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sábado, 1 de novembro de 2008

Ser pobre para se tornar irmão e irmã

Pobreza radical como Francisco a entendeu e viveu só é possível quando for segura numa rede de relações humanas fidedignas. Por outras palavras: sem uma irmandade solidária onde um cuida do outro, a pobreza radical desliza para a miséria e para o empaupera-mento. Torna-se inumana. Francisco, portanto, só podia atrever-se a andar pelo caminho diferente da pobreza radical porque “o Senhor lhe deu irmãos”.

Francisco começou esse caminho diferente quando a burguesia, com o início da economia monetária começou com o grande projeto capitalista: um projeto que, desde a óptica das vítimas, até hoje trouxe tanta injustiça ao mundo. Com a decisão de Francisco em prol dos pobres e do pobre Cristo é questionado a burguesia satisfeita consigo própria e é mostrado uma alternativa. Francisco sente instintivamente que a nova sociedade, que surge e que se baseia no princípio de possuir e de querer posses, produz, no outro lado, pessoas que perdem. A acumulação de bens tem sempre como conseqüência a pobreza de outros. A sua renúncia à acumulação de bens de qualquer espécie encontra-se ao serviço da opção de identificar-se com o pobre Cristo e com os que são materialmente pobres.

Mas, apesar da sua posição decidida, a pobreza nunca é para Francisco um valor absoluto. Torna-se relativa quando uma necessidade de vida (necessaria vitae) obriga a tal. Ele entende a pobreza como fraternidade vivida com os pobres. Quer ser radicalmente pobre para poder ser totalmente irmão. Pois Francisco acredita que o encontro com os homens e com Deus é impedido pela ânsia de ter posses ou pelos interesses que trazem discórdia para entre os homens. Posses convertem-se em substituição de relações. O projeto franciscano quer, no entanto, que os homens se possam encontrar ao mesmo nivel tratando-se como irmãos e irmãs. A pobreza consiste, pois, no esforço de relativar cada forma de aquisição para que os homens se possam encontrar verdadeiramente.

Com esta visão de fraternidade, Francisco trouxe uma idéia realmente revolucionária para a ordem da igreja e da sociedade da sua época. Não há senhores e servos e nenhumas diferenças entre as classes. “Sim, muito mais, todos devem, pelo amor de Deus, servir e obedecer uns aos outros voluntariamente.” Isto significa concretamente: ouvir as necessidades do outro, a vida da comunidade, as palavras de Deus aqui e agora. Trata-se também aqui da pegada de Jesus que Francisco segue: não continuar com os jogos do poder entre adultos, não continuar com a luta pelos melhores lugares, não continuar com o medo de ficar atrás. Pois Deus está presente, e cada pessoa é da Sua imagem e, por tanto, tem uma dignidade e individualidade dada por Deus não podendo ser representada por outros. “Todos os irmãos devem lutar por seguir a humildade e a pobreza do nosso Senhor Jesus Cristo.” (RegNB 9,1)

Na convivência duma sociedade são, naturalmente, necessárias também ordens e combinações, mas as mesmas devem ser comunicativas e o mais simples possíveis. Isto é, não “superiores”, mas sim “ministros” (servos), nenhuma atitude de domínio, nenhumas posses, nenhuma tutela – esta é a visão de Francisco de Assis. Francisco teve de aprender quão difícil foi a realização desta idéia: Ele estava ainda vivo quando as lutas pelo poder dentro da própria ordem começaram, e houve cada vez mais formas de direção e modos de atuar também nesta comunidade, os quais pouco se diferenciavam das restantes estruturas do poder. E assim a sua visão continua sendo um sinal de esperança e uma tarefa especialmente para o nosso tempo.

É que a visão franciscana duma vida fraternal no nosso mundo é tão fascinante porque nós consideramo-la como pouco realista, mas estamos, mesmo assim, ansiosos da mesma? O bobo divino de Assis sentiu claramente que uma vida amante de bens destrói a solidariedade e põe em perigo o humanismo e a união entre os homens. Por isso não quis ter posses nenhumas, por isso quis ver tudo partilhado e distribuído fraternalmente, por isso criticou e suspeitou dos poderosos no estado e na Igreja. Em tempos de redistribuição e indiferença sociais, esta visão franciscana de Deus e dos homens é mais atual do que nunca.

Andreas Müller OFM

Extraído de CCFMC Boletín Out. 2008 http://www.ccfmc.net/wPortugues/cbcmf/cbcmf-news/2008/2008_10_News.shtml aceso em 01 nov. 2008.

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