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sábado, 2 de fevereiro de 2013

Clara de Assis, vida de serviço e amor fraterno

Por Frei Almir Ribeiro Guimarães
Somos membros da grande Família Franciscana. Temos muita alegria em poder nos deixar formar e modelar pelo espírito  de Clara de Assis. Hoje queremos prestar atenção em seus gestos fraternos e nos serviços que prestava às irmãs e à Ordem de São Francisco. Temos diante dos olhos o texto  Nourrir… chérir… prendre soin, escrito por uma religiosa clarissa e publicado na  revista  Évangile d’Aurjourd’hui, n. 233. Não aparece o nome completo da autora. Simplesmente se diz Irmã Clara de Chamalières (França).
1. O pano de fundo da presente reflexão é constituído por alguns versículos da Regra de Santa Clara que transcrevemos: “Porque todas devem prover e servir  suas irmãs enfermas, como gostariam de ser servidas, se tivessem alguma doença. Manifeste com segurança uma à outra, sua necessidade. E se uma mãe ama e nutre sua filha (1Ts 2,7) carnal, quanto mais diligentemente deve uma irmã amar e nutrir  sua irmã espiritual?” Com toda evidência está por detrás destas linhas, Clara que ama, alimenta e serve.

2. Durante muito tempo a Ordem de Santa Clara teve a reputação de ser uma Ordem muito austera: privações, jejuns, toda sorte de mortificação, extrema pobreza, tanto pessoal quanto comunitária.  Certos costumeiros da Ordem no início do século XX ainda insistem muito nesse estilo extremamente duro de vida ascética.  Inegavelmente muitas clarissas chegaram  a uma altíssima santidade  através de numerosas mortificações. A redescoberta das fontes clarianas, o estudo comparativo das diversas formas monásticas do século XIII, a reconstituição paciente da forma de Vida das Irmãs Pobres aprovada no final de vida da santa nos obrigam a reconsiderar o projeto  fundamental da Mulher de Assis. Queremos aqui destacar  duas grandes preocupações dela: a luta de toda uma vida para conseguir a aprovação do Privilégio da Pobreza (o privilégio de viver sem privilégio no dizer de  M. Bartoli) e o vínculo material e espiritual  com a Ordem dos  Frades Menores.

3. Talvez um aspecto que até então não tinha ainda fica tão nítido foi a grande novidade do tipo de relações fraternas que Clara queria instaurar deliberadamente em São Damião, na esteira de Francisco.  Temos a chance de poder contar com depoimentos das irmãs e de alguns leigos no Processo de Canonização da santa. Apoiando-se nesse documento, Tomás de Celano escreveu a Vida de Santa Clara a pedido do Papa. Não se pode esquecer que, na Idade Média, a hagiografia era  uma obra teológica: personagem principal  não era o santo, mas Deus atuando em sua vida. Celano procura ser fiel às Fontes sempre fazendo com que a santidade de Clara fosse  conforme a ideia da santidade monacal da época. O biógrafo é particularmente sensível aos aspectos da vida fraterna em São  Damião. Perscrutar os fatos aqui e ali narrados, interpretá-los, comparar com a  Regra de Clara  (1253),   às sucessivas legislações a que forma submetidas as irmãs antes que  a fundadora resolvesse ela própria  escrever  a forma de vida  faz com que encontremos uma forma original de laços e   liames fraternos.

4. Antes de seu ingresso em São Damiao Clara já demonstrava atenções para com os pobres.  Encontramos na Legenda uma observação que pode ser mero clichê para as biografias oficiais: “Estendia a mão com prazer para os pobres (cf. Pr  31,20) e da abundância de suas riquezas supria a indigência”  (Legenda, 2). Há, no entanto, logo em seguida, um detalhe pessoal: “… privava seu próprio corpinho dos alimentos mais delicados” para socorrer pessoas indigentes, manifestando desta sorte empatia que viria a ser um traços característicos de sua personalidade. Adolescente, toma uma iniciativa  que  manifesta determinação,  perspicácia e generosidade: envia importância em dinheiro a Francisco e seus irmãos que estão restaurando Nossa Senhora dos Anjos, para que comprassem carne(Processo  17,7).

5. Antes mesmo de ter deixado a casa paterna, Clara já estava  impregnada dos ensinamentos de Francisco. Sentia que este a olhava com solicitude pensando naquilo que ela poderia vir a ser. Entre  os dois  houve sempre respeitosa reserva.  Francisco, de modo especial nos começos, dedicava muita atenção a São  Damião. Chegava mesmo a se preocupar com o regime alimentar da comunidade.  Sabe-se pelo Processo que pediu que moderassem o drástico jejum  determinado pela jovem fundadora. Fez mesmo com que o bispo interviesse sobre o tema. Na Terceira Carta a Inês de Praga Clara toca na questão do jejum e das orientações de Francisco a esse respeito: as  irmãs  não são obrigadas ao jejum  no tempo pascal, nas festas de Nossa Senhora e dos apóstolos, nem às quintas feiras… normas  não rigorosas para a época.  No  Audite Poverelle,  Francisco pede as irmãs utilizem as esmolas sem excessivo escrúpulo. Que se preste atenção nas irmãs doentes ou mais frágeis.

6. Em seu  Testamento  Clara se considera a “plantinha  de Francisco”.  Designa sua comunidade de plantação do bem-aventurado Pai que e cultivou e fez crescer,  como fundador  e plantador (jardineiro). Com estas imagens da horticultura  sentimos como Clara via em Francisco um “cuidador” das irmãs. Francisco, efetivamente, tinha afeto e ternura para com elas. Este cuidado atencioso era fruto de admiração respeitosa. Quando o pão era pouco, a metade que se tinha ia para os frades que moravam junto do mosteiro.

7. Quando  Francisco tem dúvidas  a respeito de sua orientação de vida, ou seja, vida eremítica  ou de pregação itinerante,  recorre a  Clara (também a frei Silvestre).  Gravemente doente ele vem descansar em São Damião  por cinquenta dias e é ali que ele compõe  o Cântico do Sol.  Quando ele fala de lua, estrelas claras, preciosas e belas, irmã água pura e casta  não podemos deixar de pensar que Clara esteja por detrás de tais imagens.

8. Francisco já havia escrito em seu Testamento: “Ninguém me mostrou o que devia fazer, mas o  próprio Altíssimo me revelou que eu devia viver segundo a forma do Santo Evangelho”. Clara, no coração de sua Regra,  transcreve o embrião do texto normativo que ele havia composto para as irmãs de São Damião, texto em que se nota a identidade comum de sua vocação evangélica: “Visto que por inspiração divina,  vos fizestes filhas e servas do altíssimo e sumo Rei, o Pai celeste e desposaste  o Espírito,  Santo escolhendo viver segundo a perfeição do Santo Evangelho, quero e  prometo por mim e por meus irmãos ter sempre por vós diligente cuidado e especial  solicitude como tenho por eles…” (Regra de Santa Clara, Cap.VI).

9. Estudos recentes afirmam que, quando Clara se dispõe a escrever  uma Regra não tem a intenção de estabelecer normas a serem rigorosamente observadas em vista de se atingir um ideal de perfeição como as Regras  de Hugolino e Inocêncio  -  mas de definir uma vocação, um encontro com  uma pessoa viva, o Senhor Jesus Cristo.  Estudos recentes assinalam que no modelo de vida proposto por  Francisco e Clara  “somos irmãos e irmãs porque  filhos  do Único Pai e irmãos do Único Irmão”. Como caracterizar a novidade desta vida fraterna  segundo o Evangelho?

10. Fundamentalmente, sem dúvida, trata-se qualidade do olhar dirigido  às pessoas: olhar de confiança, de esperança, de respeito, de maravilhamento, como olhar da mãe para com os filhos, como o olhar do jardineiro sobre as plantas que crescem. Este não sabe como se dá o crescimento  mesmo tendo ele sido o plantador.

11. Em seguida, uma atenção concreta para com as pessoas.  Em São Damião havia muitas irmãs doentes. Em sua Regra, Clara alude ao fato em quase todos os capítulos: faz-se necessário providenciar roupas, alimentação, medicamentos, velar pelo repouso. As irmãs partilharão esses cuidados com a abadessa. Na enfermaria será sempre possível falar com discrição para distrair as irmãs… quando pessoas vêm visitá-las poderão dizer palavras edificantes, o que em outras Regras é formalmente proibido. Com as orientações da Regra de Clara estamos longe das Constituições de Hugolino  sugerindo na medida do possível  que as doentes tivessem um lugar afastado. Lá estariam separadas das irmãs de boa saúde para não causar desordem nem perturbação nas atividades da casa ou no descanso das irmãs…  Vale observar que a maioria dos milagres operados por Clara, durante sua vida e depois de sua morte, visavam doentes e enfermos. Clara é toda compaixão. O Processo de Canonização, a Vita de Celano nos mostram Clara muito próxima de irmãs atormentadas: se uma ou outra fosse presa do desgosto e da tentação, Clara chamava-a à parte e chorava com ela… colocava-se de joelhos diante das irmãs que sofriam e lhes prodigalizava carinhos maternos…

12. Uma vida segundo o Evangelho supunha, no pensamento de Clara,  grande liberdade entre as irmãs.  Em sua Regra, a maior parte das determinações  se acham acrescidas de observações como estas:  “se  acharem bom..”… “se julgarem oportuno”…  Quando, de outro lado,  há uma  fórmula do gênero : “que sejam firmemente obrigadas”… refere-se  à abadessa que deverá pedir o consentimento de todas as irmãs…”.  Entre as irmãs, Clara  vê igualdade total. Ela se comporta como mãe, irmã e serva de todas. Deseja também que as irmãs desempenhem esses papéis. Por isso, ela retoma textualmente  no capítulo  VIII de sua Regra o que Francisco que havia escrito:  “E onde estão e onde quer que se encontrarem os irmãos, mostrem-se mutuamente familiares entre si. E com confiança um manifeste ao outro a sua necessidade, porque se a mãe nutre a  seu filho  carnal, quanto mais diligentemente  não deve cada  um amar e nutrir a seu irmão espiritual”. Antes deste texto, para seus irmãos itinerantes,  Francisco havia observado: “Em todos os lugares em que se encontrarem os irmãos,  mostrem-se da mesma família uns para com os outros, o que implica simplicidade, familiaridade, tomada de consideração da vida cotidiana. Clara, por sua vez, mesmo num ambiente fechado  como era o mosteiro de São  Damião,  pede que as irmãs se encontrem, se estimem,  se “nutram” espiritualmente:  “Porque todas devem prover e servir  suas irmãs enfermas, como gostariam de ser servidas, se tivessem alguma doença. Manifeste com sua segurança, uma à outra,  sua necessidade. E se uma mãe ama e nutre sua filha carnal, quanto mais diligentemente  deve uma irmã amar e nutrir  sua irmã espiritual?” (cap. VIII).  Clara não tem medo da ternura e de suas manifestações. Em seu Testamento tem ela uma exortação cheia de brilho: “E amando-vos umas  às outras com a caridade de Cristo, demonstrai por fora, por meio de boas obras, o amor que tendes dentro para que provocadas por este exemplo, as irmãs cresçam sempre  no amor de Deus na mútua caridade.

13. Esta mesma dimensão de amor compaixão Clara manifesta para com a cidade de Assis (duas vezes sitiada) e para pessoas de fora do mosteiro:  doentes, deficientes, infelizes acorrem a São Damião para buscar cura.  Somos obrigados a relativizar a afirmação de Celano: “… elas adquiriram especial graça de abstinência e do silêncio a ponto de absolutamente não precisarem esforçar-se por coibir o apetite e a frear a língua; e algumas delas estavam tão desacostumadas a conversas que quando a necessidade exige que elas falem, mal se recordam de formar palavras como convém (1Celano 20). “Clara unificou profundamente sua vida e seu olhar para ir além  das aparências: na contemplação do Cristo pobre e crucificado de São Damião, Clara  compreende o sofrimento  indizível do homem Deus e por ele abraça todos aqueles pelos quais ele morreu. Recebem elas seus irmãos e os filhos dos homens como seus filhos espirituais os quais ale nutre e ama  como uma mãe ama seu filho, manifestando-lhes afeto por ato sua ternura.

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