Um novo estudo da historiadora italiana Chiara Frugoni se dedica aos estudos dos santos de Assis.Por amor, volta-se mais uma vez, e depois de novo, e depois novamente, a frequentar a mesma pessoa, a repassar os lugares dos quais conhecemos cores e sombras, a ouvir novamente palavras que podemos repetir de memória mais do que uma oração cara da infância, em busca daquele núcleo de luz que promete, todas as vezes, um estupor diferente.
A reportagem é de Mariapia Veladiano, publicada no jornal La Repubblica, 14-11-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Algo de muito semelhante ao amor parece levar Chiara Frugoni a nos presentear agora um novo livro, tecido com paixão em torno daquela história extraordinária que viu São Francisco e Santa Clara juntos em uma aventura espiritual que jamais deixa de falar à nossa vida de homens e de mulheres.
Storia di Chiara e Francesco, publicado nestes dias pela editora Einaudi, vem depois de uma série de artigos, discursos, estudos que Chiara Frugoni já dedicou tanto a São Francisco e Santa Clara, quanto ao "tempo do aproximadamente", como ela gosta de chamar a Idade Média no texto, em que um ano também pode ser o antes ou o depois, quase como uma antecipação do único tempo eterno que São Francisco sabia que era a promessa de Deus ao mundo.
E assim, com a desenvoltura que lhe vem de um conhecimento maravilhoso de documentos, fatos, lugares e pessoas, a autora segue os caminhos de Clara e Francisco ainda não santos (mas por pouco tempo; ambos serão santos logo, dois anos depois da morte). Ele, em espontânea e preciosíssima luta contra os "pensamentos fechados de lucro e ganhos" do seu ambiente familiar, dentro de um clima citadino de forte luta entre a sua classe, a dos “homines populi”, e a classe dos “boni homines”, nobres, poderosos e inacessíveis, "a serem odiados, mas também admirados".
E ela ainda segue Francisco depois da batalha de Collestrada, encerrado na atroz prisão de Perugia, cercado por feridos para os quais "a morte não consegue vir". E depois nos muitos confrontos tremendos e necessários: com o pai, com os concidadãos, consigo mesmo, em uma tempestade de impulsos e abandonos e retornos muito humanos, até à solidão, na qual ele encontra Deus e o homem juntos. Deus para o homem.
E uma nova história nasce, e nada é mais como antes, e Francisco, agora na boa companhia do seu Senhor, mostra com a sua bizarra e jamais vista comunidade de leigos e clérigos e nobres e cultos e iletrados, que o Evangelho pode ser posto em prática, de verdade.
Enquanto isso, Clara menina cresce, e as fontes dizem que muito em breve ela se interessou por aquilo que acontecia em torno de Francisco, até aos encontros com ele, à vocação, à fuga e ao nascimento da sua comunidade em São Damião. Em tudo semelhante à de Francisco: pobre, a serviço dos homens, com a extraordinária novidade das “sorores extra monasterium servientes”, irmãs ativas entre os homens e as mulheres do mundo, testemunhas do Evangelho, como os freis de Francisco, com a mesma liberdade.
Liberdade é a palavra que Chiara Frugoni nos dá como sigla dessa história. Em uma sociedade obrigada à luta pelo poder e pelo dinheiro, os irmãos de Francisco e as irmãs de Clara rejeitavam toda honra, odiavam o poder, suplicavam ao pontífice que conservasse o "privilégio da pobreza". Uma pureza implacável que lhes chegou a partir do Evangelho e que se tornou vontade muito firme de construir "um modelo de comportamento que pacificamente se contrapusesse ao que estava em voga e que pacificamente o tirasse do eixo". Pacificamente, renunciando também à violência implícita em todo julgamento, livres também das santas expectativas: "E no Senhor ama-os. E não pretenda que sejam cristãos melhores", escreveu Francisco a um ministro irmão seu perturbado por aqueles que o acusavam injustamente. Era a época das origens, aliança inimaginável entre terra e céu. Muito em breve veio o tempo das acomodações as quais a história sempre obriga.
Certamente, a leitura ao mesmo tempo rigorosa e combatente de Chiara Frugoni pode fazer nascer algumas críticas, como sempre acontece quando o amor por uma pessoa ou por uma história é compartilhada com muitos. Porque o amor muitas vezes é ciumento.
Talvez seja verdade que o desfecho da história de Clara, a clausura estrita decretada em 1263 por Urbano IV, se assemelhe muito a um fracasso humano. Mas nem sempre os resultados diferentes dos esperados são fracassos. Quem acredita pode reconhecer muito bem, na vida escondida das clarissas, a pobreza subterrânea de uma beatitude igualmente profética.
No entanto, é difícil negar que a batalha pela pobreza tenha sido um verdadeiro fracasso, dado o escândalo que ainda hoje a riqueza da Igreja representa aos olhos do mundo. Porém, aqui também a fé salva da amargura, embora na determinação da verdade a ser afirmada. Eis o que Santa Clara escreveu para Inês da Boêmia, à frente do mosteiro de Praga, a propósito da sua luta comum contra as autoridades religiosas pela defensa do privilégio de ser pobre: "Em rápida corrida, com passo ligeiro e pé firme, de modo que os teus passos não levantem poeira, avança segura, feliz e confiante no caminho de uma felicidade pensativa".
Para ler mais:
- Francisco de Assis, santo irregular. Entrevista com Chiara Frugoni
- A vida na pobreza mais radical
- O revolucionário Francisco de Assis e a ''feminilização do cristianismo''
- Francisco e a falsa fogueira
- Todas as verdades sobre Francisco de Assis
- Francisco. O santo - Revista IHU On-Line nº. 238
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