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terça-feira, 8 de novembro de 2011

Frutos do Espírito Santo


Frei Vitório Mazzuco, OFM*
    Falemos dos Frutos do Espírito Santo. Os Frutos são a visibilidade da semente. As virtudes nos levam primeiro a amadurecer e florescer por dentro, esta fecundidade salta para fora e tem seus frutos. É a colheita de um paciente cultivo; o que cada um tem feito e semeado com tudo o que a vida tem feito e ofertado na caminhada. Frutos são a transformação do natural; frutos são o cultivo do melhor. É melhor passar fome do que comer qualquer coisa. Vida verdadeira, profissão verdadeira, religião verdadeira é quando se faz uma  viagem de cultivo e transformação. Temos que trabalhar com a semente interna que somos; assim ela pode crescer a tais alturas que o mundo do vazio e do sem sentido deixa de existir.

    Na tradição cristã a inspiração dos  Frutos do Espírito Santo  vem da Carta de São Paulo aos Gálatas, capítulo 5, versículos 13 a 26. Anselm Grun diz: “ O apóstolo Paulo nos mostra  a fonte do Espírito Santo que fertiliza a nossa vida a partir dos frutos do espírito divino que ele apresenta na carta aos Gálatas. Paulo compreende o Espírito Santo como  uma fonte da qual nascem vários frutos.  Trata-se, em última instância, de virtudes que ele assume segundo a ética da filosofia grega(...).Podemos compreender estas virtudes como fontes das quais podemos nos abastecer porque nos ajudam a enfrentar a nossa vida. Quando tomamos consciência de tais valores, estes conferem valor a nossa vida. Em latim se fala das  virtutes , ou seja, forças ou fontes de força das quais nos abastecemos para vivermos bem. Essas virtudes nos conectam com o potencial da nossa alma, potencial este que está à nossa disposição para realizarmos a nossa vida . O objetivo de Paulo é que nossa vida tenha êxito.E ao mesmo tempo considera importante o Espírito Santo causar efeitos visíveis em nós. Podemos conhecê-los através de seus frutos. Mas o fruto do Espírito Santo é amor, alegria, paz, paciência, bondade, benevolência, fé, mansidão, domínio de si ( Gl 5,22-23) Paulo fala do   fruto do Espírito no singular, pois pensa em uma única fonte.  O Espírito Santo é a fonte, através da qual o fruto do espírito se torna visível no ser humano” ( Grun Anselm, Fontes da Força Interior, Vozes, Petrópolis,  2008, pg 90-105).

    Na carta aos Gálatas, em tom exortativo e doutrinal, Paulo empenha-se em apresentar o verdadeiro rosto da liberdade cristã e sua retidão: ela vem das qualidades libertadoras de Cristo: libertar-se do egoísmo, do carnal, da idolatria, das forças negativas. Os frutos do Espírito Santo nos levam  a aderir às forças fundamentais da vida, a abrir-se à Deus e à humanidade, orientando a existência segundo os critérios do amor ( Gl 5, 13-15). A carta aos Gálatas especifica e concretiza a condição fundamental para que isto se realize: caminhar segundo o Espírito (v.16),  deixar-se guiar pelo Espírito (v.18), possibilitar uma intervenção do Espírito, que com seus frutos nos dá os princípios ativos  e determinantes da liberdade cristã.

    Pela inspiração da Carta aos Gálatas, a tradição cristã fala dos  Doze Frutos do Espírito Santo.  Quais seriam e o que são estes  Doze Frutos do Espírito Santo?  Vamos elencar e tecer um breve comentário:

CARIDADE:  É o Amor transformado em prática, em obras, é o Ágape. Caridade é o conceito cristão paulino para a prática do Amor. É o Amor feito gestos concretos de atuação. É o primeiro e grande  fruto do Espírito Santo, porque é de fato a fonte e a quintessência de todos os  dons e de todas as virtudes. A caridade contem a alma da vida cristã. Como diz o apóstolo Thiago: a fé sem obras é morta.  Segundo o Gálatas 5, 14, a Caridade vivida  realiza toda a lei e toda a vontade de Deus a nosso respeito. Este é o dom por excelência que o Espírito dá  ao credente ( Rm 5,5). É o Amor com que Deus ama e o qual é cheio do Espírito Santo, com a sua presença ativa em nós. Faz jorrar em nós o amor como resposta ao amor com que Deus nos ama. A caridade nos faz  respirar, inspirar e expirar Deus! ( Rm 8,15 e Gl 4,6). A caridade nos remete para fora, nos leva ao encontro do humano ( 1Cor 12,31 e 13,13).

PRAZEROSIDADE ( ALEGRIA, JOVIALIDADE) : é  fazer valer o desejo, a orientação mais íntima do coração, da vontade bem trabalhada, o prazer de querer, a paixão da vontade. É escutar mais os desejos; se escuto mais os desejos, atravesso os medos e atinjo uma identidade pessoal mais tranqüila. É desatar os nós para que as energias da vida possam circular. É focar o coração nas práticas, deixar que tudo atravesse  o coração; o que passa pelo coração se transforma em Amor.  A   prazerosidade,  a alegria e jovialidade são produzidas e tem a participação do Espírito ( Rm 14,17; 1Ts 1,6). Não é simplesmente uma reação psicológica à consistente  e inata disposição de uma alma feliz, mas é a expressão conquistada com a plenitude do Espírito, como diz H. Schlier: “ é a explosão da esperança e o eco vital da situação escatológica do cristão”.

PAZ:  É a busca da inteireza. Vem das tradições pré cristãs e está contidas nas saudações  namaskar, namastê, shalom, pax. A inteireza do ser é trabalhar em si e passar para fora o melhor do divino e o melhor do humano que habita a casa da interioridade. Para o cristianismo é a saudação do Ressuscitado: a paz esteja convosco!. Dizer a paz esteja convosco é a mesma coisa que dizer: “Sê inteiro!”, “Sê inteira!”; é deixar-se moldar pelo sagrado e transformar-se em protagonista desta força divina que age dentro. A prece atribuída a Francisco de  Assis,  tem em seu refrão o pedido: “Senhor, fazei-me um instrumento de tua paz!”. A paz está intimamente ligada a alegria, a serenidade, a leveza como um dom do Espírito ( Rm 14,17 ; 15,13).  No sentido Bíblico e mesmo em seu sentido mais primordial a paz não é dizer e viver a ausência de inimizade, conflito e guerra, mas é a invocação da integridade, da plenitude da vida em contraposição a uma situação em que a existência e as convivências estão ameaçadas, ou reduzidas  a   mecanismos de morte.  A paz, como dom e fruto do Espírito diz da situação de cuidado amoroso e salvífico para aquele que crê e que é colocado sob  tranqüilidade que vem das forças interiores ( Rm 8,6; Fil 4, 7 ).

PACIÊNCIA: É encontrar o ritmo próprio do respeito. É estar no domínio próprio da própria ansiedade. É descobrir uma sabedoria implícita na hora, no instante e curtir bem o momento sem precipitações, sem ansiedade. Ser tolerante e ter a capacidade de suportar conflitos sem sair dos lugares dos desafios. Não é submissão, mas a coragem de dialogar com situações adversas. A palavra paciência vem do latim: patio, pati. Patior = padeço; passus sum =  padeci . É padecer, deixar acontecer. Não é sofrimento, mas é  atuar com o vigor de estar ali,  com um ânimo, com uma força que até então desconhecemos.

BENIGNIDADE:  Vem do latim medieval, bene + igneo = estar bem no fogo. Estar bem no fogo da experiência. Incendiar, acender, iluminar. É a chave de ignição que produz a faísca fazendo funcionar  o motor. É a força do entusiasmo. Ser benigno é ter a conduta de quem carrega dentro de si uma grande força, uma grande convicção; tem a conduta do Espírito. Floresce  a partir da sua interioridade e se entrega com generosidade ( Rm 15,14).

BONDADE:  A grandiosidade da vida, a grandiosidade do mundo e das pessoas só é dada para quem tem os olhos voltados para a Beleza e a Bondade de tudo. É o brilho das pessoas e das coisas. O transparente e o transcendente. O que faz a pessoa bonita é a bondade. A virtuosidade é a beleza maior e a mola propulsora de todos os gestos de amor. O que faz o mundo bonito é a bondade e a generosidade esparramada de todas as coisas. A beleza e a bondade dizem respeito ao verdadeiro. A beleza pertence a verdade, a autenticidade. A bondade é como um quadro de mãe amamentando o filho. Quem age a partir do princípio do bel e do bom é eticamente bom. A bondade nos leva à um relacionamento muito positivo com o próximo e com a vida. A bondade gera as virtudes da cortesia, fineza e cordialidade.

LONGANIMIDADE ( A GRANDEZA DE ALMA ):  É a mesma coisa que magnanimidade. É a virtude daquele que tem uma grande alma. Abertura e força para vencer os limites. É benevolência. Aceita situações mais pesadas e difíceis sem se desconcertar. “Tudo vale a pena se a alma não é pequena” ( Fernando Pessoa ). A alma é a força que comanda as emoções do corpo. De seu forte amor subjetivo passa à objetividade de acolher a todos com a força de sua capacidade de amar. Tem uma disposição psicológica e espiritual natural, flui, esparrama uma  índole boa e acolhedora.
(1Cor 13,4; Col 3,12 ).

BRANDURA:  Diz o biógrafo São Boaventura, na sua Legenda Maior sobre a Vida de São Francisco de Assis: “ Mansidão, gentileza, paciência, afabilidade mais que humana, liberalidade que ultrapassa seus recursos,  eram sinais de sua natureza privilegiada que enunciavam já uma efusão mais abundante da graça divina nele” ( LM 1,1).  Brandura é maleabilidade, suavidade, mansidão, doçura, flexibilidade, maciez, afabilidade. A vida se aninha mais no brando, no flexível. Brandura é evitar a rigidez. No relaxamento, na serenidade, no distensionamento, na soltura é que habita o sadio. O muito rígido, o indevassável tem a patologia, a tensão e a contensão; tem uma vida cheia de nãos. Quando você se levanta pela manhã na virtude da brandura,  acorda para a vida com muito mais disposição,  todas as coisas estão mais ensolaradas, mais claras, estão mais leves. É preciso estar dentro deste sentimento de leveza; a leveza é o tom do ser.

FÉ: É o princípio esperança, o devir, o já é do ainda não; a dinâmica de acreditar no Divino, na vida e nas pessoas. Fé é ter uma saudade infinita de Deus, uma aproximação rara com o divino. Como diz Erik Erisson, a fé é  “ a confiança originária”. Fé  é crer e deixar ser. Para Anselmo de Cantuária  “ a fé  capacita a razão a chegar a um conhecimento mais profundo” ( fides quaerens intellectum ). É abandono e confiança. Diz Anselm  Grun: “ Fé é crer em alguém em vez de um simples acreditar em alguma coisa. Ter fé significa que eu confio em bDeus. Quem confia em Deus tem um chão seguro sob seus pés” ( Grun Anselm,” Virtudes que nos unem a Deus”, Vozes, Petrópolis, 2007, pg 9).

MODÉSTIA:  É a ausência de qualquer tipo de vaidade, de narcisismo, de exaltação da pessoalidade e culto à personalidade. É desambição,  despretensão... enfim uma simplicidade pura. É uma presença de doçura não forçada em contraposição à presunção. É um estado de abandono à única força: a força do Espírito. A raiz do modesto está em Deus.

CONTINÊNCIA:  É ser uma pessoa contida, isto é, aquela que vive a justa medida de todas as coisas. Nem mais nem menos, mas o pronto, o bem acabado. É a virtude que  traz a virtude da Temperança, que é  a grande virtude que auxilia na arte de controlar e moderar apetites e paixões desenfreadas. É a sobriedade. Domínio de si,   ou auto domínio como a virtude que vence  as contrariedades.  É a vitória sobre os vícios , alguns enumerados em Gl 5, 20-21.

PUREZA DE CORAÇÃO ( CASTIDADE):  O modo de pensar franciscano chama a Castidade de Pureza de Coração.  Puritas é a Fonte, a  transparência cristalina do ser. É o que jorra naturalmente do coração; o que está no esplendor do natural, a essência da naturalidade ( virgindade). São as fontes da energia do amor, do afeto, da corporeidade ( corpo, mente, alma e coração ). Castidade é não jogar estas energias fora, mas espalhar em tudo o que se faz.

    Assim podemos terminar aqui a reflexão sobre os Doze Frutos do Espírito Santo. São forças para os nossos passos na marcha impregnada de Espírito, que dá consistência e brilho ao nosso comportamento. Viver em harmonia com o Espírito é opor-se às tensões que a vida oferece. Os Dozes Frutos do Espírito Santo não são um elenco automático de virtude que recebemos por imposição. Mas fruto é a aceitação da seiva da vida. É meta, é ponto de partida, é abrir-se à força do Espírito  para uma maturação ( fruto) . Paulo ( Gl 5, 16-25) nos convoca para um estado de maturidade, uma vida dinâmica de busca de valores e virtudes para uma evolução rumo a eternidade.

* Frei Vitório Mazzuco cursou Teologia e Filosofia, em Petrópolis, e fez pós-graduação em Teologia Espiritual, na Pontificia Università Antonianum, em Roma, obtendo o mestrado. Sua tesina, publicada em forma de livro, leva por título: “Francisco de Assis e o modelo de amor cortes-cavaleiresco: elementos cavaleirescos na personalidade e espiritualidade de Francisco de Assis” (Vozes 1994). Atualmente, ele é reitor do Santuário de Santo Antônio, no Largo da Carioca, na cidade do Rio de Janeiro, professor de Franciscanismo, em Piracicaba, no Rio de Janeiro e em Petrópolis. Também é pesquisador do IFAN (Instituto Franciscano de Antropologia), entidade ligada à Universidade São Francisco de Assis, em Bragança Paulista, e dedicada às áreas de Franciscanismo, Teologia e Ciências da Religião, Estudos Humanísticos, Estudos da Cultura Moderna e Pastoral. 

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