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quarta-feira, 29 de setembro de 2010

A palavra de ordem é renovar

Possibilidades e chances da Ordem Franciscana Secular

Frei Almir Ribeiro Guimarães, OFM (*)

Francisco nada quis,  a não ser o Cristo; o Cristo optando pela pobreza e pela humildade para ser homem entre os homens, o Cristo  amando os homens de muitos modos até o dom de sua própria vida na cruz, o Cristo realizando a vontade do Pai e cantando a sua glória, o Cristo ressuscitando para a vida eterna e assim passando definitivamente para o Pai. Cada dia Francisco contempla os mistérios da vida de Cristo e, assim, descobre o seu caminho. Quer seguir os traços de Cristo. Deixa-se transformar por ele. Nisto consiste sua vida (Orientações de Vida de Fraternidades Seculares anteriores à Regra de Paulo VI).

1. Não há dúvida. O tempo é de renovação, de rasgar novos caminhos, de retomar o sopro das origens, de inventar o novo. Não basta colocar remendos novos em panos velhos. Para tempos novos, novos panos. Será preciso criatividade, abertura ao Espírito, sabedoria e discernimento na leitura dos sinais dos tempos. Renovar... ou morrer.  Todos sabem disso. Hoje, fala-se muito em reciclagem, formação permanente, atualização.  Não se trata  apenas  de entregar-se afoitamente ao modismo do novo, mas ao novo que vem da eterna novidade de Deus.  A Igreja e a Ordem precisam ter um significado para os tempos modernos.  Manifestantes em Londres, por ocasião da visita do Papa  Bento XVI em setembro de 2010, mostravam faixas dizendo que não precisavam de Deus e, com isso,  exprimiam seu desagrado pela visita do Pontífice Romano e uma vontade de construir sua vida e a sociedade sem Deus, sem Cristo, sem fé. Será que a Igreja e os franciscanos temos condições contestar esses gritos com nossa vida evangélica?

2. Os franciscanos seculares sabem onde puseram o fundamento de seu caminho: “... procurem a pessoa vivente e operante do Cristo...”.(Regra n.5).  “Os irmãos que viveram com ele sabem com quanto ternura e suavidade, cada dia e continuamente, falava-lhes de Jesus. Sua boca falava da abundância do seu coração e a gente teria dito que a fonte do puro amor, que enchia a sua alma, jorrava de sua superabundância. Quantos encontros entre Jesus e ele. Levava Jesus em seu coração, Jesus em seus lábios, Jesus nos ouvidos, Jesus nos seus olhos, Jesus em suas mãos, Jesus em toda parte...” (1Celano 115).  Francisco se conforma a Cristo, se identifica ao Mestre e até realiza em seu corpo e em seu espírito todos os mistérios de Cristo.  Renovar não é apenas inventar novidades mas assumir, de fato, a novidade que é Cristo.

3. Franciscanos da Primeira Ordem, quando pensamos na Ordem Franciscana Secular, temos para com  seus membros os mesmos sentimentos e as mesmas preocupações que nutrimos pelos nossos: desejo de voltar às origens, reencontro de um novo élan, procura de  novas vocações, saudade da contemplação e urgência em tornar o Amor amado. Não se trata de teimar em continuar por continuar, mas continuar porque vale a pena, porque o carisma que nos foi dado tem sentido neste mundo que é o nosso. Não se trata de preservar custe o que custar. O importante é a verdade e não a teimosia. Temos a convicção de que o Senhor nos chamou. Trata-se de uma verdadeira vocação. Sem a vivência do chamado as coisas se tornam secas e as fraternidades vivem ressentimentos e esvaziamento.

4. Nossos tempos são de questionamentos e interrogações. Situamo-nos no coração de um Igreja que busca, nem sempre com facilidade, formar discípulos missionários e criar espaços comunitários que sejam  plataformas para a missão.  Nos últimos tempos vemos a Igreja da América Latina e do Brasil preocupada com a formação de discípulos missionários. Toda a Igreja, todas as paróquias, todos os movimentos,  todas as famílias são missionários. Necessitam ser evangelizados para serem missionários. Temos estudado com cuidado o  Documento de Aparecida.  Um outro filão de renovação da Igreja se apresenta num empenho de revitalizar a vida cristã a partir de um processo de inspiração catecumenal (Iniciação à vida cristã) ) Estudos da CNBB 97).

5. Não é aqui o lugar de elencar todas as preocupações que vivemos nós, franciscanos, o mundo e a Igreja. Há, por detrás de todos os desafios internos e externos, algumas convicções que permanecem e  questões para as quais buscamos juntos respostas que não podem demorar a chegar. Nada está terminado. Tudo está por ser refeito. Algumas dessas sombras: individualismo exacerbado, desinteresse pelo próximo, exclusão, marginalização,  drogas, adoção de uma postura de indiferença e de indiferentismo, esvaziamento de nossas paróquias e comunidades, expressões religiosas sem profundidade, proliferação de seitas, envelhecimento dos membros da Ordem,  dificuldades em alimentar, efetivamente, a fé das pessoas, implementação de pastorais que nem sempre conseguem transformar as pessoas e acompanhar seus passos e descompassos, leigos que não chegam a uma  maturidade cristã, sacerdotes sem condições de serem pastores, irmãos e irmãs que professam na  Ordem e abandonam. Há, talvez, uma pergunta mais de fundo que nos inquieta: Até que ponto os cristãos na Igreja têm expressão? Nossas fraternidades franciscanas têm um significado nas paróquias, nas dioceses ou no mundo?


6. Há algumas convicções que nos estimulam e nos fazem pessoas esperançosas. Vemos surgirem, aqui e ali, movimentos de renovação evangélica. Há fraternidades franciscanas seculares promissoras.  Há províncias dos frades menores em que os membros vivem verdadeiramente como franciscanos.  Partimos sempre da convicção de que a Regra de Paulo VI  é um ponto de referência fundamental em toda tentativa de renovação. A compreensão e a vivência de todos os tópicos da Regra colocam o movimento franciscano secular na trilha firme de levar seus membros a uma eminente santidade de vida e qualificá-os a serem missionários. Não precisamos buscar soluções complicadas. A Regra da OFS é o fundamento do caminho que os irmãos e irmãs precisam trilhar.  Infelizmente, a Regra ainda não foi assimilada.

7. Cremos que a Ordem não é nossa, nem de Francisco, mas  nasceu de uma iniciativa de Deus.  Não podemos querer ser os seus “salvadores”. A nós cabe escutar a voz de Deus e não colocar óbices à sua ação. Nada de angústia, nem desespero. O que tem surgido de proposta nova em capítulos avaliativos locais, regionais? Nada? Por quê?

8. Sempre de novo, na OFS,  somos convidados a rever a maneira com vem sendo feita a formação dos começos e aquela que chamamos de permanente.  A missão do ministro local e do formador  é de capital importância.  Inspirados  em  reflexões do  Documento de Aparecida, os formadores  se preocuparão com a formação dos discípulos missionários franciscanos.  Respeitarão o processo da formação do discípulo (cf. Doc. de Aparecida  n. 278):
  • encontro com Jesus Cristo: anunciar de verdade Cristo para propiciar o encontro com o Senhor; não supor que este encontro já se tenha dado; cultivá-lo e renová-lo;
  • verificar se as pessoas (no caso os candidatos à Ordem e os professos) estão num processo de conversão, se estão mudando a forma de pensar e de agir, de compreender o que significa carregar a cruz; seguir Cristo em todos os momentos;
  • a pessoa precisa amadurecer no seguimento de Cristo: catequese permanente e vida sacramental que permitem ao discípulo permanecer fiel no mundo que desafia;
  • “como os primeiros cristãos que se reuniam em comunidade, o discípulo participa da vida da Igreja e no encontro com os irmãos, vivendo o amor de Cristo na vida solidária... é também acompanhado e estimulado pela comunidade e seus pastores para amadurecer na vida do Espírito;
  • a missão é inseparável do discipulado... não se concebe um discípulo sem forte zelo missionário.
9. Os formadores, o  assistente espiritual ficarão atentos em verificar esses passos. Sem isto, os formandos e professos não chegam à maturidade cristã e, por motivos banais, pedem “afastamento” ou não dão o testemunho de uma vida evangélica que valha a pena ser vivida.  Análogas reflexões poderão ser encontradas no empenho da Igreja no tema da  Iniciação Cristã,  acima mencionado.  O Documento fala de uma retomada constante da descoberta do mistério cristão.  Não basta apenas que as pessoas tenham sido “sacramentalizadas”. Precisam compreender aquilo que a graça foi operando nelas no batismo, na confirmação e na eucaristia. Como é importante a presença de um assistente dedicado que acompanhe o processo catecumental dos irmãos na Ordem!

10. Durante o tempo da formação inicial, de modo especial, os membros de um  fraternidade precisam ser levados a fazerem uma profunda experiência de Deus na oração e no irmão. Uma formação livresca é insuficiente. Daí, a urgência de expedientes que levem os irmãos à fidelidade na oração não papagueada e superficial, experiência da presença de Deus em suas vidas e em momentos mais ou menos longos de contemplação. Como são nossos retiros? Qual a qualidade de nossa oração pessoal e comunitária?  Este capítulo é fundamental.  Não se pode negligenciá-lo.  Os formadores levarão os irmãos a conhecer Cristo no rosto de doentes, abandonados, marginalizados. Não basta uma formação teórica.  Renovar ou morrer.

11. Nesse empenho de renovação e revitalização das pessoas e da Ordem será fundamental que os irmãos revisitem seu interior, que não sejam estranhos dentro do próprio corpo, que se sintam bem, vivendo com uma dimensão de interioridade que se adquire com o silêncio, a leitura, a paciência e o respeito pelas lentidões da história de cada um.  Nunca perdemos de vista que a conversão começa e continua no fundo de nosso ser.  Não podemos ser pessoas derramadas nas coisas.

12. Algumas convicções:
  • Colocar no centro de tudo a figura de Cristo e levaremos as pessoas a viverem uma vida sacramental, sem sacramentalismo.
  • Velaremos sempre pela qualidade da vida da fraternidade local.  Nada de discursos intelectuais e propostas grandiloqüentes. O que conta é a fraternidade local: ministros dedicados, encontros suculentos, experiência de Deus, vontade de estar com irmãos que o Senhor nos dá. Tudo começa na fraternidade local.Tudo é possível se há vocação, se está em curso um processo de conversão. A qualidade da reunião geral é fundamental. Como fazê-la de uma forma nova, mais profunda, mais participativa?
  • Vivemos num mundo plural.  Nossas fraternidades são lugares onde discutimos os grandes temas da fé e do mundo: casamento, educação das novas gerações, novas formas de convivência (uniões homossexuais), necessidade dos sacramentos, ecumenismo, neoliberalismo, sexualidade, etc.  
  • Desta forma, a fraternidade local oferecerá a seus membros e aos que quiserem: retiros, tardes de oração, mesas redondas, propostas de livros para que as pessoas se encontrem ou reencontrem.
  • Num mundo de posturas profundamente individualistas, os franciscanos seculares primarão pelo testemunho da fraternidade em seus encontros, nos encontros com todas as pessoas e mesmo no respeito pelo criado.
  • Num mundo que se satisfaz com a mediocridade, os franciscanos seculares mostrarão que estão buscando, efetivamente, a santidade de vida de forma eminente.
  • Não podemos esperar que as pessoas venham a nós. Temos que ir ao seu encontro. Buscaremos meios e modos de atingi-los e de acenar que venham conhecer o tesouro que encontramos.
  • Não podemos imaginar o amanhã da Ordem Franciscana Secular sem a formação  de lideranças  locais, regionais e nacionais.  Precisamos de lideranças que seja capazes de refletir sobre o mundo, suas transformações, os caminhos novos a serem percorridos. Que coloquem isso por escrito. O amanhã da Ordem depende muito desses leigos que liderem  a caminhada.
  • Seja por meio da JUFRA ou por outros expedientes, os franciscanos, sejam eles da I ou III Ordem precisarão ter cuidados especiais na formação de rapazes e moças que não adiram às drogas, à colega, à mediocridade nas salas de aula, que sejam capazes de  se encantar com Francisco e optarem pelo seu seguimento.
  • Em todo o nossos trabalho evangelizador e em consonância com as prioridades do Capítulo de Manaus (2009)  parece importante que os franciscanos seculares realizem um trabalho evangelizador da família.
  • Em nossas reuniões gerais e outros eventos estarão presentes membros de nossas famílias, simpatizantes.  Sempre teremos pessoas girando à nossa volta.
  • Sem posturas românticas, será fundamental que a Ordem (I –III) trabalhe pela preservação da casa em que vivemos, esse planeta chamado terra.
Concluindo

Retomamos o texto  das Orientações de Vida, anterior à Regra da Paulo VI:
Aceitaremos com toda lucidez todas as solidariedades humanas e as assumiremos cristãmente. Não queremos ser fraternos apenas com o homem encontrado, mas cada vez mais com todos os homens. Queremos nos comprometer com todos para construir um mundo fraterno. Associar-nos-emos a todos os homens de boa vontade para lutar contra os obstáculos à fraternidade universal:  a desigual repartição dos bens da terra, as múltiplas formas de opressão e de injustiça, o racismo, a guerra, a violência, o ódio... Em nossa vida de todos os dias e na escala do mundo participaremos com todos os homens no estabelecimento da justiça, da concórdia e da paz.

(*) Frei Almir Ribeiro Guimarães, OFM
Assistente Nacional da OFS pela OFM e Assistente Regional do Sudeste III


Extraído de http://www.franciscanos.org.br/v3/almir/artigos/ofs/23.php acesso em 23 set. 2010.

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