Arquivo do blog

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Os franciscanos de Oxford

Existiram algumas circunstâncias históricas que possivelmente podem haver favorecido o estudo e o desenvolvimento da filosofia natural pelos franciscanos na Grã-Bretanha. A convocação papal para as atividades pertinentes à Inquisição não os atingiu. Adicionalmente, ao contrário da Europa continental, não havia herança ou cultura muçulmana a combater, mas sim, ao contrário, plenas condições de estudá-la e absorvê-la. No que se refere aos judeus, o rei Eduardo I baixou em 1275 um Estatuto onde lhes impunha restrições até determinar sua expulsão em 1290.

A inexistência, ao menos explícita, de infiéis e hereges na Grã Bretanha dos séculos XII e XIII implicou em que pregação cristã da ordem ficasse voltada ao povo local, já cristianizado, e plenamente apoiada pelos clérigos e autoridades locais.

Não encontramos referências diretas a uma “escola franciscana de Oxford”, como foi o caso da “escola franciscana de Paris”, da qual Alexandre de Hales (1185-1245), Doctor Irrefragabilis, e São Boaventura (1221-1274), Doctor Seraphicus, foram os expoentes máximos. Hales, que ingressou na ordem aos 50 anos, já como mestre em teologia e filosofia, teve entre seus alunos Tomás de Aquino e o próprio Boaventura.

No entanto, não resta dúvida quanto à existência da escola de Oxford, bem como de sua importância na filosofia escolástica dos séculos XIII e XIV. Como se sabe, São Tomás de Aquino foi declarado doutor oficial da ordem dos dominicanos, decisão reafirmada em vários capítulos gerais da ordem realizados entre 1278 e 1315.

Assim, os primeiros franciscanos de Oxford mantiveram sua independência em relação à doutrina albertino-tomista, o que não significa de modo algum sua rejeição completa. Os franciscanos foram, sem dúvida, devedores de Robert Grosseteste – não apenas de seus ensinamentos, mas também de sua autoridade na universidade e na diocese de Lincoln, (da qual Oxford era parte) em favor da ordem dos frades menores, os quais acolheu em 1224, três anos após os dominicanos. Na condição de Bispo de Lincoln, Grosseteste teve papel importante na organização e na formulação das regras da ordem franciscana na Inglaterra, facilitando ainda o seu relacionamento com o clero secular e monástico. Além disso, Grosseteste dirigiu uma carta ao Papa Gregório IX exaltando o trabalho dos franciscanos, a simpatia e o respeito com que a ordem era tratada e vista pelos fiéis ingleses.

A ligação de Grosseteste com os franciscanos de Oxford foi muito estreita, a ponto de fontes como a Catholic Encyclopedia citarem que ele teve a intenção de se tornar membro dessa ordem.

Entendemos como o aspecto mais significativo entre os franciscanos de Oxford, na Baixa Idade Média, o fato de sendo eles (como de resto praticamente todos os letrados do Ocidente) herdeiros da cultura grega, tenham se voltado ao entendimento da Natureza com uma peculiar visão matemática que diferia tanto de Platão como de Aristóteles.

A maneira mais segura de se apresentar o pensamento dos franciscanos de Oxford quanto à filosofia natural é respeitando a cronologia que, quase sempre, significa ascendência na transmissão do conhecimento. Esta abordagem não pretende expor o conjunto de obras dos religiosos, nem ao menos aprofundar o posicionamento filosófico daquela escola, mas apenas focar seu pensamento no que se refere aos movimentos locais. Nosso objetivo é tão somente delimitar o que Bradwardine herdou, neste aspecto particular, de seus antecessores em Oxford, para melhor contextualizar sua obra.

Sem dúvida não é simples conhecer o pensamento franciscano medieval, o qual abriga personagens tão diferentes não apenas em idéias, mas entre si, como Boaventura e João Duns Scotus, Raimundo Lúlio e Guilherme de Ockham, Rogério Bacon e Pedro Olivi. À primeira vista, poderíamos pensar em colocá-lo em oposição à escola dominicana, mas tal idéia não progrediria, pois alguns franciscanos comungaram das mesmas idéias de São Tomás de Aquino, como também ocorreu com os dominicanos em relação a Santo Agostinho.

Pelo que se depreende de seus estudos voltados à natureza, a filosofia cristã que predominou na escola franciscana de Oxford pode ser vista sob vários aspectos. Deus, por sua natureza essencialmente espiritual, exerce sobre nós um contato ontológico que se exerce quer pela própria criação do ser, quer por iluminação dos princípios em que se baseiam a inteligência humana. Sofrer a ação da Causa não significa conhecê-la. Portanto, podemos concluir que na escola franciscana o conhecimento das coisas da Natureza permite conhecer a obra de Deus, mas não leva ao conhecimento de Deus. Ou seja, o conhecimento das coisas naturais não implica no conhecimento dos desígnios de Deus, cujos atributos são, univocamente, seus.

Apesar de clérigo secular, Bradwardine parece concordar com o pensamento linguagem matemática seu entendimento de como interagem as potências que resultam na velocidade dos corpos em movimento.

Podemos então concluir que as circunstâncias históricas locais, e a herança cultural de Grosseteste, podem ser considerados entre os fatores que influenciaram na vocação dos franciscanos ingleses voltada à leitura crítica dos textos filosóficos relativos à filosofia natural. A importância explícita dada à matemática no estudo dos fenômenos da natureza especialmente por Grosseteste e Bacon, também foi parte da tradição existente em Oxford, quando Bradwardine para lá se dirigiu, no início do século XIV. Conforme já comentamos, o papel desempenhado pela matemática e sua aplicação a questões referentes à filosofia natural era bastante comum nesta fase final do medievo: “Para muitos filósofos naturais, as ciências exatas, ou ciências intermediárias, como a astronomia e a ótica, eram tidas como aspectos matemáticos da filosofia natural”¹.

¹ E. Grant, “The Foundations of modern science in the Middle Ages”, p. 148


Roberto César de Castro Rios
Roberto César de Castro Rios é economista e exerce a função de Auditor Fiscal da Receita Federal na Delegacia Especial de Assuntos Internacionais em São Paulo. É Mestre em História da Ciencia pela PUC-SP, e tem especial interesse pela História da Física e sua relação com a Religião.
São Paulo - SP
acesso em 21 nov. 2008.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Firefox