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quinta-feira, 22 de outubro de 2009

3 O caminho franciscano

(ou A ESPIRITUALIDADE FRANCISCANA COMO CAMINHO)

Continuação de http://brasilfranciscano.blogspot.com/2009/10/2-espiritualidade-como-caminho.html

O medieval é um caminhante. Andava o monge, andava o camponês, andava o cavaleiro, andavam as caravanas, o peregrino, o leproso extra-muros, andavam os penitentes... Todos fizeram com o Sagrado, com a eclesiologia de então, com a teologia, com a cultura... um engate de todos os seus passos numa articulação sofrida. Sua errância, sua mobilidade antecipa o humano como eterno peregrino em busca da sua identidade. Passo a passo, atravessou os desafios da vida para buscar a felicidade.

É o tempo das REGRAS de Vida. Abraçar a Regra não é só ter norma de conduta, mas sim indicar as tabuletas do ser. Obedecer para não largar a identidade conquistada (Olhar a Cruz e dizer: "De boa vontade farei!"). O dinamismo do Amor não pára na história; sempre é tempo de construir e reconstruir.

É tempo de Mística: dar um passo para o Mistério; uma experiência extraordinária - É o cumprimento de um caminho de perfeição.

Época de grandes santos, sábios, heróis, mestres e místicos que não se repetem. Não são cópias de ninguém. A mística os fez originais. Francisco encontrou o mundo dos Movimentos Penitenciais, tirou da experiências dos penitentes o que era bom, mas fez um caminho original.

Os penitentes descobriram o Evangelho como livro que podiam ter nas mãos; Francisco descobriu a Palavra que, ao virar a sua vida, entra em seu coração e o coloca em movimento.

Um filósofo quando pensa não é um ser abstrato porque se transforma num pensamento, num pensador. Francisco se fez o Evangelho, transformou a sua vida numa experiência profunda de transcendência. No seu caminho é capaz de dizer: Em mim o Sagrado é tudo. O Todo do tudo - Deus! "Meu Deus é meu Tudo!".

Fez do Evangelho o caminho do aperfeiçoamento humano e isto o aproxima, cada vez mais, de Deus. O aperfeiçoamento veio do seguimento e da imitação. Para ele, Deus, palavra encarnada se encarna também nas coisas. Não é um Deus que cria e se afasta da obra, mas permanece ali comunicando-se com tudo, do sol às estrelas, do mais alto ser do universo aos vermes e relvas. Deus emana nas coisas. Para Francisco, a pedra participa da Divindade. Deus é sem nome e aparece no sussurro do vento. Não só ouviu a Palavra, percebeu que havia um Deus nesta palavra.

Ser peregrino e forasteiro é ir desapegado de tudo, tendo apenas a obediência como bagagem. Ir é obedecer! Francisco descobre que a verdadeira e única obediência é aquela que faz escutar a voz, uma grande voz; compreender sua vontade e segui-la. Obedecer é deixar-se guiar, no caminho.

Obedecer é fazer do caminho uma Revelação. Deixar muito tempo, muito espaço, muitas paradas... para escutar a Inspiração. O caminho obediente sempre exige uma atitude de escuta.

Obedecer é imitar a vida; é imitar o modelo. O caminho de Francisco não é um caminho monástico, é um caminho de pobreza Interior; um sem nada de próprio que respeita tudo.

Quem não obedece a algo muito grande, obedece ao próprio egoísmo.
No caminho obediente, Francisco aprendeu a servir, ser disponível, compreender a partir do comum, fazer nascer Fraternidade. O obediente tem uma iniciativa imediata para o serviço.

A ascese de Francisco não nasceu do sofrimento, mas do Amor que viveu e, por causa deste Amor, foi capaz de sofrer. Abraçou a dor do leproso como um serviço. Para ele, a vida vale muito pelo bem que habita na dor. Abraçou a dor do outro, fazendo da dor um instrumento de vida. Fazer da dor um serviço! A vida é o lugar onde acontece a dor. Ficar duro diante da dor quando a vida parece nos quebrar; ranger os dentes, quando a vida nos range os ossos. Ele fez da dor um processo de maturidade. Ele aprendeu com o AT e NT que a dor e o sofrimento são terapias de Amor. Mas falar de ascese sem estar dentro de um estado de Amor e santificação, não tem sentido.

FRANCISCO APRENDEU COM O CRUCIFIXO DE SÃO DAMIÃO A SER ÍNTEGRO EM TODO DESMORONAMENTO

A cruz, para ele, não é um quadro para ser aceito, mas uma vida para ser alegremente aceita. Fez da Cruz um Caminho de alegria e sacrifício. Esta é a sua ascese = recolher a vida! Ascese só tem sentido quando é exercício de consagração à uma causa.

Francisco não é um místico intocável, voltado só para dentro de si ou longe do mundo real. Sente a dor nos limites humanos. A dor transborda as medidas do humano.

É preciso a valorização da experiência da plenitude da existência.
Existir é experimentar alguém!

Existe o caminho da utopia = voltar a sonhar com este lugar que não existe, mas fazê-lo possível de existir. Numa das cenas do filme "Francesco", de Salvatore Molla e Michelle Soave, a mãe de Francisco diz para seu filho: "Francisco, você sonha com um mundo que não existe!" Sonhar um estado ético, o paraíso da graça, a sociedade absolutamente integrada, a harmonia, o humano reconciliado, a criança bricando com a serpente, a não agressividade, a irmandade, a visão messiânica que prega a união de todas as formas de convivência = o humano e a natureza.

A concretização da utopia de Jesus, que se chama Reino; livres das opressões históricas da doença, da fome, catástrofes, vinganças, ódios, mortes. Que nada ameace ou faça mal; é livrar a criação dos elementos diabólicos.

Fazer a realidade toda: pessoal, social, individual... ser carregada de possibilidades, uma sementeira de forças, de energias, de movimentos históricos que mexa com a cultura, com a arte, com a música.

Sem sonhos há fechamento e esclerose. Temos que mostrar que o mundo que vivemos nao é ideal; mas criar iniciativas de positividade e grandiosidade: "Sou o Arauto do Grande Rei!"

Francisco tem projetos concretos para melhorar a vida: vai ao leproso e o integra. Vai à sociedade e gera fraternidade. Vai ao Cântico das Criaturas e traz o universo empapado de espírito.

Entrega ao povo a leitura do Evangelho, fala com o natural, cria uma vida itinerante, vai onde o povo está, vai onde ninguém quer ir. Não é apenas um contestador, é um Carisma encarnado e provoca em todos a sensação de que o mundo não está perdido.

Propõe uma riqueza humanística, um humano moldado no humano divinizado de Deus. É um fenômeno humano e cristão. Mostra que imitar é seguir, é fazer um caminho de extrema seriedade.

Assume Deus sem cortar vínculos com o profano. Filtra a sua experiência de vida no eixo da procura da "conformitas" com o Filho do Altíssimo.

Faz um caminho de loucura! Que loucura? Ser louco de Deus, ser louco de Amor! O louco não tem nada de errado, tem é excesso de energia. No Oriente, o louco sofre menos que no Ocidente. Aqui, ele é excluído e clinicado. No Oriente, ele é visto como alguém especial. A sociedade cuida dele, respeita porque ele tem uma mistura radical de sábio, doente e criança. Francisco foi considerado louco em Assis e não aceito totalmente no início de sua caminhada. Era um Penitente despojado e livre, um mendigo santo que muito incomodava; ninguém aceita um maltrapilho feliz que fala de Deus com sorriso nos lábios, por isso se apedreja a loucura.

Francisco é um louco que experimenta a vida na sua totalidade. Abraçou o cotidiano e o transcendente. De Assis conseguiu ampliar um horizonte maior. Transfigurou as realidades mais comuns e simples. Temos dois textos das Fontes:

1. Cf. I FIORETTI 10 = "Por que a ti?, por que a ti, por todo mundo corre atrás de ti?". Para Frei Masseo, Francisco foge do comum considerado normal. Não tem nenhuma atração física; na sua pequenez é portador de um cristianismo de sedução.

2. 2 Cel 158: "A maior multidão dos imperfeitos era superada pela virtude de um único santo, porque pelo raio de uma única luz são dissipadas imensas trevas".

Ao examinar o apreço que o mundo tem por Francisco de Assis, vários autores coincidem em pontos comuns: seu caminho espiritual, a virtude evangélica, a pobreza, a humildade, o amor fraterno, a simplicidade e a pequenez, a filiação, a alegria, a liberdade de espírito, a disponibilidade, o cavaleirismo, a nobreza, o modo de cuidar dos pobres, o jeito de estar junto com os pequenos, com a mulher, com os pecadores, com as plantas, com os animais, o modo radical de viver o Evangelho, mas um modo não fundamentalista como alguns de seu tempo (Valdenses, Cátaros, Umiliati). Ele não é um fanático inovador que se apega a esta ou aquela letra; ele abraça o Evangelho todo. Assim se opôs aos hereges de seu tempo. Cada herege tem sua letra e deixa de lado questões essenciais. Francisco devolve para a eclesiologia de seu tempo a verdade completa do Evangelho.

Para ele, a letra mata, o Espírito dá vida. Não quer a espiritualidade dos que domesticam o Evangelho e pronunciam com facilidade o nome de Jesus. Para Francisco é melhor viver o Evangelho curando feridas de leprosos do que apenas lendo e meditando o breviário ou o Evangelho. (cf. 2 Cel 91, 2 Cel 67).

Francisco humanizou a letra do Evangelho. Segue o Jesus da Boa Nova de um modo encarnado, visível, audível, amável, sensível, palpável.

Ele é o homem do um e outro, da união, da unificação, do todo, do universo e da formiga. Ele vive de um modo único a plenitude de Deus, a plenitude do humano e da criação; este é o seu jeito único e íntimo. Deus é para ele Altíssimo, incomensurável, grandioso, íntimo e companheiro, presente e operante, Bom, Todo Bem, doador de toda bondade (Rnb 23).

Para expressar isto, abraça todas as formas de união amorosa: pai, mãe, irmão, irmã, esposo, esposa, noivo, noiva, amigo (Carta aos Fiéis, 48-60) e o seu conhecido Cântico das Criaturas e Bilhete a Frei Leão.

Procura um amor fraterno que supera o jeito de mãe e filho (1Cel 36; 82 e 2Cel 167).

Extraído de http://www.franciscanos.org.br/v3/vidacrista/artigos/vitorio/virtudes_191009/04.php acesso em 22 out. 2009.

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