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segunda-feira, 1 de março de 2010

Bloco de ideias sobre São Francisco e a Campanha da Fraternidade Ecumênica 2010

O autor alemão, H. Wirtz, num texto de ficção para uma obra teatralizada sobre a vida de Francisco de Assis, narra: “Houve ontem de tarde, na praça pública, grande reunião de proletários e tomou a palavra, naquele comício, Francisco, filho de Pietro Bernardone. Ninguém sabe o que ele precisamente queria dizer, mas umas frases ficaram gravadas nas cabeças e estão voando pelas fábricas, tabernas, muros, ruas, palácios e cortiços de Assis. Os pilares da sociedade assisiense, os príncipes livres, miles e monges, os nobres e os capitalistas de então, com seus servos, ouviram a fala loquaz daquele jovem nas escadarias da Prefeitura: “Irmãos, nós pobres e esfarrapados, não temos inveja de toda a vossa vestimenta. Dentro de poucos anos, ou dentro de 50 anos, nós todos estaremos deitados debaixo da mesma terra. E sabeis, então, quem será o mais rico? Aquele que por amor a Deus era o mais Pobre. Nós, proletários, não vos amaldiçoamos, não vos odiamos. Não tendes dianteira nenhuma a não ser que vosso caminho para Deus é mais difícil e mais desafiador que o nosso. Por isso queremos ser a vossa acordada consciência, para que o vosso coração não se endureça e para que não pequeis contra nós, vagabundos. A justiça já era estimada entre os antigos romanos, que eram pagãos, como a virtude do humano abastado. Nós, porém, não queremos apenas justiça, queremos também o Amor. Onde, porém, o dinheiro corrompe a justiça e o amor,lá ecoará o nosso grito: 'Abaixo o dinheiro!' Irmãos, nós proletários, vos saudamos com a saudação fraterna: 'Paz e Bem!'”

Francisco não é cortesão dos ricos nem adulador dos pobres. Ele não considera a situação através do prisma de uma classe social ou de um partido político. Ele pensa, aprecia e julga a partir do Evangelho.

Sabe que a Palavra de Deus está pedindo um valor, uma medida, uma renúncia, uma comunhão de bens.

Não é um revolucionário preso a uma ideologia, mas instaura a verdadeira revolução dos convertidos: uma súbita mudança e transformação. Muda de mentalidade e muda de lugar.
Convida as pessoas de seu século e do nosso século a um rigoroso exame de consciência: que o dinheiro, tão importante para as nossas necessidades efêmeras não bloqueie os nossos desejos de perene felicidade.
O dinheiro, para Francisco, leva às paixões, conquistas, terras, armas, castelos, honra e status. Realiza o sonho do pai, mas não o seu desejo de felicidade. Num primeiro momento de sua vida ele experimenta o dinheiro como sistema de produção, lucro e bens. Isto faz parte da vida em qualquer lugar da terra. Ter o que é próprio, ganhar a vida, repartir ou colocar à disposição, produzir, estar nas mãos de muitos ou de poucos, nas mãos dos senhores feudais, da eclesiologia de então, dos reis e reinos é a paisagem natural dos interesses.
Francisco viu o dinheiro como ostentação, luxo principesco, poder, conforto, ambição, avareza, máquina de guerra, saques, espólio, simonia e tratados. Viu a acumulação de dinheiro nos cofres de seu pai, nos bens dos nobres e da Igreja; sofreu com o poder exorbitante que tal acúmulo proporciona. Assis tinha nobres e mendigos aos montes. O abuso sufoca qualquer possibilidade de amor fraterno. Francisco não tinha dificuldade em ter; o que ele queria era ter em comum. Esvaziar um pouco o cofre de seu pai para encher de alimento as escudelas vazias da ninguenzada. O dinheiro não podia sufocar tal iniciativa! Repartiu, mas apanhou de seu pai que o prendeu num cárcere privativo e familiar.
Francisco percebeu que o dinheiro ajunta e separa. Domina e descrimina. Traz a primazia de interesses privados sobre o bem comum. Valores econômicos nem sempre convivem tranquilamente com valores humanos. O amoralismo do sistema econômico causa desmoralização e desumanização. Claro que Francisco não negou a esmola quando a ofereceram, teve amigos ricos que contribuíram muito para o sustento da sua fraternidade primitiva, assim como o capital sustenta através dos tempos pesquisas, descobertas e prosperidades da população mundial, e até as igrejas.
Francisco não gostava da miséria imerecida, e saiu distribuindo justa e equitativamente os bens, conforme o inspirava sua amada, a Senhora Dona Pobreza. O seu desapego era mais de deixar o que tinha à disposição de todos e conceder a todos os meios suficientes para adquiri-los. Quando a humanidade não divide franciscanamente, experimenta estas crises cíclicas de ter muito e não ter nada. Francisco preferiu viver a serenidade do apenas necessário que nunca termina.
Francisco não amontoou dinheiro para não amontoar poder. É melhor ter uma força igual nas mãos de muitos do que uma força desigual nas mãos de poucos. Ele não quis ser um administrador de bens alheios, mas um mendicante da mesa do Senhor, único dono de todos os bens.
Francisco não fez concorrência, mas realizou convivência. Não foi um senhor do crédito e do lucro, mas um irmão que dividiu o pão e pedaços da própria roupa, incondicionalmente.
Amou toda a riqueza das obras deste mundo doadas pelo Autor da Vida, e não vendeu água, terra, ar e flores. Não vendeu eucaliptos e metros quadrados de seu claustro, que tinha o tamanho do mundo.
O seu modo atraente de viver valorizou as criaturas todas. Amor não tem preço. O Cântico do Sol é pura gratuidade. Dali nasce o vapor, a energia elétrica, a força do átomo, as ondas misteriosas dos sistemas de comunicação. A alegria de Francisco está em não comercializar os bens da natureza como exploração e ganância. Ele não usa, mas convive a agradece. Não entrega a Irmã e Mãe Terra às garras da cobiça e da violência que impõe cercas, limites e militância. Não usaria o Irmão fogo para derreter ouro e prata, forjar armas mortíferas.
Certamente Francisco hoje teria dificuldade para ser um neo convertido, um consumidor religioso de objetos sagrados e excursões piedosas; mais emocional do que real, mais espetáculo litúrgico do que uma experiência real do Altíssimo, Onipotente e Bom Senhor!
Passaria chorando pelas ruas de nossas cidades, assim como chorou nas estradas da Úmbria: “O Amor não é amado”. O Amor é comprado, vendido, trocado e usado para preencher miséria corporal e espiritual. Francisco não é moeda, é ícone de partilha... Francisco não tinha medo do dinheiro, mas do abuso e da escravidão que ele cria. Francisco não tinha medo de produto, de mercadoria, de patrimônio, o que ele temia é que isto tudo vive de altos e baixos, instabilidade, especulação. Ele queria era ter a firmeza de escolher o melhor e o de mais valia. O Bem, o Sumo Bem, o Bem que não termina. Dinheiro não garante nada, fraternidade sustenta tudo.
Francisco é um louco, leve, livre, paradisíaco e matinal que não vive a neurose das preocupações, investimentos, ações, terrenos, prédios, propriedades, máquinas, extratos e planilhas. Ele só tinha um hábito, uma sandália e foi longe. Hoje, temos tanto e não saímos do lugar. A comunidade, o convento, a casa, Província e Ordem não podem andar porque não tem onde colocar tanta coisa, tantos objetos, ou fica muito pesado para carregar, ou diminui o tamanho da estrada. Com muito peso não se vai muito longe. Francisco não tinha nem breviário, por isso não precisou fazer mudança com biblioteca inteira.
A sua Irmã Santa Clara pediu o Privilégio da Pobreza para guardar o Único tesouro necessário. Francisco pediu as núpcias com a Senhora Pobreza para que na sua casa todos tivessem lugar: o poderoso Inocêncio III, o simples Frei Egídio, o Conde Orlando, o Leproso, a Porciúncula, o Imperador Otão IV, o ladrão comovido, a irmã Jacoba, o cavaleiro, o camponês, o teólogo e o verme da estrada. Ele não olhou a desigualdade do bolso e da bolsa, olhou a irmandade que nivela a todos no mesmo Amor. Ele não ajuntou tesouro para si, mas colocou tudo em comum. Reconstruiu a casa, com calos nas mãos, tijolos, uma Cruz que espiava a obra com olhar de aprovação, um punhado de irmãos e irmãs e muita bênção.
Texto de
Vitório Mazzuco Fº,
publicado em 26 fev. 2010,
disponível em http://carismafranciscano.blogspot.com/2010/02/bloco-de-ideias-sobre-sao-francisco-e.html,
acesso em 28 fev. 2010.

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