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domingo, 30 de janeiro de 2011

A penitência nos primórdios de São Damião

Tentando entender as penitências corporais de Clara
Frei Almir Ribeiro Guimarães, OFM

Continuamos seguindo a  biografia de Chiara Giovanna Cresmaschi  Chiara di Assisi. Un silenzio che grida.  Hoje queremos considerar o estilo de penitência de Clara e  dos primórdios  (p. 55-58). Ficamos sempre impressionados com as duras penitências que as Irmãs Pobres praticavam. Na realidade as manifestações concretas de dureza frente ao corpo e outras modalidades só se explicam pela vida da penitência que o frades e as irmãs abraçaram.  Eles forma os  penitentes da cidade de Assis.

1. As três irmãs (Clara, Catarina/Inês sua irmã de sangue e provavelmente Pacífica de Guelfuccio) bem como os frades que se retiravam para os eremitérios, marcavam o ritmo do dia e da noite com a celebração da liturgia da Igreja, o que certamente consistia no principal alimento de sua contemplação. Vigílias e jejuns  eram práticas comuns numa vida  de contínua conversão. Têm sua justificativa na palavra do Evangelho: “... esta raça de demônios só se expulsa com oração e jejum” (Mt 17,21).  A expressão deve ser entendida como atenta vigilância contra as tentações e oração de intercessão pelos irmãos, de modo especial por sua salvação.

2. Convém chamar atenção para uma modalidade de penitência comum nos penitentes medievais, mais presente na vida das mulheres. Trata-se da penitência corporal. A época é marcada por forte consciência do pecado. Por isso, as pessoas ingressavam na categoria dos penitentes como Francisco e seus irmãos e Clara e suas irmãs. Servem-se eles de todos os expedientes que possam levar à contínua conversão, incluindo os que atingem o corpo.

3. Recorre-se ao jejum e se partilha a comida com quem não tem; abstinência de carne e de outros pratos mais sofisticados; prolongam-se as vigílias de oração e se dorme na terra nua. Podemos  buscar a base da concepção de Francisco em sua Carta aos Fiéis: “Todos os que amam o Senhor de todo o coração, com toda alma e com todo o pensamento, com toda a força e amam ao seu próximo como a si mesmos e odeiam seus corpos com  seus vícios e pecados, recebem o corpo de nosso Senhor Jesus Cristo, e produzem dignos frutos de penitência.  Quão bem-aventurados e benditos são aqueles e aquelas ao fazerem  tais coisas e nelas perseverarem, porque pousará sobre eles o  espírito do Senhor e fará neles habitação e lugar de repouso e são filhos do Pai celestial cujas obras realizam e são esposos e irmãos e mães de nosso Senhor Jesus Cristo...” (Primeira recensão,  1-9).

4. A atitude de contínua conversão se concretiza numa resposta ao amor de Deus, no fato de nada se preferir a ele, amando os irmãos como a si mesmos, desejando o bem do outro, como aquilo que alguém deseja para si.  Por isso é urgente combater o egoísmo, que deseja percorrer diferentes, opostos às vias do Senhor, esse mundo dos vícios e pecados.  Quando Francisco emprega a palavra corpo está indicando à pessoa em sua totalidade, quando deixa de voltar-se para Deus e busca a si mesma.  A dimensão física não é exclusiva. Os que não se deixam guiar pelo Espírito  fazem caminho difícil.  A penitência física tem seu fundamento no deixar-se guiar pelo Espírito.  Não se trata de uma espécie de masoquismo.  O Espírito leva o homem a fazer dignos frutos de penitência.

5. Produzir fruto é o sentido de uma resposta ao apelo cristão, que não é feito de palavras ou de boas intenções, mas se realiza no cotidiano. Francisco chama de beati, felici e benedetti quelli e quelle, isto é, homens e mulheres que fazem, operam ativamente, fazem render o talento recebido, não no entusiasmo de um momento, mas para sempre. Tal felicidade e tal bênção é suposta de se realizar pela vida batismal, que é experiência trinitária: o Espírito, na realidade, habita e mora no íntimo; o ser filho do Pai se manifesta no fazer a sua vontade, realizando obras de caridade, o que faz com que as pessoas se tornem irmãos e mães de Jesus Cristo, como diz o Evangelho, mas também  esposos por esta comunhão de amor que faz da Igreja, e nela de todos os cristãos, a esposa de Cristo.

6. A partir de tais premissas  podemos vislumbrar certas atitudes penitencias de caráter muito diferente da mentalidade hodierna que precisam ser entendidas em seu contexto. É fácil dizer que tais práticas  deixam transparecer um certo desprezo pelo corpo e manifestam uma mentalidade dualista, na qual a dimensão corporal é vista em oposição à alma. Não se pode tão rapidamente provar tudo isso nesses dois grandes penitentes que foram  Francisco e Clara.  Se há uma acentuação desse aspecto na mulher, e toda  a história da espiritualidade o demonstra, em grande parte ela se deve ao relacionamento com o próprio corpo que assume modalidades mais intensas e concretas  na personalidade feminina.  Assim, na dinâmica da mística comunhão com Cristo, vivida em termos nupciais e estreitamente centrada no seu dom de amor sobre a cruz, a sede de Conformidade com Cristo abarca a pessoa inteira, que quer se entregar totalmente a ele. Tal é verdade de modo especial para Clara, que chegando a São Damião, começou a dedicar-se a uma prática penitencial excessiva.  Para ela se tratava de facetas do abraçar o Cristo pobre, no qual vê o seu tornar-se desprezível por nós.  Este abraçar o Cristo envolve a contemplação e as coisas do cotidiano.  Na juventude da filha dos Favarone  o abraçar se dá também na esfera física.

Extraído de http://www.franciscanos.org.br/v3/almir/artigos/clara/09.php acesso em 14 jan. 2011.
Ilustração: Saint Clare / Andrea Vanni. Caremont (CA, EE.UU.A.) : Pomona College Museum of Art, ca. 1360-1370. Disponível em http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Clare_Andrea_Vanni.jpg acesso em 14 jan. 2011.

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