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quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Entrevista com Frei Fernando Uribe, OFM

O Master em Evangelização e Missão, promovido pelo ITF neste ano, apresenta algumas características próprias. Entre elas, destaca-se o fato de reunir em sala de aula um grupo eclético, formado por frades e religiosos de diferentes países da América Latina. São pessoas com experiências e culturas diversas, que se reúnem com objetivo de pensar o exercício da Evangelização em suas diferentes possibilidades.

Aproveitando a riqueza deste grupo tão diverso, o site Franciscanos, em parceria com o ITF, apresenta, a partir desta semana, uma série de entrevistas com os participantes do curso. Além de abrir novos horizontes aos leitores, este trabalho também tem o objetivo de fomentar nos internautas a curiosidade em torno do tema da Evangelização e, quem sabe, arrebanhar novos candidatos para a participação nesta iniciativa pioneira do ITF: o Master em Evangelização e Missão.

“Os períodos mais gloriosos da história da Ordem ocorreram quando ela esteve mais próxima dos pobres”

Entrevista com
Frei
Fernando Uribe, OFM

Por Frei Gustavo Medella, OFM

Ele é discípulo de Frei Caetano Esser, OFM, considerado por muitos o maior Franciscanólogo do século XX. Frei Fernando Uribe, OFM, atualmente é professor da Pontifícia Universidade Antonianum (PUA), em Roma e, a exemplo de seu professor e orientador, se dedica ao estudo sistemático e profundo das chamadas Fontes Franciscanas. Ele nasceu em Medellín, Colômbia, no dia 13 de agosto de 1939. Vem de uma família de nove filhos e pertence à Província Franciscana São Paulo Apóstolo. Já publicou grande número de livros e artigos, traduzidos em vários idiomas, sempre abordando com precisão e propriedade temáticas diversas relativas ao escritos e biografias de São Francisco.
Neste ano, Frei Fernando veio ao ITF, em Petrópolis, para lecionar aos alunos do
Curso Master em Evangelização, em uma semana de estudos intensivos, entre os dias 31 de agosto e 05 de setembro. No intervalo entre os turnos de aula, concedeu esta entrevista a nosso site, na qual comenta sobre o jubileu de 800 anos da Ordem dos Frades Menores, suas últimas pesquisas, a experiência no curso Master em Petrópolis e outros assuntos.

Site do ITF - Nestes 800 anos de história da Ordem dos Frades Menores, quais seriam três principais aspectos da contribuição franciscana para a evangelização na Igreja?

Frei Fernando Uribe - Eu diria que a principal contribuição da evangelização franciscana foi ter aproximado o Evangelho do povo pobre. Creio que em síntese se pode falar assim. E seguramente os períodos mais gloriosos da Ordem nestes 800 anos foram aqueles em que houve maior aproximação com o povo pobre, porque esta é uma característica própria do carisma franciscano: a proximidade com o pobre. Isto ocorre porque a opção cristológica de Francisco de Assis privilegia os mistérios da Encarnação e da Paixão, dimensões que encontram uma expressão muito forte no povo que sofre a pobreza e a miséria. Quando o franciscanismo se aproxima deste povo, oferece a ele um motivo de fé e esperança. Estou convencido de que esta é a principal contribuição no decorrer da história.

O segundo aspecto é a importante contribuição do franciscanismo no campo da reflexão teológica e filosófica. Desde pouco tempo depois da morte de São Francisco, o franciscanismo chega às universidades, tanto em Paris, como em Oxford, e Colônia, entre outras, e surgem as grandes figuras do pensamento franciscano, tanto no campo da Filosofia quanto na Teologia, e também nas Ciências e nas Artes, porque o pensamento e a ação franciscana são muito plurais e diversificados. Esta qualificação do pensamento franciscano oferece também um importante apoio na missão junto ao povo pobre, porque trabalhar com os pobres não significa ser ignorante. Pelo contrário, é uma atividade que exige muita preparação intelectual para adequar os postulados evangélicos às exigências que vêm do povo. Isto requer um esforço muito grande, e só à medida que o pensamento se torna claro é que esta tradução se torna adequada.

Outra contribuição que vale a pena ressaltar é com relação à missão no sentido estrito, especialmente as assim chamadas “missões entre os infiéis” (esta terminologia é de uso do próprio São Francisco em seus escritos). Esta atuação se deu tanto no âmbito muçulmano quanto no âmbito latino-americano, no contexto do descobrimento do “Novo Mundo”, e também na África e na Ásia. Neste campo, o franciscanismo sempre esteve na primeira fila, abrindo novos caminhos para a Igreja.

Site do ITF - O Ministro Geral, Frei José Rodriguéz Carballo, vem insistido muito para que os frades não “domestiquem o Evangelho”, adequando-o a seus próprios interesses pessoais. O senhor acha que este mesmo erro pode ser cometido com relação às fontes franciscanas?

Frei Fernando Uribe - Eu não sei bem que alcance pode ter a palavra “domesticar”. Eu a compreenderia como “manipular”. Se é neste sentido, eu creio que há este perigo sim. Hoje, mais do que nunca, há a exigência de se tratar cientificamente as fontes franciscanas. Nunca antes como agora as pessoas tiveram tanta facilidade de se aproximar das fontes franciscanas porque, desde o final do século XIX, houve um redescobrimento destas fontes, mas que, até a primeira metade do século XX, estava restrito quase que exclusivamente às elites intelectuais. Mas depois deste período houve uma grande divulgação, de múltiplas formas, como, por exemplo, através da tradução das fontes nas distintas línguas modernas, da criação de meios como revistas, congressos, cursos, institutos, coleções bibliográficas. E a grande preocupação que se tem hoje em dia é de se fazer um manejo adequado, científico, objetivo, destas fontes. Só à medida que se faz uma leitura adequada das fontes, se poderá fazer uma releitura, uma aplicação de seus princípios ao mundo e às exigências do homem e da mulher contemporâneos. Esta atualização é necessária, porque de outra forma as fontes seriam apenas uma arqueologia. É necessário que se combine as duas coisas: o estudo das fontes em sua pureza original, na medida do possível, e sua releitura no mundo de hoje.

Site do ITF - Nos últimos três anos, o tema da refundação da Ordem tem estado em forte evidência. Qual seria o lugar das Fontes Franciscanas neste processo?

Frei Fernando Uribe - Eu creio que elas têm um papel preponderante, iluminador, que, guardadas as devidas proporções, deve ser comparado com o papel que tem a Sagrada Escritura, a Palavra de Deus. Para nós, as Fontes Franciscanas são a continuidade deste papel primeiro da Palavra do Senhor.

Site do ITF - A um jovem interessado em conhecer mais a figura de São Francisco de Assis, e que nunca tenha tido contado com as Fontes Franciscanas, que leitura inicial o senhor indicaria?

Frei Fernando Uribe - Eu recomendaria a Legenda dos Três Companheiros. Ainda que tenha havido com ela alguns problemas críticos, a grande parte deles já foi superada. Esta fonte nasce como uma recuperação de Francisco de Assis, ou seja, da dimensão “assisiense” de Francisco que havia sido tratada de modo diverso pelos biógrafos anteriores. É uma recuperação do jovem Francisco muito bem feita não somente na forma, mas mostra a dimensão humana de um jovem que busca superar-se a si mesmo, através de vários passos. Os encontros de Francisco consigo mesmo, com os pobres, com os leprosos, com o crucificado, com o Evangelho, com os irmãos, estes passos aparecem muito bem descritos nesta legenda. Portanto, eu a recomendaria tanto pelo conteúdo quanto também pela forma.

Site do ITF - Com relação às suas pesquisas atuais, sobre que temas o senhor tem se debruçado mais intensamente?

Frei Fernando Uribe - O último trabalho de investigação que publiquei é um estudo sobre a Regra Bulada, um trabalho que levou algum tempo e ao qual dediquei muito carinho pelo valor do documento em si. Pareceu-me que, depois de algumas posições um tanto críticas e de desconfiança frente este documento, valeria a pena recuperar a confiança e o valor que tem a Regra, que deve ser lida dentro do horizonte hermenêutico do qual faz parte, no contexto dos escritos de São Francisco que se referem à forma de vida dos irmãos. E também devem ser levados em conta outros ambientes hermenêuticos necessários, como o ambiente onde viveu São Francisco, a literatura relacionada à Vida Religiosa, ao movimento religioso na época, etc. Este foi meu último trabalho publicado (Originalmente em espanhol, no final de 2006, traduzido também para o japonês e em processo de tradução para o italiano). Agora mais recentemente, em meus momentos livres, estou trabalhando pouco a pouco as Admoestações de São Francisco, que são um verdadeiro tesouro. Estou descobrindo nelas uma verdadeira joia da espiritualidade de São Francisco e me interesso em redescobrir o valor literal que tem o texto, porque têm saído vários comentários das Admoestações, mas têm sido comentários de cunho predominantemente espiritual, havendo falta de um comentário mais exegético. E a tarefa a mim imposta – vamos ver se consigo cumprir – é fazer um trabalho de leitura exegética destes textos.

Site do ITF - Comente um pouco sobre esta experiência vivida no ITF, em Petrópolis, no Curso Master de Evangelização e Missão.

Frei Fernando Uribe - Diria três coisas: Primeiro: o enfoque do Master me parece muito bom, e o programa oferecido é bastante bom e deve ser ajustado pouco a pouco, à medida que o curso evolui. Segundo: a parte logística me parece estupenda. O Instituto e os frades estão preocupados em oferecer o melhor e creio que todos estão muito contentes com o suporte logístico dos frades e das demais pessoas. Em terceiro lugar, percebo que o grupo deste ano é formado por alunos que vêm da vida, que vêm da ação, ou seja, é um grupo que tem uma preocupação, digamos assim, mais existencial e menos acadêmica com relação à evangelização. É uma preocupação que vem da experiência que cada um deles tem vivido. E, portanto, suponho que os programas, os cursos estão servindo para revisarem sua forma de serviço, sua forma de evangelizar sua maneira de pregar.

Site do ITF - Esta multiplicidade de experiências pode ser considerada uma riqueza?

Frei Fernando Uribe - É muito importante. Eu venho do mundo acadêmico, e tenho que fazer um esforço de atender às exigências deles, que vêm do mundo da prática. Por outro lado, também da parte deles há de haver um empenho em se adaptar a algumas exigências do ambiente acadêmico. Portanto, não posso ter a intenção de formar investigadores, ao menos neste curso. A intenção maior é de formar pastores.

Extraído de http://www.franciscanos.org.br/itf/noticias/2009/047.php acesso em 9 set. 2009.

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