária, em comércio justo, em armas transformadas em arados, enfim, em vida em abundância para todas/os. Esse parece ser o poder do espírito em nós, poder que necessita ser acordado a cada novo momento de nossa história e ser acordado por nós, entre nós e para nós.

Fevereiro 2013.

Reflexões em torno da renúncia de Bento XVI

Faustino Teixeira, professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Religião, da Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF, comenta a renúncia de Bento XVI e as perspectivas para a Igreja.
Eis o artigo.

Muita complexa a situação da Igreja Católica Romana (ICAR). Lemos hoje, 13/02/2013, na FSP, em reportagem de Patrícia Britto, que o cardeal Cláudio Hummes, arcebispo emérito de São Paulo (e que participará do próximo conclave) sublinhou que “dificilmente o papa que substituirá Bento XVI mudará a forma como a igreja lida com temas considerados polêmicos” e “que será difícil simplesmente dizer sim àquilo que é proposto pela sociedade ou pelos legisladores” . Essa é, infelizmente, a cantilena que sempre estamos a ouvir por parte de segmentos da hierarquia atual. Uma dificuldade impressionante de ousadia e profetismo.

Vale ressaltar algumas notícias dos periódicos internacionais sobre a atual crise no Vaticano, em particular as reflexões de Massimo Franco no Corriere della Sera. Na sua avaliação, o que assistimos hoje é o “sintoma extremo, final, irrevogável da crise de um sistema de governo e de uma forma de papado”. E fala da deriva de uma igreja-instituição que em poucos anos passou da condição de “mestra de vida” para “pecadora”, de “ponto de referência moral da opinião pública ocidental, a uma espécie de 'acusada global`, agredida e pressionada por segmentos diversificados.

Clovis Rossi chega a falar em sua coluna na FSP de uma “guerra civil no Vaticano” . E o filósofo italiano Gianni Vattimo, em seu blog – reproduzido no jornal Il fato quotidiano (13/02/2013) – sublinha que a demissão era a única coisa que um papa poderia seriamente fazer. Ele acrescenta que se Jesus vivesse hoje entre os seus pseudo-sucessores “abandonaria imediatamente o Vaticano, e talvez retornasse à Palestina para estar junto aos perseguidos e expropriados daquele lugar, e não perderia mais seu tempo, e alma, seguindo as vicissitudes da política italiana (...)”. Para Vattimo, a renúncia papal indica um distanciamento das “funcionalidades terrenas” e a necessidade de apontar, talvez, a “face anárquica, e autenticamente sobrenatural, do Evangelho”, abrindo a possibilidade para o cristianismo de se tornar novamente “uma escolha de vida possível para as pessoas de nosso tempo” .

Leonardo Boff fala também no último texto sobre a importância de retomada de um modelo dialogal para a igreja, de sintonia com o Vaticano II, Medellin e Puebla, de uma “Igreja-aprendiz e aberta ao diálogo com todos”, de liberdade e criatividade. E Hans Küng em seu recente livro – Salviamo la Chiesa (1) -, indica a necessidade de um tratamento para a igreja, de uma “terapia ecumênica” que ajude a vencer a “osteoporose do sistema eclesiástico” . E coloca o dedo na ferida, ao falar da necessidade imperiosa de uma reforma da cúria romana à luz do Evangelho. Uma reforma que deverá contemplar: humildade evangélica (com renúncia de todos os títulos honoríficos estranhos à Bíblia), simplicidade evangélica, fraternidade evangélica e liberdade evangélica.

Nesse delicado momento de preparação do conclave que escolherá o novo papa, os analistas chamam a atenção para problemas internos da cúria romana, que também pressionaram a decisão de renúncia de Bento XVI. Em entrevista publicada hoje no O Globo, o renomado teólogo espanhol, José Ignacio González Faus faz menção a tais pressões. Ele sinaliza: "Não estranharia que a renúncia estivesse ligada a problemas com a Cúria". O papa "já arrastava problemas com a Cúria desde que afastou do sacerdócio Marcial Maciel, acusado de abusos sexuais" . Chama a atenção para aquela oração proferida pelo então cardeal Ratzinger na cerimônia da sexta feira santa em Roma, em comentário da IX estação da via sacra. Reproduzo aqui o que ele disse no ocasião:

"Quanta sujeira há na Igreja, e precisamente entre aqueles que, no sacerdócio, deveriam pertencer completamente a Ele! Quanta soberba, quanta auto-suficiência!” “Senhor, muitas vezes a vossa Igreja parece-nos uma barca que está para afundar, uma barca que mete água por todos os lados. E mesmo no vosso campo de trigo, vemos mais cizânia que trigo. O vestido e o rosto tão sujos da vossa Igreja horrorizam-nos. Mas somos nós mesmos que os sujamos! Somos nós mesmos que Vos traímos sempre, depois de todas as nossas grandes palavras, os nossos grandes gestos."

Segundo González Faus, os intérpretes em avaliação feita na época, achavam que ele estivesse se referindo à pedofilia na igreja, mas em verdade, os indícios apontam que poderia ser uma alusão à Cúria romana, essa mesma cúria que terá voz ativa na eleição do próximo papa em 2013.

Nota:
1.- O livro, originalmente publicado em alemão, Ist die Kirche noch zu retten? (2011), foi traduzido e publicado em português com o título "A Igreja ainda tem salvação?" pela Editora Paulus, 2012. (Nota da IHU On-Line)

Bento XVI renunciou, viva o papa!

"A história é inexorável e, pouco a pouco, posições que pareciam petrificadas podem ir sendo revistas ou, pelo menos, vão crescendo pressões nesse sentido. A Igreja, arejada por tempos novos na sociedade, seculares e republicanos, não poderá ficar à margem de um processo histórico contagiante", escreve Luiz Alberto Gómez de Souza, sociólogo, diretor do Programa Ciência e Religião da UCAM.
Eis o artigo.
Luiz Alberto Gómez de Souza
Assim se proclamava, nas monarquias, quando um rei morria ou era deposto e o sucessor vinha saudado. Mais importante do que o panegírico do que partia, era hora de olhar para a frente, com esperança ou receios.

Eu estava numa reunião no palácio São Joaquim, aqui no Rio, em 2005, durante o último conclave, almoçando com os bispos auxiliares, quando foi anunciada a fumaça branca. Saímos da mesa e corremos à televisão. Foi quando eu disse: “Não sei quem será, mas vai chamar-se Bento XVI”. Quando Ratzinger saiu no balcão, alguns me olharam como se eu tivesse feito uma adivinhação. Na verdade, foi uma aposta por eliminação. O novo papa certamente não retomaria a série dos Pios, não seria um seguimento de João ou de Paulo, nem do composto João Paulo. Restava, no século XX, um papa, Bento XV, que ficara poucos anos, de 1914 a 1922, mas que interrompera a caça antimodernista de Pio X. Não saiu papa um reacionário como o secretário de estado espanhol Merry Del Val (o Sodano ou o Bertone daquele momento). Era um bispo de uma diocese importante, Bolonha, que fora pouco antes denunciado de modernista, em carta, a seu antecessor. O novo papa abriu a missiva, lacrada por ocasião da morte de Pio X e convocou o assustado acusador.

Uma lógica destas apontaria, indo um pouco mais atrás, na eleição de 1878, para um possível futuro Leão XIV. O papa anterior do mesmo nome também interrompera a prática de seus dois antecessores reacionários, Gregório XVI e Pio IX. E indicou que esperassem o próximo consistório, para verem seu novo estilo. E foi então quando nomeou cardeal o grande teólogo John H. Newman, convertido da Igreja Anglicana, crítico do Vaticano I e mal visto pelo outro cardeal inglês, Henry Manning. Aliás, o papa Bento XVI tinha Newman em grande admiração e o beatificou em 2010 (alguns historiadores, para incômodo de muitos, falaram de um companheiro de toda a vida, enterrado junto com ele, numa possível porém incerta relação homosexual, o que não diminuiria em nada seu enorme valor). Mas atenção, voltando ao presente, as lógicas não se repetem e o futuro é sempre inesperado.

Com o atual precedente, um papa pode (e até deve, em certos casos) deixar o poder ainda em vida, num movimento que passa dos poderes absolutos e pro vita, para uma visão com possíveis prazos para o exercício de um poder que aparecia nos últimos séculos como irrenunciável.

O importante agora é descobrir o que estará diante do futuro papa. Tudo parece indicar que João Paulo I morreu ao tomar consciência da dimensão dos problemas que o esperavam. Carlo Martini (que tantos sonhamos como um possível “Papa bianco”), em 1999 lembrou temas estratégicos a serem enfrentados por possíveis futuros concílios: a posição da mulher na sociedade e na Igreja, a participação dos leigos em algumas responsabilidades ministeriais, a sexualidade, a disciplina do matrimônio, a prática do sacramento da penitência, a relação com as Igrejas irmãs da ortodoxia e, em um nível mais amplo, a necessidade de reavivar a esperança ecumênica. Poderíamos agora dizer que são temas colocados hoje diante do papa que vem aí.

Cada vez é mais importante desbloquear posições congeladas. Uma, urgente, seria superar o impasse criado por Paulo VI em 1968, no seu documento Humanae Vitae, sobre a contracepção. Tratar-se-ia de aceitar, ao nível do magistério, o que já é uma prática normal de um número enorme de fiéis: o uso dos contraceptivos.

Mas nos textos de teólogos espanhóis, sacerdotes alemães e austríacos, declarações de bispos australianos, estão outros pontos da agenda. Haveria que começar por superar a dualidade e uma hierarquia rígidas entre ministérios ordenados (dos padres) e não ordenados, abrindo para uma pluralidade de ministérios (serviços), como na Igreja dos primeiros séculos. E aí se coloca o tema da ordenação das mulheres. No dia da ressurreição, as mulheres foram as primeiras a serem enviadas (ordenadas) a anunciar a Boa Nova (Mateus, 28,7; Marcos, 16,7:”Ide dizer aos discípulos e também a Pedro...”; Lucas, 24,9; João, 20,17).

Teria também que desaparecer o que é apenas próprio da Igreja latina desde o milênio passado: o celibato obrigatório. O celibato é próprio da vida religiosa em comunidade e não necessariamente dos presbíteros (sacerdotes). Os escândalos recentes de uma sexualidade reprimida e doentia estão exigindo uma severa revisão. Isso levaria a ordenar homens e mulheres casados.

Há que levar a sério a ideia da colegialidade do Vaticano II, sendo o bispo de Roma o primeiro entre todos no episcopado. Numa visão ecumênica, o segundo seria o Patriarca de Constantinopla, que vive no Fanar, um bairro grego pobre de Istambul, onde estive no ano passado. Os encontros fraternos e a oração em comum de João XXIII e de Paulo VI com o patriarca Atenágoras, foram abrindo caminho nessa direção.

Claro, são antes de tudo anseios, mais do que possibilidades certas. Mas a história é inexorável e, pouco a pouco, posições que pareciam petrificadas podem ir sendo revistas ou, pelo menos, vão crescendo pressões nesse sentido. A Igreja, arejada por tempos novos na sociedade, seculares e republicanos, não poderá ficar à margem de um processo histórico contagiante. Talvez temas congelados terão que esperar futuros pontificados ou outros concílios, mas estarão cada vez mais presentes e incômodos, num horizonte que desafia os imobilismos.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Papas também renunciam

Frei Betto
Dominicano, escritor
e assessor de movimentos sociais
Adital

"O papa não adoece, até que morra”, diz um provérbio romano. João Paulo II, homem midiático, não temeu expor–se enfermo aos olhos do mundo. Agora, Bento XVI dá um testemunho de humildade e, admitindo as limitações de seu precário estado de saúde, anuncia que renunciará no último dia de fevereiro.

Na história da Igreja quatro papas renunciaram ao ministério petrino: Bento IX (1º de maio de 1045), Gregório VI (20 de dezembro de 1046), Celestino V (13 de dezembro de 1294) e Gregório XII (4 de Julho de 1415). Bento XVI será o quinto, a partir de 28 de fevereiro.

Sagrado papa aos 20 anos, em 1032, Bento IX não primava pela ética e muito menos pela moral. Sua vida era um escândalo para a Igreja. O povo romano expulsou-o da cidade em 1044. No ano seguinte, voltou a ocupar o trono de Pedro e, meses depois, renunciou. Retornou ao papado em 1047, do qual foi deposto definitivamente no mesmo ano.

João Graciano, padrinho de Bento IX, pagou considerável quantia de dinheiro para que o afilhado lhe cedesse o lugar. Eleito papa em maio de 1045, adotou o nome de Gregório VI e governou a Igreja até dezembro de 1046, quando o afilhado o derrubou sob acusação de simonia.

Morto Nicolau IV, em 1292, cardeais italianos e franceses fizeram do consistório arena de disputas pelo poder, movidos mais por interesses políticos que pelas luzes do Espírito Santo. Após dois anos e três meses de impasse na eleição do novo papa, Pedro Morrone, eremita italiano, de sua caverna nas montanhas enviou carta ao consistório, instigando-o a não abusar da paciência divina.

Os cardeais viram na carta um sinal de Deus e decidiram fazer do monge o novo chefe da Igreja. Pedro Morrone relutou, não queria abandonar sua vida de pobreza e silêncio, mas os prelados o convenceram de que o consenso em torno de seu nome tiraria a Igreja do impasse.

Com o nome de Celestino V, tornou-se papa em agosto de 1294. Menos de quatro meses depois, a politicagem vaticana o levou ao limite de sua resistência. Em consulta a seus eleitores, levantou a pergunta-tabu: pode o papa renunciar?

O colégio cardinalício não se opôs e, numa bula histórica, Morrone justificou-se, alegando deixar o trono de Pedro para salvar sua saúde física e espiritual. A 13 de dezembro do mesmo ano retornou à solidão contemplativa nas montanhas. Vinte anos depois foi canonizado, exaltado como exemplo de santidade. A 19 de maio a Igreja celebra a festa de São Pedro Celestino.

Também o papa Gregório XII renunciou, no início do século XV – período em que três papas reivindicavam legitimidade - para evitar que o cisma na Igreja se aprofundasse.

Joseph Ratzinger, atual Bento XVI, é sobretudo um teólogo. Enquanto papa, não deixou de escrever, tanto que lançou uma trilogia sobre Jesus. São raros os papas-autores, sem considerarmos os documentos pontifícios, como encíclicas, bulas e alocuções, quase sempre redigidos por assessores.

Em geral, intelectuais não se dão bem com funções de poder. As questões administrativas parecem enfadonhas diante de tantos livros por ler e escrever. O político quer administrar; o intelectual, criar. Ratzinger talvez tenha decidido reservar o que lhe resta de tempo de vida para recolher-se à oração e à produção teológica.

Inicia-se agora a mais sutil campanha eleitoral: a da eleição do sucessor de Bento XVI. Entre os atuais 209 cardeais da Igreja Católica, 118 têm direito a voto, pois ainda não completaram 80 anos.

Entre os eleitores figuram cinco brasileiros: Geraldo Magella, arcebispo emérito de Salvador (79); Cláudio Hummes, arcebispo emérito de São Paulo (78); Raymundo Damasceno, cardeal-arcebispo de Aparecida (76); João Braz Avis, ex-arcebispo de Brasília, atualmente em Roma como Prefeito da Congregação para a Vida Consagrada (64); e Odilo Scherer, cardeal-arcebispo de São Paulo (63).

Com certeza o novo papa fará sua primeira viagem pontifícia ao Rio de Janeiro, em julho, para a Jornada Mundial da Juventude.

[Frei Betto é escritor, autor de "Um homem chamado Jesus” (Rocco), entre outros livros. http://www.freibetto.org - twitter:@freibetto.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

EM MEIO À ESSA TRAGÉDIA, TENHAMOS UMA FÉ INABALÁVEL...



EM MEIO À ESSA TRAGÉDIA, TENHAMOS UMA FÉ INABALÁVEL...

Diante de certos acontecimentos circunstanciais, como por exemplo a tragédia na cidade de Santa Maria no Rio Grande do Sul, ficamos como que estupefatos, chocados e também sentindo a dor e o sofrimento daquelas famílias. Porém, em meio a tudo isso, precisamos refletir bastante sobre como nossa vida é efêmera e de quanto precisamos valoriza-la enquanto aqui estivermos. Quem sabe, talvez nenhum daqueles jovens pensou que a morte estivesse tão próxima. De fato, eles foram ali em busca de diversão, encontrar os amigos, curtir mais uma balada, ouvir música, dançar, tomar uns drinks, festejar, namorar, etc., como é costume entre os nossos jovens. E no entanto, encontraram uma morte tão trágica e desproporcional.

Culpados pela tragédia? Quem? Os donos da boate? Os músicos? O local? As autoridades? Os jovens? No momento a dor é tanta que ficamos atordoados, quem sabe, procurando uma explicação ou um entendimento para esse acontecimento tão trágico e inesperado. De fato, existem culpados, mas mesmo que se punam todos os culpados por essa tragédia, nada trará de volta a vida dos jovens que foram ceifados tão dolorosamente em seus sonhos e projetos existenciais. Porém, precisamos aprender, tirar uma lição em meio a tudo isso. E que lição tiraremos desse triste episódio? Creio que muitas lições, uma delas diz respeito a própria vida, pois ela nos é dada, mas naturalmente podemos perdê-la a qualquer momento, isto porque, estamos aqui, mas não somos daqui. Por isso, não podemos viver como se fôssemos somente daqui sem pensar no devir, ou seja, não podemos viver como se não tivéssemos uma eternidade à nossa frente.

Uma outra lição que tiraremos dessa tragédia: não podemos confiar em quem faz do lucro monetário o alicerce de sua vida e por isso pouco se importa com a segurança e a vida dos demais; nem tão pouco confiar nas autoridades que usam os cargos públicos para enriquecimento ou apenas para galgar status social de destaque. Estes visam apenas se perpetuar no poder, como diz o ditado popular, “não querem largar o osso, enquanto houver um mínimo de carne nele”, pouco importando se estão dando cabo das responsabilidades que lhes confiamos com nossa escolha democrática. Todavia, ai daqueles que apenas usufruem das benesses do poder, como regalias pessoais e outras facilidades de tais cargos públicos, deixando que os menos abastados morram à míngua, ou se acabem em tragédias como essa. Ai das autoridades que assim procedem, pois naquele dia ouvirão do Senhor: “Nunca vos conheci. Retirai-vos de mim, operários maus!”. (Mt 7,23b).

Por outro lado, podemos tirar ainda uma lição que nos fará enfrentar tais dificuldades com profunda determinação e sem perdermos a ternura ou o ânimo pela vida. Pois, quantos jovens ali não se tornaram heróis dando a vida para salvar outros jovens que estavam precisando de sua ajuda? Quanta solidariedade, orações, súplicas, devoções pelas vidas que se foram e pelas famílias enlutadas? De fato, nessas horas, revelamos a fé em Deus que nos sustenta, o amor que nos faz solidários e a consolação que nos faz dar o ombro amigo à quem dele necessita ou ainda chorar com os amigos, os entes queridos que se foram. Só sabe a dor da cruz que é crucificado nela, mesmo sendo inocente; porém, nunca podemos esquecer que o Filho de Deus nos ensinou carrega-la rumo à ressurreição, ao Reino dos céus...

A nossa fé em Cristo Jesus nos ensina, a vida é um dom de Deus e devemos vive-la para a sua maior glória em todos os sentidos. Viver para este mundo é morrer a cada segundo; viver para a eternidade é viver em Deus, com Deus e para Deus todo tempo que temos aqui, ou seja, é fazer acontecer o devir a cada passo dado em direção à vida eterna. Que seja este o nosso consolo e a nossa resposta para toda dor e sofrimento que aqui suportamos, mesmo quando não entendemos.

Com efeito, escreveu São Paulo: “Tenho para mim que os sofrimentos da presente vida não têm proporção alguma com a glória futura que nos deve ser manifestada. Por isso, a criação aguarda ansiosamente a manifestação dos filhos de Deus. Pois a criação foi sujeita à vaidade (não voluntariamente, mas por vontade daquele que a sujeitou), todavia com a esperança de ser também ela libertada do cativeiro da corrupção, para participar da gloriosa liberdade dos filhos de Deus.

Pois sabemos que toda a criação geme e sofre como que dores de parto até o presente dia. Não só ela, mas também nós, que temos as primícias do Espírito, gememos em nós mesmos, aguardando a adoção, a redenção do nosso corpo. Porque pela esperança é que fomos salvos. Ora, ver o objeto da esperança já não é esperança; porque o que alguém vê, como é que ainda o espera? Nós que esperamos o que não vemos, é em paciência que o aguardamos”. (Rom 8,18-25).

Por fim, me solidarizo e rezo por todas as famílias que estão sofrendo a dor dessa tragédia, pois a sinto como se fosse minha própria família; suplico ao Senhor que em seu infinito amor nos console e nos dê a graça da perseverança em Cristo Jesus. Pedimos ainda a intercessão da Virgem Santíssima, Maria, mãe de Jesus e nossa mãe, por aqueles que partiram, e que já estão na eternidade, para que lhes seja dado o perdão dos pecados e ressurreição que Jesus nos conquistou por sua morte de cruz. À Ti, Senhor, seja a glória e a majestade aqui e por toda eternidade. Amém!

Paz e Bem!

Frei Fernando Maria,OFMConv.


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sábado, 2 de fevereiro de 2013

Clara de Assis, vida de serviço e amor fraterno

Por Frei Almir Ribeiro Guimarães
Somos membros da grande Família Franciscana. Temos muita alegria em poder nos deixar formar e modelar pelo espírito  de Clara de Assis. Hoje queremos prestar atenção em seus gestos fraternos e nos serviços que prestava às irmãs e à Ordem de São Francisco. Temos diante dos olhos o texto  Nourrir… chérir… prendre soin, escrito por uma religiosa clarissa e publicado na  revista  Évangile d’Aurjourd’hui, n. 233. Não aparece o nome completo da autora. Simplesmente se diz Irmã Clara de Chamalières (França).
1. O pano de fundo da presente reflexão é constituído por alguns versículos da Regra de Santa Clara que transcrevemos: “Porque todas devem prover e servir  suas irmãs enfermas, como gostariam de ser servidas, se tivessem alguma doença. Manifeste com segurança uma à outra, sua necessidade. E se uma mãe ama e nutre sua filha (1Ts 2,7) carnal, quanto mais diligentemente deve uma irmã amar e nutrir  sua irmã espiritual?” Com toda evidência está por detrás destas linhas, Clara que ama, alimenta e serve.

2. Durante muito tempo a Ordem de Santa Clara teve a reputação de ser uma Ordem muito austera: privações, jejuns, toda sorte de mortificação, extrema pobreza, tanto pessoal quanto comunitária.  Certos costumeiros da Ordem no início do século XX ainda insistem muito nesse estilo extremamente duro de vida ascética.  Inegavelmente muitas clarissas chegaram  a uma altíssima santidade  através de numerosas mortificações. A redescoberta das fontes clarianas, o estudo comparativo das diversas formas monásticas do século XIII, a reconstituição paciente da forma de Vida das Irmãs Pobres aprovada no final de vida da santa nos obrigam a reconsiderar o projeto  fundamental da Mulher de Assis. Queremos aqui destacar  duas grandes preocupações dela: a luta de toda uma vida para conseguir a aprovação do Privilégio da Pobreza (o privilégio de viver sem privilégio no dizer de  M. Bartoli) e o vínculo material e espiritual  com a Ordem dos  Frades Menores.

3. Talvez um aspecto que até então não tinha ainda fica tão nítido foi a grande novidade do tipo de relações fraternas que Clara queria instaurar deliberadamente em São Damião, na esteira de Francisco.  Temos a chance de poder contar com depoimentos das irmãs e de alguns leigos no Processo de Canonização da santa. Apoiando-se nesse documento, Tomás de Celano escreveu a Vida de Santa Clara a pedido do Papa. Não se pode esquecer que, na Idade Média, a hagiografia era  uma obra teológica: personagem principal  não era o santo, mas Deus atuando em sua vida. Celano procura ser fiel às Fontes sempre fazendo com que a santidade de Clara fosse  conforme a ideia da santidade monacal da época. O biógrafo é particularmente sensível aos aspectos da vida fraterna em São  Damião. Perscrutar os fatos aqui e ali narrados, interpretá-los, comparar com a  Regra de Clara  (1253),   às sucessivas legislações a que forma submetidas as irmãs antes que  a fundadora resolvesse ela própria  escrever  a forma de vida  faz com que encontremos uma forma original de laços e   liames fraternos.

4. Antes de seu ingresso em São Damiao Clara já demonstrava atenções para com os pobres.  Encontramos na Legenda uma observação que pode ser mero clichê para as biografias oficiais: “Estendia a mão com prazer para os pobres (cf. Pr  31,20) e da abundância de suas riquezas supria a indigência”  (Legenda, 2). Há, no entanto, logo em seguida, um detalhe pessoal: “… privava seu próprio corpinho dos alimentos mais delicados” para socorrer pessoas indigentes, manifestando desta sorte empatia que viria a ser um traços característicos de sua personalidade. Adolescente, toma uma iniciativa  que  manifesta determinação,  perspicácia e generosidade: envia importância em dinheiro a Francisco e seus irmãos que estão restaurando Nossa Senhora dos Anjos, para que comprassem carne(Processo  17,7).

5. Antes mesmo de ter deixado a casa paterna, Clara já estava  impregnada dos ensinamentos de Francisco. Sentia que este a olhava com solicitude pensando naquilo que ela poderia vir a ser. Entre  os dois  houve sempre respeitosa reserva.  Francisco, de modo especial nos começos, dedicava muita atenção a São  Damião. Chegava mesmo a se preocupar com o regime alimentar da comunidade.  Sabe-se pelo Processo que pediu que moderassem o drástico jejum  determinado pela jovem fundadora. Fez mesmo com que o bispo interviesse sobre o tema. Na Terceira Carta a Inês de Praga Clara toca na questão do jejum e das orientações de Francisco a esse respeito: as  irmãs  não são obrigadas ao jejum  no tempo pascal, nas festas de Nossa Senhora e dos apóstolos, nem às quintas feiras… normas  não rigorosas para a época.  No  Audite Poverelle,  Francisco pede as irmãs utilizem as esmolas sem excessivo escrúpulo. Que se preste atenção nas irmãs doentes ou mais frágeis.

6. Em seu  Testamento  Clara se considera a “plantinha  de Francisco”.  Designa sua comunidade de plantação do bem-aventurado Pai que e cultivou e fez crescer,  como fundador  e plantador (jardineiro). Com estas imagens da horticultura  sentimos como Clara via em Francisco um “cuidador” das irmãs. Francisco, efetivamente, tinha afeto e ternura para com elas. Este cuidado atencioso era fruto de admiração respeitosa. Quando o pão era pouco, a metade que se tinha ia para os frades que moravam junto do mosteiro.

7. Quando  Francisco tem dúvidas  a respeito de sua orientação de vida, ou seja, vida eremítica  ou de pregação itinerante,  recorre a  Clara (também a frei Silvestre).  Gravemente doente ele vem descansar em São Damião  por cinquenta dias e é ali que ele compõe  o Cântico do Sol.  Quando ele fala de lua, estrelas claras, preciosas e belas, irmã água pura e casta  não podemos deixar de pensar que Clara esteja por detrás de tais imagens.

8. Francisco já havia escrito em seu Testamento: “Ninguém me mostrou o que devia fazer, mas o  próprio Altíssimo me revelou que eu devia viver segundo a forma do Santo Evangelho”. Clara, no coração de sua Regra,  transcreve o embrião do texto normativo que ele havia composto para as irmãs de São Damião, texto em que se nota a identidade comum de sua vocação evangélica: “Visto que por inspiração divina,  vos fizestes filhas e servas do altíssimo e sumo Rei, o Pai celeste e desposaste  o Espírito,  Santo escolhendo viver segundo a perfeição do Santo Evangelho, quero e  prometo por mim e por meus irmãos ter sempre por vós diligente cuidado e especial  solicitude como tenho por eles…” (Regra de Santa Clara, Cap.VI).

9. Estudos recentes afirmam que, quando Clara se dispõe a escrever  uma Regra não tem a intenção de estabelecer normas a serem rigorosamente observadas em vista de se atingir um ideal de perfeição como as Regras  de Hugolino e Inocêncio  -  mas de definir uma vocação, um encontro com  uma pessoa viva, o Senhor Jesus Cristo.  Estudos recentes assinalam que no modelo de vida proposto por  Francisco e Clara  “somos irmãos e irmãs porque  filhos  do Único Pai e irmãos do Único Irmão”. Como caracterizar a novidade desta vida fraterna  segundo o Evangelho?

10. Fundamentalmente, sem dúvida, trata-se qualidade do olhar dirigido  às pessoas: olhar de confiança, de esperança, de respeito, de maravilhamento, como olhar da mãe para com os filhos, como o olhar do jardineiro sobre as plantas que crescem. Este não sabe como se dá o crescimento  mesmo tendo ele sido o plantador.

11. Em seguida, uma atenção concreta para com as pessoas.  Em São Damião havia muitas irmãs doentes. Em sua Regra, Clara alude ao fato em quase todos os capítulos: faz-se necessário providenciar roupas, alimentação, medicamentos, velar pelo repouso. As irmãs partilharão esses cuidados com a abadessa. Na enfermaria será sempre possível falar com discrição para distrair as irmãs… quando pessoas vêm visitá-las poderão dizer palavras edificantes, o que em outras Regras é formalmente proibido. Com as orientações da Regra de Clara estamos longe das Constituições de Hugolino  sugerindo na medida do possível  que as doentes tivessem um lugar afastado. Lá estariam separadas das irmãs de boa saúde para não causar desordem nem perturbação nas atividades da casa ou no descanso das irmãs…  Vale observar que a maioria dos milagres operados por Clara, durante sua vida e depois de sua morte, visavam doentes e enfermos. Clara é toda compaixão. O Processo de Canonização, a Vita de Celano nos mostram Clara muito próxima de irmãs atormentadas: se uma ou outra fosse presa do desgosto e da tentação, Clara chamava-a à parte e chorava com ela… colocava-se de joelhos diante das irmãs que sofriam e lhes prodigalizava carinhos maternos…

12. Uma vida segundo o Evangelho supunha, no pensamento de Clara,  grande liberdade entre as irmãs.  Em sua Regra, a maior parte das determinações  se acham acrescidas de observações como estas:  “se  acharem bom..”… “se julgarem oportuno”…  Quando, de outro lado,  há uma  fórmula do gênero : “que sejam firmemente obrigadas”… refere-se  à abadessa que deverá pedir o consentimento de todas as irmãs…”.  Entre as irmãs, Clara  vê igualdade total. Ela se comporta como mãe, irmã e serva de todas. Deseja também que as irmãs desempenhem esses papéis. Por isso, ela retoma textualmente  no capítulo  VIII de sua Regra o que Francisco que havia escrito:  “E onde estão e onde quer que se encontrarem os irmãos, mostrem-se mutuamente familiares entre si. E com confiança um manifeste ao outro a sua necessidade, porque se a mãe nutre a  seu filho  carnal, quanto mais diligentemente  não deve cada  um amar e nutrir a seu irmão espiritual”. Antes deste texto, para seus irmãos itinerantes,  Francisco havia observado: “Em todos os lugares em que se encontrarem os irmãos,  mostrem-se da mesma família uns para com os outros, o que implica simplicidade, familiaridade, tomada de consideração da vida cotidiana. Clara, por sua vez, mesmo num ambiente fechado  como era o mosteiro de São  Damião,  pede que as irmãs se encontrem, se estimem,  se “nutram” espiritualmente:  “Porque todas devem prover e servir  suas irmãs enfermas, como gostariam de ser servidas, se tivessem alguma doença. Manifeste com sua segurança, uma à outra,  sua necessidade. E se uma mãe ama e nutre sua filha carnal, quanto mais diligentemente  deve uma irmã amar e nutrir  sua irmã espiritual?” (cap. VIII).  Clara não tem medo da ternura e de suas manifestações. Em seu Testamento tem ela uma exortação cheia de brilho: “E amando-vos umas  às outras com a caridade de Cristo, demonstrai por fora, por meio de boas obras, o amor que tendes dentro para que provocadas por este exemplo, as irmãs cresçam sempre  no amor de Deus na mútua caridade.

13. Esta mesma dimensão de amor compaixão Clara manifesta para com a cidade de Assis (duas vezes sitiada) e para pessoas de fora do mosteiro:  doentes, deficientes, infelizes acorrem a São Damião para buscar cura.  Somos obrigados a relativizar a afirmação de Celano: “… elas adquiriram especial graça de abstinência e do silêncio a ponto de absolutamente não precisarem esforçar-se por coibir o apetite e a frear a língua; e algumas delas estavam tão desacostumadas a conversas que quando a necessidade exige que elas falem, mal se recordam de formar palavras como convém (1Celano 20). “Clara unificou profundamente sua vida e seu olhar para ir além  das aparências: na contemplação do Cristo pobre e crucificado de São Damião, Clara  compreende o sofrimento  indizível do homem Deus e por ele abraça todos aqueles pelos quais ele morreu. Recebem elas seus irmãos e os filhos dos homens como seus filhos espirituais os quais ale nutre e ama  como uma mãe ama seu filho, manifestando-lhes afeto por ato sua ternura.

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