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sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Boaventura



No seu pensamento Boaventura é acentuadamente conservador: "Assim como no primeiro livro me ative às Sentenças e às opiniões comuns dos mestres, principalmente do Mestre e Pai de respeitosa memória, do Frei Alexandre, assim também nos livros seguintes, … pois não tenho a intenção de oferecer novas concepções, mas a de conservar e valorizar as tradicionais." Sob este aspecto é tido como o representante clássico da velha tradição agostiniana. Já a conhecemos e por isso vamos nos limitar aos traços capitais da imagem onde ela, com Boaventura, se espalha.


Deus

Como para Agostinho, também para Boaventura Deus é a pedra angular da sua filosofia. Ao passo que para Tomás o ser é a idéia mais geral e o que primeiro conhecemos, para Boaventura o primum cognitum é Deus. Descobrimo-lo em nossa alma e por isso logo nela o reconhecemos, pois nela está ele mais presente que alhures: Ergo inseria est ipsi animae notitia Dei sui. Em particular, ele é a verdade, que nos deixa descobrir Deus em nós mesmos, e a verdade na sua imutabilidade. O mesmo se diga da experiência do bem, que sempre pressupõe um bem supremo onde Deus se revela. Boaventura também aceita a prova anselmiana de Deus; mas também a prova aposteriori que, da natureza, conclui Deus. Mas da sua preferência é o conhecimento intuitivo apriori de Deus na experiência que a alma tem de si mesmo e dos seus atos. A natureza de Deus é o ser, vida, poder, verdade, plenitude de idéias eternas.


O mundo

De Deus procede também o mundo; Deus o cria, mas não por una criação eterna, esta parecendo a Boaventura contraditória em si mesma. Sempre e naturalmente a criatura é sombra, imagem e vestígio de Deus (exem-plarismus). Todo ser criado é por força composto de essência e existência, matéria e forma. Na terminologia dessa doutrina Boaventura é claramente influenciado por Avencebrol, embora se exprima como um agostiniano. Boaventura admite a pluralidade de formas num mesmo ser. Há, certo, para cada ser particular uma forma completa; mas com essa forma totalizante coexistem outras formas inferiores tanto no homem como em geral no reino orgânico e no inorgânico. A idéia de matéria-prima não significa para Boaventura total indeterminação e simples possibilidade, mas encerra as virtudes germinativas (rationes seminales), que implicam numa certa causalidade interna. E assim tudo o que procede da matéria não deve atribuir-se somente à ação de uma causalidade externa e da forma. A forma da corporeidade Boaventura a encontra na luz. Serve-se ele aqui também da terminologia aristotélica, entendendo-a porém no sentido da metafísica da luz, como já o vimos com Grosseteste.


A alma

Também na doutrina da alma sente-se a influencia de Aristóteles.


O conhecimento

Na questão do conhecimento do mundo material, Boa ventura concede que nós haurimos a ciência por abstração da experiência sensível. Isso, é claro, só imediatamente e, por assim dizer, no concernente ao ponto de partida; pois o espírito precisa unir-se com as idéias eternas, quando se trata de apreender verdades puras e, em todo caso, no atinente à metafísica de Deus e da alma bem como as verdades puras da experiência da natureza. "Pois as cousas — diz ele — têm tríplice ser: o existente no espírito que conhece, na sua própria realidade e no espírito eterno. Por isso não basta à nossa alma, para ter uma ciência certa, a verdade das cousas em si mesmas, nem a verdade destas na sua realidade própria, porque em ambos os casos essa verdade é sempre mutável. Daí vem o precisar buscar ele o seu fundamento na ciência divina" (De scientia Christi, q. 4; concl.: Opera omnia, V, pg. 23 Quaracchi). Vemos assim imediatamente a conexão deste modo de pensar com a doutrina da iluminação agostiniana. Mas não está bem claro se Boaventura pensa numa influência funcional do ato do conhecimento por parte de Deus, ou se quer simplesmente dizer que qualquer verdade certa, exatamente pelo que o seu conteúdo tem de verdadeiro, última e imediatamente, em virtude de uma intuição da essência, surge luminosa para o espírito por uma espécie de análise. Seja como for, em cada caso particular a verdade, para Boaventura, se apóia em fundamentos apriori, pois a sensibilidade é apenas o ponto de partida do conhecimento. Assim o exige também o seu exemplarismo. O verdadeiro mundo, assim para Boaventura, como para Agostinho e Platão, é o mundo das idéias primeiras e eternas.

Faculdades da alma

Na questão das relações entre as faculdades da alma e a substância da mesma, Boaventura é prudente. Não aceita a distinção real dos tomistas; mas também não se pronuncia por uma identidade formal, mas vê nelas algo como um constitutivo formal.


Corpo e alma

Na questão das relações entre o corpo e a alma gravita Boaventura na direção de uma maior auto-subsistência e independência da alma. Não é pela doutrina tomista da unio substantialis; o corpo tem sua forma própria (a luz), mas o homem é susceptível além disso de uma série de formas e a alma mesmo é composta de matéria e forma. Contudo a alma age para com o corpo como uma determinante que superforma e totaliza tudo.

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