Exatamente quando a Igreja aparecia no auge de seu esplendor e o poder papal atingia sua maior extensão, na Europa se intensifica e multiplica o surgimento de heresias, de movimentos religiosos contestadores.
Suas características: serem contra o sacerdócio, negarem os sacramentos e o sacrifício eucarístico. Afirmavam também a inutilidade das obras exteriores.
Tinham aversão aos poderes religiosos e sacramentais dos sacerdotes e afirmavam uma comunidade cristã igualitária, sem organização hierárquica e sem diferença entre clérigos e leigos.
A uma vida religiosa, fundamentada mecanicamente nos sacramentos, afirmavam que “só a vida salva”.
Contra uma Igreja triunfante, rica, política, propõem uma Igreja fundada exclusivamente no Evangelho da pobreza e da oração. No fundo, o que anima o coração do herege não é a maldade e o erro, mas o desejo de uma Igreja pura. O herege, apesar de todas as suas contradições, não quer destruir a Igreja: quer reformá-la.
Para estudarmos a situação, citaremos três modalidades de anseio religioso:
- os cátaros ou albigenses (dualistas);
- os valdenses evangélicos anti-sacramentais;
- as ordens mendicantes, dominicanos e franciscanos.
- os valdenses evangélicos anti-sacramentais;
- as ordens mendicantes, dominicanos e franciscanos.
As duas primeiras se opõem à Igreja, enquanto os mendicantes reformam a vida cristã permanecendo dentro dela.
OS CÁTAROS OU ALBIGENSES
A heresia dos cátaros (= puros) parece ter origem nos Balcãs (Bulgária), e é um resíduo do antigo maniqueísmo, que via tudo em chave dualista: espírito-matéria, bem-mal.
O catarismo era estranho a toda evolução da sociedade européia e previa sua dissolução, pois negava o trabalho manual, o exército, o matrimônio, a hierarquia civil e eclesiástica e a propriedade privada.
Condenando a matéria como má, se opunha a todos os sacramentos, especialmente à Eucaristia; negavam a encarnação, a ressurreição e opunham o Antigo ao Novo Testamento. Seu único sacramento era o Consolamentum: imposição das mãos por um membro mais perfeito.
Os cátaros possuíam uma sólida organização interna, com verdadeira e própria hierarquia. Pelo ano 1150, tinham-se difundido largamente no sul da França. Suas doutrinas, apesar de estranhas, exerciam um certo fascínio pela sua pobreza e modéstia, sendo uma crítica feroz à riqueza e poder da Igreja e à mundanização de certos bispos e sacerdotes.
A Igreja os combateu duramente, organizando contra eles expedições militares e enviando-lhes pregadores. Não eram esses os meios adequados para combatê-los, mas foram destruídos, restando apenas alguns representantes no século XIV.
VALDENSES OU POBRES DE LIÃO
Pedro de Vaux, rico comerciante de Lião, querendo atingir o estado de perfeição cristã, em 1173 distribuiu seus bens aos pobres e propôs-se, como ideal de vida, peregrinar pregando a penitência e levando uma vida de pobreza apostólica (cf. Mt 10,9ss). Em vista disso, reuniu homens e mulheres levados pelo mesmo ideal e enviou-os dois a dois a pregar a penitência. Objetivo: retornar à Igreja apostólica pobre, seguindo sempre a Escritura.
Eram os pobres de Lião, que se sentiam como ovelhas entre lobos. Mas, este estilo de vida e pregação era um desafio silencioso ao mundo cristão e, em primeiro lugar, à hierarquia e às abadias. Infelizmente, faltava-lhes uma instrução maior para a pregação que, aliás, estava proibida aos leigos pelo Concílio de 1179. Surge o desencontro entre os representantes da “vida apostólica” e os representantes do ministério apostólico. Cada um assume posições mais duras e o desencontro é fatal.
Os valdenses passam a admitir apenas os sacramentos do batismo, da ceia e da penitência. Rejeitam o ministério ordenado. Sua eclesiologia é mais carismática do que institucional, mas se sentiam ligados aos Apóstolos. Não havendo acordo, são excomungados em 1184 pelo papa Lúcio III, muitos deles sofrendo a morte pela fogueira. O movimento de Pedro de Vaux mostra, pela primeira vez na Idade Média, o desejo de uma Igreja com laicato participante, combatendo o vitorioso clericalismo.
AS ORDENS MENDICANTES:
FRANCISCANOS E DOMINICANOS
O século XII, ao mesmo tempo em que assiste ao surgimento de movimentos heréticos, vê crescer no seio eclesial novas e renovadas ordens religiosas. As ordens mendicantes representam algo totalmente novo na série das ordens religiosas. Elas obrigam os frades e os conventos a uma severíssima pobreza, limitando-lhes as posses ao mínimo necessário. Devem receber o sustento através do trabalho manual e nunca ter contato com o dinheiro.
Dedicavam-se à penitência e à pregação, especialmente ao confessionário. Permaneciam no mundo e nele agiam. Numa época de clero rico, descomprometido, retomando a imitação de Cristo, os mendicantes injetam novas correntes vitais na cristandade. A Ordem Terceira representa uma característica importante entre as ordens mendicantes, já que a espiritualidade mendicante é levada à vida matrimonial e profissional.
Esses irmãos da penitência permaneciam na família, mas vivendo sob certas regras, algumas revolucionando a sociedade: não podiam levar armas nem fazer guerra, quem tivesse riqueza ou terra roubadas deveria devolvê-las, manter uma caixa de socorro aos pobres, etc. Era a vida religiosa fermentando vigorosamente a sociedade medieval. Os franciscanos formam a primeira grande ordem mendicante.
Francisco de Assis (+1226) é o representante mais célebre do ideal da imitação de Jesus na vivência da pobreza. Sua espiritualidade está atenta à pessoa de Jesus, também nos sofrimentos. Vivendo a pobreza, critica a riqueza, mas não a Igreja, tanto que recebe a aprovação papal. Centros de sua vivência espiritual são o mistério da encarnação (cf. o presépio de Grécio,1223) e a Eucaristia. Francisco é o cantor da criação, o cantor de todas as criaturas. Tudo lhe revela a presença e a glória de Deus. É um irmão universal.
Em 1300, os franciscanos constituíam 1400 comunidades e 35 mil membros. Clara de Assis (+1253) trouxe a vida franciscana para o mundo feminino, fundando a Ordem das Clarissas, que vivem o ideal da pobreza na vida contemplativa.
Domingos de Gusmão. Se Francisco quis ser seguido por irmãos de penitência, pregadores sem muita formação, Domingos de Gusmão (+1221) funda uma nova ordem mendicante, os dominicanos, mas constituída de pregadores, homens preparados para converter hereges.
Na comunidade dominicana o estudo tem importância fundamental.Em 1300, existiam 600 comunidades e mais de 12 mil membros. Além dessas ordens, devemos citar as dos carmelitas, agostinianos, cônegos regulares, premonstratenses, cistercienses.... Na grande crise espiritual por que passa a Igreja, o espírito da renovação vem de um novo estilo de vida religiosa.
MENDICANTES E INQUISIÇÃO
A Inquisição veio combater todas as formas de heresia e de contestação institucional. Mas conseguiu pouco. A grande obra de conversão foi realizada pelos mendicantes: eles viviam na Igreja o ideal da simplicidade, da pobreza e da piedade evangélicas e o colocavam ao alcance de todos.
Pe. José Artulino Besen
Prof. de História no ITESC
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