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quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Francisco, meu herói

Foto montagem com ilustrações de São Francisco com música de Marcos e Paulo Sérgio Valle.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Qual é a mensagem do desfile de moda barroca na Igreja?

Entre alguns pequenos grupos da Igreja, as vestes religiosas barrocas estão voltando. Elas podem estar retornando não como sinais religiosos, mas como distrações da fé e do ministério. Como disse Henry David Thoreau, "cuidado com todos os empreendimentos que exijam roupas novas".

A opinião é do dominicano norte-americano Thomas O'Meara, professor emérito da cátedra Warren de teologia da University of Notre Dame. Seu último livro é Vast Universe: Extraterrestrials and Christian Revelation [Vasto universo: Extraterrestres e a revelação cristã].

O artigo foi publicado no sítio National Catholic Reporter, 26-01-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

Quando eu era menino, há mais de 50 anos, as roupas eclesiásticas eram impressionantes. Eram incomuns e coloridas, antigas e sacrais, eram distintamente católicas romanas. A seda moiré colorida, as luvas enfeitadas com joias, os sapatos vermelhos (cáligas) indicando um indivíduo envolvido em um ofício da Igreja.

Essa figura transcendente, um representante do divino, aparecia entre os ternos e vestidos comuns da classe trabalhadora católicos em raros momentos. No entanto, mesmo como um adolescente que cantava em um coral do colégio nas liturgias do arcebispo, eu já tinha percebido que às vezes os rituais se focavam mais nas roupas do que nas palavras e sacramentos religiosos. Tirar as luvas e colocar os óculos, manter um solidéu no seu lugar ou ajustar um pálio poderia parecer mais importante do que a elevação do cálice.

O tempo passa, e hoje as roupas eclesiásticas são menos inteligíveis e indicam menos claramente algo além das suas cores e dos seus dourados. Elas levantam questões de gênero e de classe, de cultura e de sacramentalidade.

Existem três tipos de roupas que os homens católicos usam para eventos litúrgicos e eclesiásticos públicos. Há vestes para a liturgia da Eucaristia, outros sacramentos e devoções. Entre elas estão a casula e a estola, a alva e o cíngulo, a mitra e o pluvial. Em segundo lugar, há os hábitos das ordens e congregações religiosas. Em terceiro lugar, há os paramentos especiais para aqueles que fazem parte da ordem episcopal e que estão em níveis abaixo (monsenhores) ou acima (cardeais).

As vestimentas na Eucaristia e nas outras liturgias parecem ser, no melhor dos casos quando são simples, esteticamente agradáveis e inspiradoras para as pessoas que as veem. Os membros de ordens religiosas, especialmente monges e frades, tendem a vestir seus hábitos na liturgia e em outros momentos dentro das suas casas religiosas.

Aqui está uma descrição do século IX das roupas litúrgicas usadas pelo bispo de Roma, roupas relacionadas no seu estilo a paramentos usados pelos romanos dois séculos antes. Walahfrid Strabo, que morreu em 849, escreveu: "As vestes sacerdotais tornaram-se progressivamente o que são hoje: ornamentos. Em tempos antigos, os padres celebravam a missa vestidos como todos os demais".

Geralmente, os paramentos especiais da Igreja não vêm do período patrístico ou medieval (que não incentivavam roupas distintas). Eles vêm do período barroco, de 1580 a 1720, quando a liturgia como teatro preparava os rituais para canalizar graças. Depois de 1620, no mundo do Papa Urbano VIII, os vestes eclesiásticas começaram a assumir a importância que elas têm hoje nos principais detentores de cargos eclesiásticos.

Quem pode vestir o que, com que cores e em que serviço religioso? Os anos de 1830 a 1960 testemunharam novas e bastante artificiais elaborações do traje eclesial. Os paramentos de hoje que refletem a simplicidade do estilo patrístico ou do início da Idade Média também parecem ser contemporâneos, enquanto aqueles que parecem ser antiquados e extravagantes são produto do período barroco.

Críticos das vestes religiosas

Jesus é um crítico da religião. Ele adverte contra a exposição humana e o uso dos objetos religiosos para desdenhar os demais. Ele condena o uso da religião para favorecer o fato de ser notado ou separado da maioria das pessoas. "Os escribas e os fariseus (...) fazem todas as suas ações só para serem vistos pelos outros. Vejam como eles usam faixas largas na testa e nos braços, e como põem na roupa longas franjas, com trechos da Escritura. Gostam dos lugares de honra nos banquetes e dos primeiros lugares nas sinagogas (...) O maior de vocês deve ser aquele que serve a vocês" (Mateus 23, 5-6;11).

Poucas dimensões da vida humana despertaram a ira de Jesus, mas os líderes religiosos que buscavam atenção e poder através das vestes eram chamados de "sepulcros caiados que por fora parecem bonitos, mas por dentro estão cheios de ossos de mortos e podridão" (Mateus 23, 27).

Nos anos imediatamente antes do Concílio Vaticano II (1962-1965), o padre dominicano Yves Congar escreveu uma crítica à exibição da Igreja de poder e privilégio. Ele pesquisou as origens das vestes e insígnias eclesiais no Império Romano e no feudalismo, concluindo que essas roupas já não têm nenhum significado claro para as pessoas. Ele concluiu que as vestes podem ter o seu valor, embora a sua presença religiosa deve ressoar nas pessoas às quais se dirigem.

Uma crítica contemporânea às vestimentas eclesiásticas foi a do filme Roma, de Federico Fellini, de 1972 (imagem ao lado). As modas eclesiásticas são exibidas em uma passarela onde os modelos exibem casulas e mitras para uma plateia de freiras e clérigos e um cardeal presidente, uma criatura pálida e assexuada, com vestes carmesim e um óculos de sol mal adaptado, que adormece. O desfile de moda termina com novos modelos que usam luzes elétricas em casulas.

O Vaticano II falou de uma "simplicidade nobre" para as vestes eclesiásticas. Nos anos logo após o Vaticano II, o Papa Paulo VI vendeu as tiaras papais e emitiu instruções para pôr de lado roupas incomuns como mantos extravagantes, meias coloridas, fivelas especiais e cíngulos com borlas.

As roupas hoje

Entre alguns pequenos grupos da Igreja, as vestes religiosas estão voltando. Elas podem estar retornando não como sinais religiosos, mas como distrações da fé e do ministério. Cíngulos e barretes, correntes e grandes cruzes, amitos e manípulos, luvas e sapatos especiais reapareceram. Grupos restauracionistas e reacionários tendem a ter roupas marcantes assim como as ditaduras têm uniformes.

Esses grupos mostram uma preferência por tipos especiais de colares clericais, mitras altas, caudas elaboradas, uma cruz de metal pendurada no pescoço. Programas no canal EWTN [rede de TV católica dos EUA] são a passarela para modas barrocas, algumas autênticas, algumas do século XIX, a maioria imitações.

Muita atenção é dada às vestimentas em ouro e aos vasos de ouro, a novos e estranhos hábitos, e a distorções de objetos religiosos do passado. Hábitos monásticos com túnica e capuz eram originalmente as roupas comuns dos trabalhadores. Com o passar dos séculos, eles se tornaram incomuns quando as roupas comuns mudaram. Mesmo assim, os hábitos dos monges e frades medievais eram simples, e nenhum cíngulo ou capa ou medalha era acrescentado.

Os hábitos de muitas congregações de homens fundadas depois de 1830 eram coloridos e chamativos, elaborados sobre o estilo medieval ou barroco, mas sem nenhuma conexão com o mundo moderno.

Nas formaturas em universidades católicas, os estudantes, os professores e os administradores usam suas vestes acadêmicas, enquanto os pais e as famílias usam ternos e vestidos. Um bispo em uma capa de seda com fitas e um solidéu parece fora de lugar. Uma vez, em um evento beneficente em um grande hotel, um bispo vestiu o que ele chamou de seu "uniforme de gala, que atrai muitos elogios para o meu guarda-roupa". O principal orador da noite comentou: "Se eu estivesse morrendo e alguém com uma faixa e um vestido vermelho se aproximasse, eu ficaria completamente apavorado".

A mídia dá atenção aos atuais sapatos vermelho-rosa do papa, ao chapéu forrado de pele do século VIII, à estola elaboradamente bordada do século XVIII. Imagens recentes da televisão de bispos e papas com batinas vermelho e branco, com chapéus renascentistas e luvas enfeitadas de joias já não parecem ser religiosas e sacramentais, mas sim antiquadas e autocentradas. O papa, durante uma visita ao jardim da Casa Branca em uma batina branca e sem calças visíveis, parecia fora de lugar; distinto e diferente, sim, mas não espiritual. Os católicos norte-americanos, pela primeira vez, estão reagindo a encontros televisionados de bispos e cardeais em que há uma preocupação sobre o adequado uso de saias e faixas coloridas.

Roupas e ministério

Os novos grupos religiosos dos Estados Unidos, juntamente com alguns jovens membros de ordens mais velhas, parecem ansiosos para vestir um hábito religioso em público, não apenas na região ao redor de uma escola, mas também nos aeroportos ou no metrô.

O que um hábito monástico ou uma batina em público diz aos norte-americanos no início do século XXI? Não é de todo evidente que o público em geral sabe quem é essa pessoa estranhamente vestida, nem mesmo que ele conecte a roupa à religião. O simbolismo não é claro, e a mensagem não é evidente. A pessoa realmente se destaca, mas como uma espécie de esquisitice pública. Roupas excêntricas incutem separação.

Embora alguns argumentem que roupas estranhas atraem as pessoas, o fato é que mais frequentemente elas repelem. As pessoas normais não são atraídas por trajes antigos ou bizarros, e os cristãos comuns não são atraídos por aqueles cujo traje especial implica que os outros são inferiores. Às vezes, vestir roupas parece ser um substituto para o ministério real.

Não está claro como os homens que usam vestidos e capas proclamam a transcendência de Deus ou o amor do Evangelho. A identidade de um homem é algo complexo; a sua busca dura uma vida inteira. Um clérigo celibatário abre mão de coisas que formam a identidade masculina, como ser marido e pai. Não podemos ignorar as possíveis ligações entre roupas incomuns e celibato.

O homem celibatário têm uma sexualidade neutra ou uma terceira sexualidade que lhe permita vestir roupas incomuns? As roupas especiais são uma proteção ao celibato? Ou elas são uma neutralização da masculinidade? Por que um homem gostaria de usar um vestido longo ou uma capa em público? As razões espirituais são a verdadeira motivação?

Significado cultural

As roupas são úteis porque nos mantêm quentes ou frios, e cobrem a nossa nudez. Elas podem tornar homens e mulheres atraentes para os outros. Os seres humanos e as sociedades chegaram a uma variedade de roupas às quais dão significados particulares, usando algumas roupas como símbolos – a toga, a cartola, o véu, o manto.

O que as vestes eclesiásticas dizem hoje? Essa questão toca não apenas a identidade do portador, mas também a fé da comunidade. Não há nenhuma resposta absoluta, nenhuma resposta além das pessoas no seu tempo e cultura. Tradição e história não são uma resposta, pois sempre há um momento em que tal peça do vestuário eclesiástico era desconhecida, e haverá um tempo em que ela será vista apenas em um museu.

O tempo traz e depois enterra estilos. Uma pessoa medieval provavelmente entendia as insígnias episcopais razoavelmente bem, porque os aspectos da sua vida dependiam da sua rara aparição, e eram vistas em um ambiente de muitas insígnias. O arranjo elaborado de roupas artificiais na Igreja Católica é dos últimos quatro séculos. Hoje, roupas incomuns aparecem na televisão como algo conectado ao entretenimento. Que pensamentos são evocados quando um cardeal ou um arcebispo aparece em um jogo de beisebol de capa e vestido? O que a capa e a faixa dizem pessoal e socialmente? Elas recordam o Novo Testamento ou a liturgia da comunidade cristã?

Não há roupas intrinsecamente religiosas. As vestes religiosas se destinam a apontar para alguma verdade de fé ou para sugerir uma presença sacramental. A pessoa pública de cada ministro da Igreja deve relacionar ao Jesus humilde e à sacramentalidade da vida desta Igreja.

Na comunidade cristã, todo o vestuário – e isso inclui vestuário litúrgico – expressa a vida da Igreja animada pelo Espírito. Capas e mantos em estilo barroco não são nem proféticos nem contraculturais. Se a distinção régia ou antiquada uma vez tinha o seu valor para as lideranças eclesiais, se a pretensão de ser eclesiástica ou até mesmo metafisicamente melhor era presumida, desde o Vaticano II mais e mais pessoas ignoram tais exposições. O tempo nunca pára. O que parecia poderoso no passado é hoje meramente curioso. Muitos católicos estão chegando a um ponto em que as roupas antiquadas não são inspiradoras nem sacramentais, mas existem fora da vida humana.

Tanto a expressão da Igreja do reino de Deus e da cultura a que ela fala são históricos. A mudança atinge tudo. A qualquer momento, algo novo está nascendo, e algo estático e estranho está morrendo. A história flui através das relações entre fé, graça e pessoas, e elas estão sempre sendo determinado de novo na vida concreta. O Espírito Santo se esforça, contra o pecado, a irrealidade e o egoísmo, para animar a Igreja. Em última análise, as roupas são apenas roupas.

Henry David Thoreau disse muito bem: "Cuidado com todos os empreendimentos que exijam roupas novas". Talvez alguma lição permaneça das palavras do Salmo 132: "Que teus sacerdotes se vistam em santidade, e teus fiéis exultem de alegria".

Extraído de http://www.ihu.unisinos.br/noticias/517264-qual-e-a-mensagem-do-desfile-de-moda-barroca-na-igreja acesso em 2013-01-30

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

A Igreja na encruzilhada e o temor da irrelevância social

Entrevista especial com Luiz Roberto Benedetti

A Igreja se encontra numa encruzilhada, num dilema: abrir-se ao mundo e dialogar com ele ou fechar-se sobre si mesma, constata o sociólogo.


“Maio de 1968 fez dos direitos humanos uma busca de satisfação de direitos individuais. O politicamente correto produziu um minimalismo ético, constituído de normas pontuais, provocadas por interesses tribais e corporativos. A realidade é que não se sabe como preencher o vazio. Nesse quadro, sumariamente esboçado como pensar o conservadorismo? E a Igreja?”. A indagação vem do padre e sociólogo Luiz Roberto Benedetti. Na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line, ele concorda que a Igreja Católica seja conservadora e que ela aposta no conservadorismo. “Mas o pensamento e praxis institucionais de caráter doutrinário, ao ignorar o contexto histórico, podem produzir frutos amargos, perdendo relevância social mesmo no patamar dos valores que apregoam como sendo constitutivos de seu estilo de pensamento de modos de vida”. Para Benedetti, na atual conjuntura eclesial, “parece em curso um processo de mediocrização crescente: imposição acrítica da doutrina, a falta de uma hermenêutica séria na pregação da Palavra, valorização do espetáculo e pompas rituais, as grandes concentrações e a decadência de uma educação teológica de caráter sapiencial e reflexivo ilustram o quadro”.
 
Luiz Roberto Benedetti (foto) possui graduação em Filosofia pelo Instituto Camiliano Pio XII, graduação em Filosofia pela Universidade de São Paulo, graduação em Teologia, mestrado em Sociologia pela Universidade de São Paulo e doutorado em Ciências Sociais pela mesma instituição. Foi assessor nacional da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB. Foi professor na Faculdade de Teologia e Ciências Religiosas da Pontifícia Universidade Católica de Campinas. É autor de, entre outros, Os santos nômades e o Deus Estabelecido (São Paulo: Paulinas, 1983) e Templo, praça, coração - A articulação do campo religioso católico (São Paulo: Humanitas / USP / FAPESP, 2000).

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Como o senhor analisa a posição da Igreja no contexto atual? Percebe que ela estaria enfrentando a modernidade com uma aposta no conservadorismo?

Luiz Benedetti - Tento ir na contramão e evitar definições prévias ou aderir a posições já assentadas. Assim, por exemplo, de um lado, se afirma que a secularização é um fato e, mais ainda, um dado irreversível e que o pluralismo e crescimento dos grupos religiosos é sua expressão visível. De outro lado, a posição contrária que vê um renascer religioso que coloca em xeque tudo o foi teorizado até agora sobre este termo. Se aceita a teoria, pode-se no máximo admitir que há uma pós-secularização ou dessecularização. Outro exemplo: o próprio termo relativismo é insuficiente para caracterizar o contexto atual. De um lado, há a crise do pensamento metafísico; de outro, a crise do marxismo colocou por terra a pretensão de conferir um desígnio à História, portadora, no dizer de Otavio Paz, de uma transcendência mítica. Busca-se no estilo de vida, fundado no consumo, um sentido para a vida. Mais do que relativismo, o que se experimenta é um grande vazio, que não se sabe como preencher.

Pretensões institucionais de fazê-lo estão mergulhadas em reivindicações que agudizam contradições no interior dos grupos religiosos, confrontados com a predominância de aspirações e desejos subjetivos (que se acredita serem direitos inalienáveis) sobre doutrinas e normas. Maio de 1968 fez dos direitos humanos uma busca de satisfação de direitos individuais. O politicamente correto produziu um minimalismo ético, constituído de normas pontuais, provocadas por interesses tribais e corporativos. A realidade é que não se sabe como preencher o vazio. Nesse quadro, sumariamente esboçado como pensar o conservadorismo? E a Igreja? Olhemos a Praça de São Pedro, no Angelus do domingo, 13 de janeiro: enquanto membros de um grupo feminista se despia durante a alocução papal em protesto contra o modo como a instituição eclesiástica trata as mulheres, uma multidão, de mais de 350 mil pessoas, participava de marcha contra o projeto do presidente da França, Hollande, de liberar o casamento gay e garantir o seu direito de adotar filhos. E no campo da teoria antropológica, Marc Augé, perguntando se na questão homossexual existe algo mais conservador do que a reivindicação do casamento.

IHU On-Line - Quais as chances de sucesso da opção conservadora diante da crise de credibilidade da Igreja atualmente? Que riscos se corre indo por esse caminho?

Luiz Benedetti - O conservadorismo funda-se na ideia de ordem e de integração de uma sociedade verticalizada e governada pelos “melhores”, por uma elite que se pretende modelo do pensamento e ação justos. Mas o problema não está em entendê-lo através de posições doutrinárias ou ideológicas pré-estabelecidas, mas sim de perscrutar traços que podem ajudar a desvendar se as atitudes são conservadoras ou não. E só no desenrolar dos fatos que o caráter transformador ou conservador se manifesta. Como exemplos, pode-se pensar no sacerdócio feminino ou na ordenação de homens casados, que podem acentuar ainda mais a clericalização da Igreja se não se vai às raízes da dominação clerical. Outro exemplo, fora do catolicismo: a Primavera Islâmica pode repetir o caso iraniano: O aitolá Khomeini, recebido como herói, libertador do domínio da dinastia de Reza Phalevi, aplaudido pelos comunistas, fez destes as primeiras vítimas de um regime religioso que, no caso, assumiu caráter totalitário. Mais, contrariando até mesmo o próprio Islamismo.

Mas, tanto num caso quanto no outro há, por parte das duas religiões citadas, apelo a uma tradição. Esta é, objetivamente, a concretização de uma identidade sociocultural que nem sempre dignifica a pessoa e favorece sua emancipação. A tradição forma, no dizer de Manheim, modos de vida; estes, por sua vez geram estilos de pensamento que levam os indivíduos a se relacionarem com a realidade dentro de um esquema que interessa a grupos situados em posição privilegiada dentro do status quo institucional. Nesse caso, no exemplo citado, é claro que a Igreja Católica é conservadora e aposta no conservadorismo. Mas, como lembrei acima, o pensamento e praxis institucionais de caráter doutrinário, ao ignorar o contexto histórico, podem produzir frutos amargos, perdendo relevância social mesmo no patamar dos valores que apregoam como sendo constitutivos de seu estilo de pensamento de modos de vida, para ficar mais uma vez nos termos de Manheim. As instituições são conservadoras, governadas pela lei de sua autoreprodução. Para isso fazem adaptações pontuais.

No caso da Igreja Católica ela lida com o conflito através de mecanismos do tipo heresia e canonização. Pode-se ver um exemplo concreto na retomada da onda de canonizações no pontificado de João Paulo II. João XXIII e Paulo VI utilizaram pouco este mecanismo. Seu horizonte de visão e ação estava no mundo. O que a Igreja tinha a dizer estava mais em discernir os sinais dos tempos do que em propor modelos “prontos” de vida cristã. A própria reação a canonizações (Pio XII e os judeus, por exemplo) confirma a força simbólica desse mecanismo.
  • Conservadorismo: dados
O conservadorismo implica em um duplo movimento, de cima para baixo e vice-versa. Há uma espécie de retroalimentação. O peso maior ou menor do vértice ou da base depende de momentos e situações históricas definidas. Fala-se da Cúria Romana, como modelo de conservadorismo, mas nem ela é um todo monolítico, se considerarmos as pessoas que ocupam cargos. Entretanto, se levarmos em conta os mecanismos que a regem, sua dinâmica interna – a burocracia impessoal e a distância pastoral, a falta de contato direto com o povo de Deus – seu funcionamento se reduz ao papel frio de controladora da vida da Igreja. Às vezes tem-se a impressão que se inventam problemas para gerar controvérsias e, dessa forma, ter como mostrar trabalho. Assim, o campo da regulação dos ritos é um terreno fértil para a geração de discussões. Só que esse mecanismo funciona e bem na medida em que provoca um movimento de baixo para cima. Um exemplo muito banal: a ausência de inquietação com os destinos do mundo por parte de seminaristas e os novos padres. Seu horizonte de preocupação restringe-se ao funcionamento da vida interna da Igreja. Sem ter o mundo e a história como horizonte de vida e pensamento cai-se na mediocridade. E então vestes e horários ficam mais importantes que as alegrias e dores do povo de Deus.

Problema crucial está na escolha dos quadros intermediários da Igreja: são vitais para sua atuação na sociedade. As nomeações têm obedecido a critérios nos quais pesa mais a submissão que a capacidade de contribuir para dar novos rumos ao caminhar da Igreja. A obediência pode ser caracterizada como subserviência. Isso porque o conservadorismo gira em torno de três eixos: a obediência tornada subserviência que faz o indivíduo ficar a serviço de tarefas pré-estabelecidas no tempo e no espaço; o carreirismo, fruto do poder como privilégio e favor e não como serviço: e a burocracia, cuja impessoalidade se entende como racionalização e eficácia.

IHU On-Line - O que esperar de um cenário em que, ao mesmo tempo, se diluem as bases tradicionais de pertença religiosa, a liberdade religiosa, o pluralismo e a secularização e se abre espaço para projetos religiosos de viés conservador e fundamentalista?

Luiz Benedetti - Para mim, aqui está a raiz dos problemas que a Igreja enfrenta. Discute-se realmente no interior da Igreja essas questões? O viés conservador se radica muito mais na ausência de discussão séria e competente para fazê-lo do que em posições doutrinárias que, conservadoras ou não, alimentem o debate e dinamizem a recepção ativa da ortodoxia e alimentem uma praxis criativa. Valha repetir o exemplo: a religiosas norte-americanas incomodam o aparato burocrático porque são competentes no exercício de seu serviço cristão e na capacidade de dialogar com o mundo. E aí vem a intervenção disciplinar, de caráter punitivo, ao invés de se deixar interrogar por uma postura social e eclesialmente responsável. Isso sem falar no levantamento prévio da suspeita.

Na atual conjuntura eclesial parece em curso um processo de mediocrização crescente: imposição acrítica da doutrina, a falta de uma hermenêutica séria na pregação da Palavra, valorização do espetáculo e pompas rituais, as grandes concentrações e a decadência de uma educação teológica de caráter sapiencial e reflexivo ilustram o quadro.

IHU On-Line - Quais os maiores desafios que a Igreja precisa enfrentar na contemporaneidade? Como ela tem feito isso, na sua opinião?

Luiz Benedetti - Diria, simplificando e muito, que a Igreja se encontra numa encruzilhada, num dilema: abrir-se ao mundo e dialogar com ele ou fechar-se sobre si mesma. No primeiro caso, precisa qualificar-se e sua política de silenciamento dos teólogos, de intervenção em grupos socialmente atuantes e gozando de reconhecimento social explícito (caso das religiosas americanas) mostra que não foi este o caminho escolhido. No segundo caso, fechar-se sobre si mesma, leva a refugiar-se em modelos institucionais de pensamento, ação e formação de quadros que deram certo numa determinada época histórica. Seminário, paróquia, o uso do latim como língua universal constituem aspectos sintomáticos de uma totalidade fechada e imune às interrogações da realidade. Sente-se na Igreja um centralismo crescente preocupado com sua autoreprodução. Um exemplo está na preocupação em fortalecer o status institucional católico da Caritas, fortalecendo sua identidade confessional até mesmo caminhando numa direção proselitista em um campo que sempre foi muito além do assistencialismo. Deu força a ações encarnadas e encarnatórias acima de horizontes ideológicos. Estes não podem ocupar o lugar que cabe à “Graça”. Mostrar-se católico, neste caso, pode aparecer como uma logomarca da ação caritativa (que não conhece horizontes confessionais-ideológicos). No campo da cultura, o “imbróglio” Universidade Católica do Peru caminha na mesma direção.

IHU On-Line - Como o senhor percebe a postura de Bento XVI de robustecer a Igreja Católica frente aos desafios impostos pelo avanço do pluralismo religioso e cultural?

Luiz Benedetti - Robustecer a Igreja num mundo de pluralismo religioso e cultural significa, antes de mais nada, preparar quadros qualificados para o diálogo adulto e responsável. E isso só é possível em clima de liberdade. Quando esta desaparece, ou pior, cede lugar ao medo, instaura-se a mediocridade, cria-se um saber de manual, de repetição de fórmulas. Pior: alimenta-se a imagem da Igreja como praticante de uma espécie de polícia do pensamento tão a gosto da imprensa que explora à saciedade esta faceta. Aliás, nem sempre de maneira justa. Só que não se pode esquecer: livros proibidos provocam corrida às livrarias e seus autores adquirem respeito e guarida em centros de produção de pensamento, que prezam acima de tudo a competência e honestidade intelectuais. Por outro lado, não se pode esquecer que esse quadro de mediocrização se generaliza cada vez mais no ambiente acadêmico como um todo.

IHU On-Line - Como o campo religioso católico brasileiro se articula com o cenário internacional da Igreja? Qual a especificidade do catolicismo brasileiro? 

Luiz Benedetti - O último censo diz tudo. A sensação, pessoal, e, por que não, o temor, é o de uma Igreja que caminha para a irrelevância social. Mais adaptada ao mundo (que combate) do que parece. Fixemo-nos num dado: a prática cultual. Um padre mostrou-me a assembleia reunida para a Eucaristia e comentou: somos cada vez mais a Igreja das cabeças brancas. Referia-se a faixa etária dos participantes. O catolicismo brasileiro, na realidade, são catolicismos. Se tomarmos o catolicismo “oficial” (na falta de outro termo) a esperança reside no profetismo, num catolicismo de resistência, o mesmo que assumiu o Vaticano II, combateu a ditadura e luta pelo direito dos pobres. Nas comunidades, pouco visíveis, mas capazes de uma solidariedade pequena, despojada, mas que faz frente ao individualismo contemporâneo. Quanto ao catolicismo popular: o pentecostalismo se alimenta dele. Os cientistas sociais se perguntam: não será ele, em suas formas novas, um catolicismo rural urbanizado?

IHU On-Line - Fazendo uma breve retrospectiva da diversidade e da unidade da Igreja Católica e de seus dilemas entre o início da década de 1960 e a década de 1990, como o senhor percebe a Igreja hoje, em comparação a este período? Qual o espaço que ocupam hoje, para os fiéis católicos, as três vertentes básicas da instituição: Templo, Praça e Coração? 

Luiz Benedetti - Nos anos 1960 a unidade se dava em termos de uma pastoral planejada, de atuação colegiada dos bispos. Havia uma “vanguarda” episcopal, nomeada por D. Armando Lombardi, que buscou entre os padres que eram assistentes da Ação Católica, bispos capazes de dar um novo perfil ao episcopado, sensíveis à dinâmica histórica, aos problemas da realidade social em transformação, capazes, no dizer de um acadêmico, de aprender com os leigos e escapar ao mundo da formação seminarística (no seminário não se podia ler Jacques Maritain). A consagração dessa realidade pelo Concílio Vaticano II, dando à colegialidade episcopal um papel “sacramental” foi radicalmente alterada com a “ligação” direta bispo-papa, a colegialidade reduzida a um agregado “afetivo”, a obediência livre e responsável substituída pela submissão em todos os níveis da vida religiosa católica, os movimentos de caráter emocional-intimista, doutrinariamente fundamentalistas alteraram radicalmente o quadro de “utopias” em ação dos anos 1960. Mas é preciso acrescentar. Nos anos 1960, as Igrejas oriundas da Reforma viviam a mesma efervescência. E se alimentavam umas às outras. As produções do Conselho Mundial de Igrejas eram lidas por nós. Hoje o mesmo processo ocorre ao inverso:
  • Templo: poucos jovens, rituais que seduzem menos pelo mistério e pela Palavra que pela pompa vazia e mentalidade rubricista.
  • Praça: os leigos estão no mundo, lugar de exercício de sua vocação batismal? Os ministérios leigos não representam uma saída para o verdadeiro problema que é a busca de novas formas de exercício do sacerdócio ministerial? Por isso mesmo, no momento não estão na praça. São clericalizados.
  • Coração: não se vê um horizonte favorável aos movimentos de caráter emocional. Há uma sensação, apenas uma sensação, de esgotamento. Mesmo porque são incapazes de agir sobre a sociedade em que surgiram e transformar a Igreja que lhes deu força. E mais: o forte componente emocional tende a se esgotar rapidamente e não deixar nada no seu lugar.

IHU On-Line - Qual o sentido do fundamentalismo religioso contemporâneo? Como ele se relaciona (e talvez se justifica) com outros fenômenos de nosso tempo?

Luiz Benedetti - Há que se escapar de uma visão que o vincula estreitamente às suas origens, fundadas na reação ao evangelismo liberal, à recusa de uma hermenêutica “moderna” na compreensão da Palavra de Deus. Ele é bem mais que isso. É uma atitude de vida, um modo de ser no mundo. Nesse sentido ele se apresenta como adesão irrestrita a um Grande Texto, assumido literalmente. Pode ser a Bíblia, o Alcorão, a própria Constituição de um país (um fundamentalismo tipicamente americano, no dizer de Agnes Heller). Apresenta-se como um modo de fazer frente a uma desordem e fragmentação internas, provocadas pela subjetivação intimista que faz do gosto pessoal o critério último da consciência moral. Mas é preciso perguntar: será que a sociedade recusa os parâmetros que a Igreja prega? Ela precisa deles e os solicita. O que ela recusa é a imposição pela violência – simbólica ou física. Mesmo porque esses parâmetros são funcionais. Eles delimitam o campo da ação “legítima” e, nesse sentido, “situam” num mapa significativo indivíduos e grupos. Os indivíduos sabem o que é certo ou errado. E isso traz segurança. Impede que sejamos, na expressão de Berger, “homeless mind” (um mundo sem lar). O que, em absoluto, não quer dizer que se norteiem pelos parâmetros propostos. Uma demonstração de que a sociedade não recusa verdades está na aceitação e difusão ampla da literatura de autoajuda, um tipo de guia que traz pronto um mundo no qual não é preciso pensar, refletir, escolher, decidir. A autoajuda dispensa o discernimento e a escolha. Responde ao homem moderno cuja angústia é ter que escolher.

sábado, 26 de janeiro de 2013

QUANDO ESTOU EM TUA PRESENÇA SENHOR...



QUANDO ESTOU EM TUA PRESENÇA SENHOR...


Quando estou em tua presença, Senhor,
tudo em minha vida fala de Ti...
Mas quando estás presente, e mesmo assim eu não te percebo...
Tudo não é mais que saudade...
E uma imensa vontade de ti encontrar e em ti permanecer...
E não querer te deixar por nada, por mais nada mesmo...
Porque tudo o que existe não é nada sem a tua presença amorosa...

O céu e a terra que vejo são lindos...
Porém, mesmo toda essa beleza natural...
Em nada se compara à tua Beleza divina,
porque ela é infinita como infinitos são aqueles
à quem destes a honra de te conhecer pela fé...
de te contemplar e te amar por essa mesma fé...

Senhor, enche-me da santa esperança...
De ver-te um dia face a face no céu...
Na alegria dos teus redimidos...
Na felicidade dos teus eleitos...
Dá-me a capacidade de te amar sem medida,
Por isso, te peço, ó Senhor,
permanece definitivamente em minha vida...
Assim nenhuma criatura me afastará de ti...
Assim viverei sempre em ti, por ti e para ti...

Porque aqui, por mais que eu queira algo,
tudo é muito vago, nada e ninguém me satisfaz...
Isto acontece, porque trago em mim uma paz inquieta...
que não suporta o barulho ensurdecedor deste mundo...
Deste mundo, ó Senhor, que não te conhece
e ao que parece não procura te conhecer...
Porque faz do imediatismo a razão de ser de sua busca intrínseca...
Por isso vive na penumbra da vida,
no mais terrível vazio que o indiferentismo traz...

Porque aqui no mundo é assim,
muitos só buscam riquezas, status social, fama e poder...
E como que, se esquecem que são simples mortais...
De fato, naturalmente somos apenas um sopro,
nada além, nada mais que um sopro...
E se nos falta esse sopro, somos apenas esboços mortos,
cadáveres ambulantes prestes a se decompor rumo ao pó...
Todavia, deste-nos alma imortal, capaz do céu...

Como seria bom Senhor que todos reconhecessem isso...
Assim jamais abandonariam os teus mandamentos...
Pelo contrário, seguiriam a ti e todos os teus desígnios...
sem jamais te negarem em seus pensamentos, palavras e ações...

Então, felizes são os que se reconhecem como teus filhos e filhas...
E andam por tuas trilhas e dão testemunho de tuas maravilhas neste mundo...
Estes reconhecem também que lhes dás capacidade
para fazer somente o bem,
o que te agrada e o que é perfeito...
Assim consagram a ti seus corpos num sacrifício vivo e santo, perfeita oblação de suave odor...
Por isso, não se conformam à este mundo,
mas renovam seu espírito no mais profundo do teu amor...

Paz e Bem!

Frei Fernando Maria,OFMConv.


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sábado, 19 de janeiro de 2013

SÉRIE MEDITAÇÕES: OS NOVÍSSIMOS DO HOMEM, OS ÚLTIMOS ACONTECIMENTOS DE SUA VIDA...



SÉRIE MEDITAÇÕES

OS NOVÍSSIMOS DO HOMEM,

OS ÚLTIMOS ACONTECIMENTOS DE SUA VIDA...


A MORTE

Em tudo o que fizeres, lembra-te de teu fim, por isso, evites cometer pecados. (cf. Eclo 7,40). A morte é tão real para nós quanto a vida que vivemos dia a dia, todavia, não pensamos nela com frequência, a não ser quando passamos por algum perigo iminente e escapamos por pouco. Isso acontece, talvez, porque nos acomodamos com as seguranças que criamos, no entanto, nada somos além de um sopro de vida; na verdade, andamos como que na corda bamba da existência ou ainda singrando no mar revolto desta vida em busca de algum porto seguro de salvação.

Com efeito, meditando sobre a morte, assim escreveu Santo Afonso Maria de Ligório, em sua obra intitulada, “Preparação Para a Morte”: “Considerai que sois pó, e que em pó vos haveis de tornar. Virá um dia em que morrereis e sereis lançado à podridão num fosso, onde o vosso único vestido serão os vermes. Tal é a sorte reservada a todos os homens, aos nobres e aos plebeus, aos príncipes e aos vassalos. Logo que a alma saia do corpo com o último suspiro, dirigir-se-á à eternidade e o corpo deverá reduzir-se a pó”.

De fato, a morte nos acompanha a cada instante e vemos ela acontecer na vida dos que partem antes de nós, só que um dia partiremos também como eles, e de tudo o que fizemos restarão apenas lembranças que logo cairão no esquecimento. Por isso, precisamos rezar como o salmista: “Só em Deus a minha alma tem repouso, porque dele é que me vem a salvação. Só ele é meu rochedo e salvação, a fortaleza, onde encontro segurança!” (Sl 61,1-2). Porque sem Deus não há esperança, não há vida, não há nada, só o caos.

O JUIZO PESSOAL

“Como está determinado que os homens morram uma só vez, e logo em seguida vem o juízo...” (Heb 9,27). Quem não haverá de ser julgado? Ora, ninguém escapará ao juízo divino, até mesmo os inocentes que receberão a sentença favorável por sua inocência, também eles serão julgados. E esta é uma das maiores certezas que temos por tudo o que recebemos de Deus, que nos criou por amor e somente para amarmos. “Ora, qual é o filho a quem seu pai não corrige?” (Heb 12,7c).

Então, que julgamento é esse? Na verdade, todos nós que fomos batizados nascemos na ordem da graça para a vida eterna e não para o pecado, logo, ele não devida fazer mais parte de nossa vida. Pois, assim nos ensinou São Paulo: “De agora em diante, pois, já não há nenhuma condenação para aqueles que estão em Jesus Cristo. A lei do Espírito de Vida me libertou, em Jesus Cristo, da lei do pecado e da morte. O que era impossível à lei, visto que a carne a tornava impotente, Deus o fez. Enviando, por causa do pecado, o seu próprio Filho numa carne semelhante à do pecado, condenou o pecado na carne, a fim de que a justiça, prescrita pela lei, fosse realizada em nós, que vivemos não segundo a carne, mas segundo o espírito”. (Rom 8,1-4).

Acontece que muitos se aproveitam da liberdade que receberam para agirem, não conforme a vontade de Deus, presente em nossa liberdade de escolha e decisão, mas como insensatos que não levam em conta o fim de seus dias e a eternidade na qual serão julgados logo após sua morte. Bem nos alertou São Paulo a esse respeito quando escreveu: “Irmãos, não somos devedores da carne, para que vivamos segundo a carne. De fato, se viverdes segundo a carne, haveis de morrer; mas, se pelo Espírito mortificardes as obras da carne, vivereis, pois todos os que são conduzidos pelo Espírito de Deus são filhos de Deus”. (Rom 8,12-14).

Enfim, a respeito do juízo só não o temerão aqueles que em sua vida natural se portaram como verdadeiros filhos de Deus, isto é, fiéis aos seus mandamentos e dignos do seu Reino pelas obras que os acompanham. Por isso, nosso Senhor Jesus Cristo nos ensina: “Vigiai e orai para que não entreis em tentação. O espírito está pronto, mas a carne é fraca”. (Mt 26,41). Então, rezemos com o salmista: “Escutai, Senhor, a voz de minha oração, tende piedade de mim e ouvi-me. Fala-vos meu coração, minha face vos busca; a vossa face, ó Senhor, eu a procuro. Não escondais de mim vosso semblante, não afasteis com ira o vosso servo. Vós sois o meu amparo, não me rejeiteis. Nem me abandoneis, ó Deus, meu Salvador. Ensinai-me, Senhor, vosso caminho; por causa dos adversários, guiai-me pela senda reta”. (Sl 26,7-9.11).

O PARAÍSO CELESTE

Ao contemplarmos este mundo notamos tanta disparidade e desequilíbrio, apesar das perfeições também nele notadas, que achamos difícil crer que ele foi criado por Deus, que é infinitamente Perfeito. De fato, Deus é Infinitamente Perfeito e tudo criou para atingir a plenitude de sua Perfeição. É por isso, que em tudo Ele pôs inteligência, sabedoria e leis que se articuladas conforme sua vontade, atingirão a perfeição de Sua Caridade e os atributos de sua Natureza Divina que são Santidade e Imortalidade, como Ele mesmo desejou em seu desígnio de amor (cf. Sab 2,23-24). Ora, mesmo as imperfeições e maquinações maléficas aqui notadas são também elas articuladas, só que por uma inteligência inferior, e por isso, dão sempre em nada, porque são adversas à perfeição e a intenção do nossa Criador. Logo, todo esse desequilíbrio, obviamente, dará lugar à justiça divina, à verdade eterna e ao amor perfeito que é o anseio de todas as criaturas.

É como escreveu São Paulo: “Tenho para mim que os sofrimentos da presente vida não têm proporção alguma com a glória futura que nos deve ser manifestada. Por isso, a criação aguarda ansiosamente a manifestação dos filhos de Deus. Pois a criação foi sujeita à vaidade (não voluntariamente, mas por vontade daquele que a sujeitou), todavia com a esperança de ser também ela libertada do cativeiro da corrupção, para participar da gloriosa liberdade dos filhos de Deus. Pois sabemos que toda a criação geme e sofre como que dores de parto até o presente dia. Não só ela, mas também nós, que temos as primícias do Espírito, gememos em nós mesmos, aguardando a adoção, a redenção do nosso corpo. Porque pela esperança é que fomos salvos”. (Rom 8,18-24a).

Então, que salvação é esta, que paraíso é este? “Nota bem o seguinte: nos últimos dias haverá um período difícil. Os homens se tornarão egoístas, avarentos, fanfarrões, soberbos, rebeldes aos pais, ingratos, malvados, desalmados, desleais, caluniadores, devassos, cruéis, inimigos dos bons, traidores, insolentes, cegos de orgulho, amigos dos prazeres e não de Deus, ostentarão a aparência de piedade, mas desdenharão a realidade. Dessa gente, afasta-te!” (2Tim 3,1-5). “Entretanto, virá o dia do Senhor como ladrão. Naquele dia os céus passarão com ruído, os elementos abrasados se dissolverão, e será consumida a terra com todas as obras que ela contém. Uma vez que todas estas coisas se hão de desagregar, considerai qual deve ser a santidade de vossa vida e de vossa piedade, enquanto esperais e apressais o dia de Deus, esse dia em que se hão de dissolver os céus inflamados e se hão de fundir os elementos abrasados! Nós, porém, segundo sua promessa, esperamos novos céus e uma nova terra, nos quais habitará a justiça. (2Ped 3,10-13).

Vi, então, um novo céu e uma nova terra, pois o primeiro céu e a primeira terra desapareceram e o mar já não existia. Eu vi descer do céu, de junto de Deus, a Cidade Santa, a nova Jerusalém, como uma esposa ornada para o esposo. Ao mesmo tempo, ouvi do trono uma grande voz que dizia: Eis aqui o tabernáculo de Deus com os homens. Habitará com eles e serão o seu povo, e Deus mesmo estará com eles. Enxugará toda lágrima de seus olhos e já não haverá morte, nem luto, nem grito, nem dor, porque passou a primeira condição”. (Apo 21,1-4). “Portanto, caríssimos, esperando estas coisas, esforçai-vos em ser por ele achados sem mácula e irrepreensíveis na paz”. (2Ped 3,14).

Santo Afonso descreveu assim a felicidade do céu: “Depois de entrar na felicidade de Deus, a alma não terá mais nada a sofrer. No paraíso não há doenças, nem pobreza, nem incômodos. Deixam de existir as vicissitudes dos dias e das noites, do frio e do calor; é um dia perpétuo, sempre sereno, primavera perpétua, sempre deliciosa. Não há perseguições nem ciúmes; neste reino de amor, todos os seus habitantes se amam mútua e ternamente, e cada qual é tão feliz da ventura dos outros como da própria. Não há receios, porque a alma, confirmada na graça, já não pode pecar nem perder a Deus. Tudo é novo, tudo consola, tudo satisfaz.

Os olhos deslumbrar-se-ão com a vista desta cidade cuja beleza é perfeita. Que maravilha não nos causaria a vista de uma cidade cujas ruas fossem calçadas de cristal, e cujas casas fossem palácios de prata ornados de cortinados de ouro e de grinaldas de flores de toda espécie. Oh, quanto mais bela ainda é a cidade celeste!

Que delicioso não será ver todos os seus habitantes vestidos com pompa real, porque todos efetivamente são reis, como lhes chama Santo Agostinho: Quot cives, tot reges (Quantos cidadãos, tantos reis). Que delicioso não será ver Maria, que parecerá mais bela que todo o paraíso! Que delicioso não será ver o Cordeiro divino, Jesus, o Esposo das almas!

Numa palavra, o paraíso é a reunião de todos os gozos que se podem desejar.

Mas essas inefáveis delícias até aqui consideradas são apenas os menores bens do paraíso. O bem, que faz o paraíso, é o Bem supremo, que é Deus, diz Santo Agostinho. A recompensa que o Senhor nos promete não consiste unicamente nas belezas, nas harmonias, nos outros encantos da bem-aventurada cidade; a recompensa principal é Deus, isto é, consiste em ver Deus face a face, a amá-Lo. Assegura Santo Agostinho que, para os condenados, seria como estar no paraíso se chegassem a ver Deus. E acrescenta que se fosse dado a uma alma, ao sair desta vida, a escolha de ver a Deus ficando nas penas do inferno, ou ser livre das penas do inferno e ao mesmo tempo privada da vista de Deus, ela preferiria a primeira condição.

A felicidade de contemplar com amor a face de Deus, não a podemos conceber neste mundo, mas procuremos avaliá-la, ainda que não seja senão pela rama, segundo os efeitos que conhecemos”. (Preparação para a Morte, Parceria Antônio Maria Pereira, Livraria Editora, Lisboa, 5a. edição, 1922, pp. 207 e ss.). (http://www.mensageiradapaz.org/novissimos.html – 18/01/13).


O INFERNO

Não haveria justiça alguma se a maldade dos anjos e dos homens fosse recompensada; se a verdade presente em todas as coisas não viesse à tona; se não se revelasse os reais pensamentos e intenções dos corações; se todo esse desequilíbrio do jeito que se encontra aqui continuasse na eternidade. E se Deus, depois de enviar o seu Filho Único, nascido da Virgem Maria, para nos salvar por sua morte e ressurreição, não nos desse um repouso definitivo fruto do sacrifício de seu Filho para a nossa redenção, o que seria de nós e de toda a criação? E como ficaria o derramamento de todo sangue inocente que clama justiça aos céus à começar pelo sangue de Cristo, seu Filho amado?

Muitos dizem: Deus é amor, e por isso jamais punirá alguém. Realmente Deus é amor, então, vivamos segundo o amor de Deus e jamais haverá punição alguma; mas se desdenharmos de Seu Infinito Amor, o que restará? Somente o ódio, porque todo pecado mortal se transforma em ódio, e é assim que vivem os que estão condenados no inferno. Pois todo pecado mortal é sinônimo de infortúnio e maldição; cada ato pecaminoso é um doloroso desligamento de Deus; e caso não haja arrependimento e reparação desses pecados, também não haverá salvação para aqueles que os cometem.

Com efeito, assim está escrito na Carta aos Hebreus: “Depois de termos recebido e conhecido a verdade, se a abandonarmos voluntariamente, já não haverá sacrifício para expiar este pecado. Só teremos que esperar um juízo tremendo e o fogo ardente que há de devorar os rebeldes. Se alguém transgredir a Lei de Moisés - e isto provado com duas ou três testemunhas -, deverá ser morto sem misericórdia. Quanto pior castigo julgais que merece quem calcar aos pés o Filho de Deus, profanar o sangue da aliança, em que foi santificado, e ultrajar o Espírito Santo, autor da graça! Pois bem sabemos quem é que disse: Minha é a vingança; eu a exercerei (Dt 32,35). E ainda: O Senhor julgará o seu povo (Sl 134,14). É horrendo cair nas mãos de Deus vivo”. (Heb 10,26-31).

Portanto, a respeito do céu ou do inferno não é preciso provar nada intelectualmente, porque todos nós que aqui estamos já os experimentamos naquilo que pensamos e vivemos. De fato, cada um colhe sempre o que planta, desse modo, o julgamento já se faz presente implicitamente em cada ato praticado, cujo resultado é detectado pelo estado de alma que cada um traz em si mesmo. É como nos ensinou São Paulo: “Não vos enganeis: de Deus não se zomba. O que o homem semeia, isso mesmo colherá. Quem semeia na carne, da carne colherá a corrupção [e a morte]; quem semeia no Espírito, do Espírito colherá a vida eternaNão nos cansemos de fazer o bem, porque a seu tempo colheremos, se não relaxarmos. Por isso, enquanto temos tempo, façamos o bem a todos os homens, mas particularmente aos irmãos na fé”. (Gal 6,7-10).

Paz e Bem!

Frei Fernando Maria,OFMConv.


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quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

A TODOS FOI DADO UM PODER, MAS ESSE PODER UM DIA FINDARÁ...



A TODOS FOI DADO UM PODER, MAS ESSE PODER UM DIA FINDARÁ...


O cotidiano existencial é constituído pelas relações dos homens com Deus, entre si e com todas as outras criaturas visíveis e invisíveis. Estamos sempre interagindo uns com os outros e com tudo o que há o tempo todo, pois o homem só para essa interação quando morre, porque com a morte perde a liberdade de ser e estar no mundo, liberdade esta concedida por Deus quando criou todas as coisas e as deu para o homem governa-las. Ora, por essa interação causamos o equilíbrio, a harmonia e o bem estar de todas as coisas ou o desequilíbrio e a ruína de tudo.

Notamos em nós e nas outras criaturas um poder que emana de nossa essência, esse poder natural veio diretamente de Deus, nosso criador e único Senhor de todas coisas, Aquele que tem todo poder sobre o céu e sobre a terra. Todavia, esse poder nos foi dado por Deus para nossa felicidade, ou seja, em função de nossa salvação e para a glória de Deus. Em outras palavras, temos esse poder para o bem e somente para o bem de todos e para que sejamos um só em Deus. Usar esse poder contrariando essa vontade do Senhor, é desligar-se dele e causar a própria ruína, porque com a nossa morte Deus reivindicará o que lhe pertence, nossa vida, tudo o que somos e temos e o que fizemos com o poder que dele recebemos.

Em sua carta aos Gálatas, São Paulo nos dá o seguinte ensinamento: “Não vos enganeis: de Deus não se zomba. O que o homem semeia, isso mesmo colherá. Quem semeia na carne, da carne colherá a corrupção [e a morte]; quem semeia no Espírito, do Espírito colherá a vida eterna. Não nos cansemos de fazer o bem, porque a seu tempo colheremos, se não relaxarmos. Por isso, enquanto temos tempo, façamos o bem a todos os homens, mas particularmente aos irmãos na fé”. (Gal 6,7-10). E na primeira carta à Timóteo, disse: “Acima de tudo, recomendo que se façam preces, orações, súplicas, ações de graças por todos os homens, pelos reis e por todos os que estão constituídos em autoridade, para que possamos viver uma vida calma e tranquila, com toda a piedade e honestidade. Isto é bom e agradável diante de Deus, nosso Salvador, o qual deseja que todos os homens se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade”. (1Tim 2,1-4). Ou seja, Deus tudo despõe a nosso favor para que vivamos em paz uns com os outros, só precisamos pôr em prática as suas leis e mandamentos.

Por outro lado, percebemos que neste mundo há uma espécie de poder que é adverso a todo bem e que atenta contra nós e contra a obra criada por Deus e que chamamos de poder do mal ou do espírito das trevas. Esse poder se manifesta nas criaturas a partir do pecado delas que consiste na não comunhão com a vontade de Deus. Eis o que escreveu o hagiógrafo no Livra da Sabedoria (escritor bíblico inspirado por Deus) a esse respeito: “Ora, Deus criou o homem para a imortalidade, e o fez à imagem de sua própria natureza. É por inveja do demônio que a morte entrou no mundo, e os que pertencem ao demônio prová-la-ão”. (Sab 2,23-24).

Por isso, “Amai a justiça, vós que governais a terra, tende para com o Senhor sentimentos perfeitos, e procurai-o na simplicidade do coração, porque ele é encontrado pelos que o não tentam, e se revela aos que não lhe recusam sua confiança; com efeito, os pensamentos tortuosos afastam de Deus, e o seu poder, posto à prova, triunfa dos insensatos. A Sabedoria não entrará na alma perversa, nem habitará no corpo sujeito ao pecado; o Espírito Santo educador (das almas) fugirá da perfídia, afastar-se-á dos pensamentos insensatos, e a iniquidade que sobrevém o repelirá”. (Sab 1,1-5).

Portanto, o tempo de todos está se esgotando, não demora muito e esse mundo dará lugar à nova criação, que Jesus, o Filho de Deus, veio inaugurar com a sua morte e ressurreição; precisamos aproveitar todo tempo que nos é dado para vivermos em estado de graça e participarmos do Reino de Deus e de sua justiça. A palavra certa para os nossos dias que são os últimos é, preparação. De fato, precisamos estar preparados para o dia da redenção, como está escrito na segunda carta de São Pedro: “Mas há uma coisa, caríssimos, de que não vos deveis esquecer: um dia diante do Senhor é como mil anos, e mil anos como, um dia. O Senhor não retarda o cumprimento de sua promessa, como alguns pensam, mas usa da paciência para convosco. Não quer que alguém pereça; ao contrário, quer que todos se arrependam”.

Entretanto, virá o dia do Senhor como ladrão. Naquele dia os céus passarão com ruído, os elementos abrasados se dissolverão, e será consumida a terra com todas as obras que ela contém. Uma vez que todas estas coisas se hão de desagregar, considerai qual deve ser a santidade de vossa vida e de vossa piedade, enquanto esperais e apressais o dia de Deus, esse dia em que se hão de dissolver os céus inflamados e se hão de fundir os elementos abrasados! Nós, porém, segundo sua promessa, esperamos novos céus e uma nova terra, nos quais habitará a justiça. Portanto, caríssimos, esperando estas coisas, esforçai-vos em ser por ele achados sem mácula e irrepreensíveis na paz”. (2Ped 3,8-14).

Paz e Bem!

Frei Fenando Maria,OFMConv.


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segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

O QUE É SER SEM PECADO?




O QUE É SER SEM PECADO?


O homem foi criado à “imagem e semelhança” (cf. Gen 1,26-27) de Deus para permanecer em comunhão com Deus. Foi criado sem pecado, para permanecer ligado a Deus que é inacessível ao mal (cf. Tiag 1,27). Assim, percebemos que o homem foi criado pleno das virtudes divinas (amor, verdade, bondade, justiça, etc), e com discernimento e capacidade para governar a criação (cf. Gen 2,15-17), porém, em comunhão com o seu Criador. Percebemos ainda que toda a criação é boa, bela e perfeita, com suas leis naturais impressas em sua alma, ou ainda, como o código genético que carrega em suas entranhas físicas.

Mas, por que existe esse terrível desequilíbrio que ora percebemos numa obra que foi criada com tamanha perfeição e por Deus infinitamente perfeito? A resposta a essa pergunta, está na fonte do conhecimento de Deus, as Sagradas Escrituras. Pois, após o homem ter cometido o pecado de não permanecer em estado de comunhão com o seu criador (cf. Gen 3) lhe restou a comunhão com o Senhor, mas não face a face como antes, e sim pela revelação que Deus faz de si mesmo na criação e nas Sagradas Escrituras, e pessoalmente por Seu Filho, Jesus Cristo enviado para nossa salvação (cf. Heb 1,1-4). E como resposta a essa pergunta, temos a figura emblemática da face tenebrosa do mal, chamado satanás, gerador do pecado e de todo desequilíbrio causado pelos homens de todos os tempos.

De fato, conhecemos Deus a partir de nossa criação; mas antes da criação natural já existia a criação sobrenatural e um certo infortúnio causado pelos anjos decaídos, que Deus nos deu conhecer com clareza (cf. Gen 2,15-17; Is 14,12-15; 1Pd 5,8) para que nunca perdêssemos a comunhão com Ele. É como está escrito: “Ora, Deus criou o homem para a imortalidade, e o fez à imagem de sua própria natureza. É por inveja do demônio que a morte entrou no mundo, e os que pertencem ao demônio prová-la-ão”. (Sab 2,23-24).

Com efeito, como foi dito acima, Deus é inacessível ao mal, isto é, o mal nunca pode ter acesso a Deus; mas, como a criação não é Deus, ele pôde ter acesso à criação e causar o escarcéu (desordem) que causou, mesmo conhecendo a punição por ter gerado tal pecado de desobediência na obra da criação. Ao homem, porém, que não foi o causador do pecado em si, mas apenas colaborou para que este existisse, Deus ofereceu o perdão, livrando-o da punição eterna, pelo arrependimento e o novo nascimento na ordem da graça pelo batismo, com a vinda do Seu Filho Jesus Cristo. Só não tem perdão quem não se arrepende e por isso mesmo não deixa o pecado, porque todo homem que experimenta o perdão oferecido por Cristo Jesus Cristo e deixa o pecado, recebe a graça da salvação e da santificação de sua alma e passa a viver desde já como um filho de Deus.

Então, o que é um ser sem pecado? É o Ser perdoado por Deus e que permanece em estado puro, sem mácula; é o ser em plena posse da graça santificante do Senhor; é aquele que nasceu da água e do Espírito Santo pelo batismo e vive nesse estado de graça permanente, isto é, em plena comunhão com a vontade de Deus, praticando aquilo que é próprio aos filhos e filhas consagrados e destinados ao Reino dos Céus. Como nos ensinou São Paulo: “De agora em diante, pois, já não há nenhuma condenação para aqueles que estão em Jesus Cristo. A lei do Espírito de Vida me libertou, em Jesus Cristo, da lei do pecado e da morte”. (Rom 8,1-2).

Portanto, cabe a cada um de nós que somos batizados, a vivência do nosso batismo, isto é, a vivência de todas as virtudes eternas que estão em nossas almas e que dão os frutos de nossa permanência em Cristo Jesus, como ele mesmo nos ensinou: “Eu sou a videira verdadeira, e meu Pai é o agricultor. Todo ramo que não der fruto em mim, ele o cortará; e podará todo o que der fruto, para que produza mais fruto. Vós já estais puros pela palavra que vos tenho anunciado. Permanecei em mim e eu permanecerei em vós. O ramo não pode dar fruto por si mesmo, se não permanecer na videira. Assim também vós: não podeis tampouco dar fruto, se não permanecerdes em mim.

Eu sou a videira; vós, os ramos. Quem permanecer em mim e eu nele, esse dá muito fruto; porque sem mim nada podeis fazer. Se alguém não permanecer em mim será lançado fora, como o ramo. Ele secará e hão de ajuntá-lo e lançá-lo ao fogo, e queimar-se-á. Se permanecerdes em mim, e as minhas palavras permanecerem em vós, pedireis tudo o que quiserdes e vos será feito. Nisto é glorificado meu Pai, para que deis muito fruto e vos torneis meus discípulos”. (Jo15,1-8).

Com toda certeza, Maria Santíssima mãe de Jesus e nossa mãe, é esse ser sem pecado, ela é imaculada por excelência, porque dela nasceu o Filho de Deus, gerado pelo Espírito Santo. Por isso, em vista de sua maternidade divina não conheceu pecado algum, pois vivia tão unida ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo, que nenhuma sobra de pecado pairou sobre ela. Dos seres humanos ainda em vida, Maria Santíssima é a primeira redimida e assim permaneceu todos os dias de sua vida, por isso, Deus a elevou aos céus em corpo e alma, por não conhecer corrupção alguma. (cf. At 2,31). Assim também todo aquele que nasceu de Deus e permanece em Cristo não peca (cf. 1Jo 3,5-6), pode até cair em pecado se assim decidir, mas se permanecer em estado de graça, viverá conforme a santidade que lhe comunica o Senhor na eucaristia.

Paz e Bem!

Frei Fernando Maria, OFMConv.


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quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

AS INVOCAÇÕES DA LADAINHA DE NOSSA SENHORA (XXII)



AS INVOCAÇÕES DA LADAINHA DE NOSSA SENHORA (XXII)


Consoladora dos aflitos

De fato, por causa dos pecados praticados neste mundo, somos constantemente açoitados e massacrados pelos mais terríveis flagelos que a humanidade talvez jamais tenha conhecido em tamanha proporção: guerras, fome, tsunamis, doenças incuráveis, famílias destroçadas, violência desenfreada; o flagelo das drogas e toda espécie de maldades, que ficamos pasmos ao ver ou ouvir tais relatos, a ponto de nos causarem asco e medonho pavor.

Todavia, somos observados constantemente por Deus que se faz presente e cuida de nós. Ele conhece todos os desafios existenciais e aflições que passamos, sabe também como nos dar alento e nos fortalecer em nossa fé, para vencermos o mal que se alastra neste mundo. Por isso, como Pai amoroso que é, nos deu uma mãe consoladora que nos consola em todas as aflições com sua santa interseção, para nos livrar das tentações e perseguições de toda espécie que o mundo se nos impõe, tentando nos desestabilizar e nos afastar da graça da salvação.

Quando do caminho da cruz, Maria foi a primeira a consolar o seu Filho amado em sua dor; já bem antes, quando da perseguição do menino Jesus por Herodes, a Virgem mãe lhe aconchegou em seus braços, livrando-o do medo e da morte que o infeliz tirano queria causar-lhe; também nas bodas de Canaã, Maria interviu e a aflição daquela família deu lugar ao vinho novo da alegria, que se lhe veio pelo milagre realizado por Jesus. Assim também nós, toda vez que recorremos à nossa mãe amada em nossas aflições, somos prontamente atendidos e consolados. Maria Santíssima, sabe muito bem como nos consolar, pois também ela sofreu a aflição da perca do seu Filho Jesus por três dias quando da visita anual ao Templo e também quando de sua morte na cruz. Ó Maria, consoladora dos aflitos, consolai-nos ó Mãe neste vale de lágrimas!

Auxílio dos cristãos

Com efeito, Jesus nos ensinou: “Tudo é possível ao que crê”. (Mc 9,23b), ele disse isso a um pai que lhe pedia a cura de seu filho, ao que o pai respondeu: “Eu creio, Senhor! Mas vem em socorro à minha falta de fé!” (Mc 9,24b). De fato, os homens usam o poder que têm, mas diante de certas circunstâncias se veem impotentes e logo recorrem a alguém que os ajude, para que possam vencer suas impotências ou incapacidades. Também nós que acreditamos, em certos momentos, nos vemos diante de fatos ou circunstâncias que nos levam a recorrer ao poder da fé, mas, às vezes, ficamos com que impotentes ou paralisados sem solução alguma, e por isso precisamos de um auxílio salvador que nos ajude. Ora, Deus em seu infinito amor, nos dá, na mãe de Jesus e nossa mãe, um auxílio perfeito para nos ajudar a vencer todos os obstáculos circunstanciais com os quais nos deparamos ao longo de nosso viver, ou no caminho de nosso calvário.

Antes de rezarmos o santo terço, normalmente fazemos a seguinte oração: “Debaixo de vossa proteção nos refugiamos, ó Santa mãe de Deus. Não desprezeis nossas súplicas em nossas necessidades, mais livrai-nos sempre de todos os perigos, ó Virgem gloriosa e bendita. Senhora nossa, Advogada nossa, Medianeira nossa! Com vosso Filho nos reconciliai, ao vosso Filho nos recomendai, ao vosso Filho nos apresentai! Amém”. Aqui se percebe claramente quão maravilhosa é a nossa devoção à Santa Mãe de Deus e como somos amados por nosso Pai Celeste. Ó Maria, auxílio dos cristãos, rogai por nós que recorremos a vós e nos alcançai do Senhor os auxílios necessários para a nossa salvação!

Paz e Bem!

Frei Fernando Maria, OFMConv.


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sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

INSATISFAÇÃO, VAZIO EXISTENCIAL, MELANCOLIA, QUAIS SÃO AS CAUSAS?




INSATISFAÇÃO, VAZIO EXISTENCIAL, MELANCOLIA, QUAIS SÃO AS CAUSAS?


Para muitos esse nosso tempo é um tempo de pavor e trevas, pois sua vida, seu passado, suas memórias, lhes trazem histórias de abuso sexual, tragédias familiares, violências, degradação dos valores humanos e religiosos, falta de bens necessários para a sobrevivência; ou consumismo exagerado por parte dos mais abastados; uma vida de vícios e contra tempos, desemprego, bullyning e outros tormentos, como traumas pela ausência do pai ou da mãe, maus tratos, etc. Enfim, uma somatória de desordens existenciais que os torna indivíduos perdidos num mundo repleto de frenesi e outros desvios comportamentais, capazes de escândalos e traumas sem proporção.

Ora, somos obras perfeitas das mãos de Deus, criados em Jesus Cristo, para as boas ações que Deus preparou de antemão para que nós as praticássemos (cf. Ef 2,8-10). E tudo isso conforme as leis do Senhor escritas em nossas almas, pois Deus imprimiu seu código santo em nossa vida, como também está impresso o código genético em nossos corpos. Porém, toda essa grandeza divina que se faz presente em nós, pode se perder caso não cultivemos as virtudes eternas que o Senhor nos concedeu em seu amor.

De fato, só tem uma coisa que nos pode levar a essa perda, é o famigerado pecado, que consiste no desligamento de Deus, porque em Deus não há pecado e nem mesmo sombra de instabilidade (cf. Tiag 1,13). Cabe a nós vivermos em comunhão com Ele pela ação do Espírito Santo, presente na alma de todo batizado; ou ainda pela fé mesmo que seja natural, que leva o homem ao encontro com Cristo Jesus, nosso Senhor, que cura, salva e faz feliz todo ser humano que o encontra e nele permanece.

Então, eis a pergunta que não quer calar, por que vivemos num mundo de tantos conflitos e confusões? Porque os homens tornaram-se inimigos de si mesmos por causa dos bens materiais, que geram conflitos raciais, religiosos, ditatoriais; por causa da corrupção e outras condutas perversas que geram revolta contra Deus e o seu Cristo; por causa dos terríveis efeitos dos pecados que tem destruído milhões vidas; por causa da impunidade tamanha; por causa da maldade que é tanta; por causa dos pecados contra a natureza; por causa da rudeza de tantos corações.

O resultado é esse mundo repleto de indivíduos mal amados, frustrados, deprimidos, endemoniados; onde suas ações revelam não só a face tenebrosa da maldade, mas o próprio mal agindo por meio deles. Eis as causas de tanto sofrimento e desespero na face da terra, que se encaminha à passos largos para o caos definitivo. Guerras, fome, peste, aquecimento global, catástrofes naturais; loucura generalizada, etc. Sem contar tantas outras práticas abomináveis, com a conivência dos poderes constituídos (político, jurídico, social), que revelam a intolerância e a incapacidade humana para resolver os problemas criados por todos que se dão a essas práticas. E assim, segue este mundo como um barco perdido em alto mar dominado por ondas revoltas, singrando sem rumo certo, prestes a afundar.

De fato, a tudo e a todos foi um tempo, que aliás, enquanto vida natural tivermos, Deus renova esse tempo todos os dias sem nunca deixar de fazê-lo. Todavia, existe o fim desse tempo e ele se cumprirá sem dúvida alguma. Ora, vemos esse fim acontecer nas coisas da vida e no viver dos outros, certamente um dia chegará a nossa vez e veremos isso acontecer conosco, mas será que estaremos preparados? Boa pergunta que requer uma boa resposta, caso contrário, é sinal de que não estamos correspondendo a tudo o que Deus tem nos dado, ao longo de nossa vida.

Com efeito, assim escreveu São Paulo: “Vigiai, pois, com cuidado sobre a vossa conduta: que ela não seja conduta de insensatos, mas de sábios que aproveitam ciosamente o tempo, pois os dias são maus. Não sejais imprudentes, mas procurai compreender qual seja a vontade de Deus. Outrora éreis trevas, mas agora sois luz no Senhor: comportai-vos como verdadeiras luzes. Ora, o fruto da luz é bondade, justiça e verdade. [Por isso], Procurai o que é agradável ao Senhor, e não tenhais cumplicidade nas obras infrutíferas das trevas; pelo contrário, condenai-as abertamente. Porque as coisas que tais homens fazem ocultamente é vergonhoso até falar delas. Mas tudo isto, ao ser reprovado, torna-se manifesto pela luz. E tudo o que se manifesta deste modo torna-se luz. Por isto (a Escritura) diz: Desperta, tu que dormes! Levanta-te dentre os mortos e Cristo te iluminará (Is 26,19; 60,1)!” (Ef 5,15-17; 8-14).

Paz e Bem!

Frei Fernando Maria,OFMConv.



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