Frei Almir Ribeiro Guimarães,OFM (*)Os franciscanos gostam sempre de evocar o começo de tudo na história de Francisco. Francisco, nos inícios de sua aventura espiritual,deixou as coisas do mundo depois de encontrar-se com o farrapo humano chamado leproso.
1. Ele, esse Francisco, originário da cidade de Assis, esse italiano da verdejante região da Úmbria, experimentara em seu peito um desejo de plenitude. Não tinha sido feito para as coisas medíocres. Não havia nascido para a mesmice e a mediocridade, para a banalidade e a rotina. Num determinado momento do processo de transformação que o jovem Francisco experimentava em seu coração seus amigos de folguedo estranharam uma certa sisudez. A Legenda dos Três Companheiros apresenta alguns pormenores a respeito da mudança de vida de Francisco. O texto afirma que seus amigos saíram de casa, iam à frente cantando pelas ruas da cidade. Estranharam que Francisco, que era um líder do grupo, fosse simplesmente atrás segurando um bastão: “Não ia cantando, mas meditando com atenção. E, de repente, o Senhor o visitou e seu coração ficou repleto de tanta doçura que não podia nem falar, nem se mexer, e era incapaz de sentir ou de ouvir outra coisa, a não ser aquela doçura que tal modo o alienava do sentido carnal, que,ele mesmo disse depois, mesmo se naquele momento fosse cortado em pedaços, não poderia mover-se daquele lugar (n.7). Os companheiros olharam para trás e o viram transformado.
Perguntaram-lhe: “Em que estás pensando? Por que não nos segues? Por acaso pensar em casar-te?” E Francisco respondeu-lhes: “Dissestes a verdade, eu estava pensando em escolher uma esposa, a mais nobre, a mais rica, a mais bela que jamais vistes”. Os seus amigos não fizeram conta do que falava. “Francisco disse isso não por si mesmo, mas inspirado por Deus; pois essa esposa era a verdadeira religião que abraçou, mais nobre, mais rica e mais bela que as outras por causa da pobreza” (n.8).
2. Assim, as coisas iam mudando no fundo do coração desse jovem da Úmbria que, mais tarde, viria a se tornar cópia viva de Cristo, o Cristo redivivo. Foi sendo atraído pela figura do Mestre, que seduzia por seu despojamento, que encantava pela singeleza pobre de seu nascimento e de sua morte, figura gloriosa e doloridamente chagada. Cristo Jesus, o Filho do Altíssimo e o Filho da Virgem pobrezinha, da paupercula iria aos poucos se manifestando a Francisco e ocupar todo o espaço de seu interior..
3. Como, de fato, tudo começou? Francisco responderá a esta pergunta mais tarde, nas primeiras linhas de seu Testamento. Foi assim: “Como estivesse em pecado, parecia-me deveras insuportável olhar para leprosos. E o Senhor mesmo me conduziu entre eles. Enquanto me retirava deles o que antes me parecia amargo, se me converteu em doçura da alma e do corpo. E depois disto demorei só bem pouco tempo e abandonei o mundo” (Testamento 1-3).
4. Dentro do coração do jovem Francisco uma dupla experiência: experiência de um vazio interior experiência da indigência e da pobreza manifestada na carne e no semblante do leproso. Francisco fala em deixar o mundo da vaidade, da posse, da busca do poder, do fascínio pelos bens e pelo dinheiro, da vontade de aparecer e dominar. Francisco experimenta uma doçura diferente quando Cristo aparece em sua intimidade e brada e berra na vida e na história do leproso. Depois dessa experiência começava para Francisco uma nova vida que ele chamaria de vida de penitência, caminho de júbilo e de felicidade. Mais tarde, bem mais tarde, quando a irmã [morte] já não estava tão distante, haveria ainda de exprimir a saudade daqueles tempos: “Queria voltar a servir os leprosos e a ser desprezado como nos primeiros tempos. Queria fugir do convívio das pessoas e ir para lugares mais afastados, para se livrar de todos os cuidados e preocupações com outras coisas” (1Celano 103).
5.Tudo começou com o encontro e a acolhida do leproso, do que é doído, pequeno, insignificante e desprezado. Esse leproso que antes causava repugnância a Francisco passou a ser o símbolo do começo de uma vida esplendorosa e luminosa. O doce se transformou em amargo e o amargo, em doce. Em nossos dias, em nossa sociedade de consumo, de aparências, de vazio há homens e mulheres, rapazes e moças fazendo a experiência de viver e conviver com os mais excluídos da face da terra. Há esse rapaz, esse estagiário de medicina que acompanha os idosos de um miserável asilo de trapos humanos envelhecidos e abandonados. Há essa moça que visita presídios femininos e dá cursos para as encarceradas. Há pessoas fazendo hoje a experiência do amargor que se torna doçura.
Frei Almir Ribeiro Guimarães, OFM, é Assistente Nacional da OFS pela OFM e Assistente Regional da OFM na Região Sudeste II
Extraído de http://www.franciscanos.org.br/noticias/noticias_especiais/2008/almir_070808/artigos_02.php acesso em 7 set. 2008.
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