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segunda-feira, 15 de março de 2010

Dom Romero, Mártir

Antônio Mesquita Galvão *

Adital -

"Tenho sido freqüentemente ameaçado de morte.
Devo dizer a eles que, como cristão,
não creio na morte sem ressurreição:
se me matarem, ressuscitarei no povo salvadorenho".
(Dom Óscar A. Romero)


Neste mês de março de 2010 a Igreja da América Latina celebra os trinta anos do martírio de Dom Oscar Romero († 1980), Arcebispo de El Salvador, assassinado pela repressão de extrema-direita que oprimia a nação após um execrável golpe de estado. El Salvador tinha um governo ditatorial, que foi derrubado por outro golpe de extrema-direita, realizado por uma "junta governativa", composta por militares e civis, e apoiada pelos Estados Unidos. Como a opressão e a injustiça aumentaram, o Arcebispo Romero se insurgiu contra esse estado de coisas, que esmagava o povo, composto em sua maioria de pobres, índios e pequenos lavradores.

Enquanto padre, Oscar Romero era um burocrata, homem mais de sacristias e bibliotecas do que de uma atuação pastoral propriamente dita. Tanto que, por conta de seu perfil tímido e pouco combativo é que foi designado pelo Vaticano para ser bispo, porque o que menos as cortes romanas queriam naquele momento era a ascensão de alguém que postulasse a causa dos pobres e dos oprimidos, pois a Igreja da América Latina era, em sua maioria, naquela década, aderente à Teologia da Libertação.

É curioso que a conversão de Dom Romero, pelo menos à causa dos pobres e dos explorados - uma classe de maioria nas terras de El Salvador - ocorreu depois de sua nomeação para as funções de bispo. Ele pode sentir a miséria do seu povo e violência dos poderosos, que - como em muitos paises do Continente - matavam ou faziam desaparecer líderes, camponeses, padres, agentes de pastoral e tantos quantos fizessem fretenir suas vozes em defesa do povo esmagado.

Apesar de ameaças, perseguições e boicotes, o bispo tornava suas palavras, em homilias, pregações e discursos, cada vez mais candentes, dirigidas e corajosas, denunciando tudo o que era feito no país, como uma violação aos direitos do povo e à ética nacional. Dom Oscar Romero revestiu-se de uma coragem profética que faltou à maioria dos bispos da América, inclusive no Brasil, também dominado pelo tacão de uma ditadura militar, onde se destacou o destemor de Dom Helder, Dom Paulo Evaristo Arns, Dom Pedro Casaldáliga, Dom José Maria Pires e poucos outros que tiveram coragem de dizer que aquilo (prisões, cassações, expurgos, tortura e mortes) era um crime, contrário ao projeto de Deus.

Depois da morte de seu ajudante, o jesuíta Rutillo Grande Garcia († 1977), Romero passou a acusar frontalmente os poderes, governantes, militares e ricos, responsabilizando-os de todos os males ocorrentes no país. Ora, depois dessa atitude de afronta ao poder político-econômica que se julgava dono de El Salvador, os dias do pastor estavam contados.

O padre Rutillo (pronuncia-se Rutílio) fez muitas denúncias contra a situação de pobreza do povo, a insensibilidade das elites e a violência do governo. Numa homilia proferida a 13 de Fevereiro de 1977 (ele seria assassinado trinta dias depois), ele bradou: "A Eucaristia que estamos celebrando hoje, alimenta este nosso ideal de uma mesa comum para todos, com um lugar para cada um e Cristo no meio". A 12 de Março seguinte, quando se dirigia para a sua terra natal com outros cristãos para preparar uma festa religiosa, foi morto por militares, com uma rajada de metralhadora. Dom Oscar Romero afirmou que foi o exemplo do padre Rutillo e a sua morte que o convenceram a colocar-se decididamente ao lado dos pobres e dos injustiçados de El Salvador.

Um grupo de bispos latinoamericanos, em março de 1980, na cerimônia dos funerais de dom Romero, assinou um documento que dizia: "Três coisas admiramos e agradecemos no episcopado de dom Oscar Romero: foi, em primeiro lugar, anunciador da fé e mestre da verdade [...]. Foi, em segundo lugar, um resoluto defensor da justiça [...]. Em terceiro lugar, foi o amigo, o irmão, o defensor dos pobres e oprimidos, dos camponeses, dos operários, dos que vivem nos bairros marginalizados".

A história da vida, trabalho e martírio de Oscar Arnulfo Romero Galdámez hoje faz parte da caminhada da Igreja da América Latina, de seu martirológio e dos atos da missão cristã no Continente.

El Salvador é o menor país da América Central, com apenas 21 mil quilômetros quadrados e um PIB insignificante, a renda per capita é de US$ 1.045/ano, uma das piores qualidades de vida da América Latina. Mais de 90% da população, de cerca de seis milhões de habitantes, é constituída de mestiços.

Em 12 de maio de 1994 a Arquidiocese de San Salvador pediu permissão ao Vaticano para iniciar o processo de canonização de Dom Oscar Romero. O processo diocesano foi concluído em 1995 e enviado à Congregação para a Causa dos Santos em 1997, no Vaticano, que em 2000 o transferiu à Congregação para a Doutrina da Fé (então dirigida pelo cardeal alemão Joseph Ratzinger, atual Papa Bento XVI) para que analisasse os escritos e homilias de Dom Oscar Romero. Terminado a análise, em 2005, o postulador da causa de canonização, Dom Vicenzo Paglia, informou aos meios de comunicação as conclusões do estudo: "Romero não era um bispo revolucionário, mas um homem da Igreja, do Evangelho e dos pobres". O processo seguirá novos trâmites burocráticos, que poderão elevar oficialmente Oscar Arnulfo Romero à honra dos altares como o primeiro santo e mártir de El Salvador.

Enquanto o processo de canonização segue em passos de tartaruga em Roma, para a indignação de muitos cristãos, o povo salvadorenho, da América Central e de todo Mundo já considera Romero um santo, mártir e profeta das Américas e do Mundo. Ao seu túmulo, sob a catedral de San Salvador, acorre diariamente muita gente peregrina agradecendo a ele graças recebidas e buscando forças e inspiração para seguir sendo discípulo dele na luta por justiça e paz.

Hoje existem, em vários pontos da América Latina, casas de formação religiosa que homenageiam o prelado salvadorenho, como, por exemplo, o Seminário Maior Dom Oscar Romero, de Balsas, no Maranhão.

Ao visitar o túmulo de Dom Oscar Romero, dia 16 de abril de 2009, fui tomado por uma emoção muito grande. De repente, chegou um senhor, aparentando uns 60 anos de idade, que de joelhos, rezava sem parar. Após uns 15 minutos de oração, quando ele se levantou, eu me aproximei dele e o cumprimentei dizendo que era brasileiro, discípulo de Romero. Perguntei, após saudá-lo, "o que significa Dom Oscar Romero para o senhor?" Luiz Alonso começou a dizer:
"Monsenhor Romero é um santo, um mártir, um profeta, já reconhecido por todo o povo salvadorenho e pelo mundo todo. Somente o Vaticano ainda não o reconheceu como santo. Venho diariamente ao túmulo de Monsenhor Romero rezar, agradecer e renovar inspiração para seguir a luta que ele enfrentou na defesa dos pobres perseguidos pela elite deste país. Monsenhor era um verdadeiro pastor. Em uma perna, dava acolhida a uma pessoa que estava chorando porque a Guarda Nacional tinha matado seu filho, na outra perna acolhia outra pessoa que desesperada procurava um parente desaparecido. Em suas homilias, Monsenhor era a voz dos sem voz. Ele teve a coragem de enfrentar o sistema de morte que imperava aqui no país. Com Romero, podemos dizer: Agora, podemos! Ele está vivo, ressuscitado no povo salvadorenho!". (Texto de Frei Gilvander, carmelita, mestre em Exegese Bíblica, professor de Teologia Bíblica; assessor de CEBs, CPT, CEBI, SAB e Via Campesina; e-mail: gilvander@igrejadocarmo.com.br

Os discursos e homilias de Romero, como peças de apostolado e profecia estão gravados na memória da Igreja e no coração do povo salvadorenho e latino-americano. A leitura desses textos serve de mote para pregações, admoestações e inspiração para todos que busquem a edificação espiritual.

"Irmãos, como gostaria de gravar no coração de cada um esta grande idéia: o cristianismo não é um conjunto de verdades que se deve crer, de leis que temos que cumprir, de proibições! Isto se torna repugnante! O cristianismo é uma pessoa, que me ama tanto, e que reclama meu amor. O cristianismo é Cristo" (06/11/1977).

Suas pregações não eram coisas sofisticadas, cheias de palavras difíceis e intrincadas construções teológicas. Ele falava a linguagem simples do povo.

"Que beleza será o dia em que cada batizado compreenda que sua profissão, seu trabalho é um trabalho sacerdotal; que assim como eu vou celebrar a missa neste altar, cada carpinteiro celebre sua missa no banco da carpintaria, cada encarregada da colheita de folhas, cada profissional, como médico com seu bisturi, a senhora que atende no mercado, estão exercendo um ofício sacerdotal. Quantos motoristas sei que escutam em seus táxis, diariamente a Palavra. Pois você, caro taxista, junto a seu volante, é um sacerdote se trabalhar com honradez, consagrando a Deus seu carro, levando uma mensagem de paz e de amor aos clientes que vão no seu carro" (20/11/1977)

A incoerência de muitos, ontem como hoje, lá como aqui, era denunciada de modo contundente, numa crítica entre a disparidade do falar e do agir.

"Uma religião de missa dominical, mas de semana injusta, não agrada ao Senhor. Uma religião de muitas rezas e tantas hipocrisias no coração, não é cristã. Uma Igreja que se instala só para estar bem, para ter muito dinheiro, muita comodidade, mas que se esquece do clamor das injustiças, não é verdadeiramente a Igreja do nosso divino Redentor" (04/12/1977).

As elites e as oligarquias sociopolíticas, sem a devida sensibilidade de aderir ao sofrimento dos pobres, dos famintos e dos injustiçados, nunca titubeou em denegrir a atividade dos apóstolos, nem nunca deixou de desmerecer a conduta dos profetas.

"Quando se dá pão ao faminto, nos chamam de santo; se perguntamos as causas porque o povo tem fome, nos chamam de comunistas ateus" (15/11/1978).

"Quando nos chamarem de loucos, ainda que nos chamem de subversivos, comunistas e todas as ofensas que assacam contra nós, sabemos que não fazem mais do que pregar o testemunho ‘subversivo’ das bem-aventuranças, que anima a todos para proclamar que os bem-aventurados são os pobres, bem-aventurados os sedentos de justiça, bem-aventurados os que sofrem" (11/05/1978).

Os ricos e poderosos, nunca digeriram a assimetria de seu estado de abastança que estabeleciam um confronto com a penúria dos pobres, famintos e marginalizados. Para eles seria interessante que o pobre continuasse pobre, calado e sem alguém que intercedesse por ele. As elites sociais, religiosas e oficiais sempre quiseram nos fazer crer que a pobreza é vontade de Deus.

"Muitos desejariam que o pobre sempre dissesse que é pobre porque ‘é vontade de Deus’ ser pobre. Não é vontade de Deus que uns tenham tudo e outros não tenham nada. Uma idéia assim não pode ser de Deus. De Deus é a vontade que todos seus filhos sejam felizes" (10/09/1978).

"Muitos se dizem cristãos, mas tem mais fé em seu dinheiro e em suas coisas que em Deus, que construiu as coisas e o dinheiro" (03/06/1979).

Sentindo a opressão sobre aquele segmento da Igreja que profetizava as denúncias contra as injustiças, Romero deu alento aos seguidores de Jesus.

"Uma Igreja que não sofre perseguições, e que está desfrutando os privilégios e o apoio da burguesia, não é a verdadeira Igreja de Jesus Cristo" (11/03/1979).

Assim como Moisés criticou as obras suntuosas dos faraós, Romero condenou a construção de prédios, públicos e privados, que não serviam à causa de todos.

"De que servem belas estradas e aeroportos, belos prédios de muitos pisos, se estão construídos sobre o sangue dos pobres que jamais vão desfrutar deles" (15/07/1979).

Romero nunca foi contra a riqueza. Combateu, isto sim, a acumulação desenfreada, a ambição e aquilo que João Paulo II denunciara a partir do encontro de Puebla (1979): a existência de ricos cada vez mais ricos à custa de pobres cada vez mais pobres. Aos que acusaram - como sempre sucede aos profetas - de "comunista" temos o veredicto de Ratzinger (hoje Bento XVI) que leu todos os seus discursos, homilias e demais escritos, tachando-os de "puro cristianismo" com absoluta fidelidade ao evangelho de Jesus.

"Não é um privilégio para a Igreja estar de bem com os poderosos. O privilégio da Igreja é este: sentir que os pobres a sentem como sua, sentir que a Igreja vive uma dimensão na terra, chamando a todos, também os ricos, à conversão e à salvação a partir da ótica dos pobres, porque eles são unicamente bem-aventurados (17/02/80).

"Não nos cansemos de denunciar a idolatria da riqueza que consolida em muitos o valor do ‘ter’ e faz esquecer que a verdadeira grandeza é ‘ser’. Nada vale ao homem pelo que tem, mas pelo que ele é" (04/11/1979).

Apesar do caos que imperava na sociedade salvadorenha, o epíscopo-profeta tinha esperanças numa restauração social, política e religiosa, à luz do evangelho.

"Que formoso será o dia em que uma sociedade nova, em vez de armazenar e guardar de forma egoísta, partilhe, reparta e se doe, alegrando a todos, porque todos nos sentimos filhos do mesmo Deus. Que outra coisa deseja a Palavra de Deus neste ambiente salvadorenho, senão a conversão de todos para que nos sintamos irmãos" (27/01/1980).

A esperança era a tônica do seu discurso.

Sobre a terra, o Reino já está misteriosamente presente; quando o Senhor vier, atingirá a perfeição (GS 39).

"Esta é a esperança que nos alenta, todos os cristãos. Sabemos que todo o esforço por melhorar uma sociedade, sobretudo quando está tão imersa na injustiça e no pecado, é um esforço que Deus quer, abençoa e exige de nós" (24/04/1980)

Quando sentiu que sua atuação o colocava em rota de colisão com os poderosos (empresários, latifundiários, banqueiros, militares) ele sentiu que seu fim estava próximo, e sempre demonstrou que, por causa de sua fé, não temia a morte.

"Tenho sido freqüentemente ameaçado de morte. Devo dizer a eles que, como cristão, não creio na morte sem ressurreição: se me matarem, ressuscitarei no povo salvadorenho".

"Digo isso sem nenhuma ostentação, mas com grande humildade. Como pastor, sou obrigado, por mandado divino, a dar a vida por aqueles a quem amo, que são todos os salvadorenhos, inclusive aqueles que vão me assassinar. Se chegarem a cumprir as ameaças, desde agora ofereço a Deus meu sangue pela redenção e ressurreição de El Salvador".

"O martírio é uma graça de Deus, que não creio merecer, porém, se Deus aceitar o sacrifício de minha vida, que meu sangue seja semente de liberdade e sinal de que a esperança se transformará logo em realidade".

Oscar Romero, como foi dito, não temia a morte. Ele conhecia, pela meditação da Palavra, que este era o destino do profeta. Quanto mais criticava a injustiça, mais era ameaçado pelos injustos. Ele apenas lamentava a falta de apoio por parte de alguns irmãos do episcopado, que chegaram a escrever para Roma, denunciando-o como "marxista". Ele sabia que sua morte serviria para a libertação do povo.

"Minha morte, se aceita por Deus, que seja para a libertação do meu povo e sirva como testemunho de esperança no futuro". Vocês podem escrever: "se chegarem a me matar, desde já eu perdôo e abençôo aquele que o fizer. Desta maneira se convencerão que perdem seu tempo. Um bispo morrerá, mas a Igreja de Deus, que é o povo, nunca perecerá" (entrevista concedida ao Diário Excelsior do México, em março de 1980, duas semanas antes de sua morte).

Como de resto em toda a América Latina de ontem e de hoje, o Judiciário era falho, moroso, comprometido e pouco transparente. Ele acusou a Justiça de seu país de ser parcial: "A justiça é como as serpentes: apenas morde os descalços."

Dou abaixo um fragmento da última homilia de Dom Romero, proferida na véspera de seu assassinato.

"Frente à ordem de matar seus irmãos deve prevalecer a Lei de Deus, que afirma: Não matarás! Ninguém deve obedecer a uma lei imoral (...). Em favor deste povo sofrido, cujos gritos sobem ao céu de maneira sempre mais numerosa, suplico-lhes, peço-lhes, ordeno-lhes em nome de Deus: cesse a repressão!" (23 de março de 1980).

Estas seriam as últimas palavras do bispo ao país. Foi sua última homilia, carregada de tons proféticos, rico do mais puro conteúdo evangélico. No dia seguinte, ele é assassinado por um franco-atirador (há quem diga que era um agente da CIA), enquanto celebrava uma missa na capela do Hospital da Divina Providência. O arcebispo é atingido pelo tiro no momento em que erguia o cálice com o vinho consagrado. Ao cair, o sangue de Cristo se mistura com o sangue do mártir, numa comunhão perfeita, prenúncio da comunhão definitiva. O suposto mandante do crime, major Roberto D’Aubuisson, é reconhecido como responsável, mas, como acontece em muitos lugares, ele nunca foi punido.

A seguir, as palavras de Dom Samuel Ruiz Garcia, bispo emérito de San Cristóbal de Las Casas, Chiapas, México sobre o colega assassinado.

"Dom Romero foi um bispo exemplar, porque foi um bispo dos pobres em um continente que carrega tão cruelmente a marca da pobreza das grandes maiorias, enxertou-se entre eles, defendeu sua causa e sofreu a mesma sorte deles: a perseguição e o martírio. Dom Romero é o símbolo de toda uma Igreja e de um continente latino-americano, verdadeiro servo sofredor de Yahwé, que carrega o pecado, a injustiça e a morte de nosso continente. Embora, às vezes, o pressentíamos, seu assassinato não nos surpreendeu; seu destino não podia ser outro, pois ele foi fiel a Jesus e se inseriu de verdade na dor de nossos povos".

Oscar Arnulfo Romero y Guadamez nasceu em 15 de agosto de 1917, em Ciudad Barrios, em El Salvador. Sua família era numerosa e pobre. Quando criança, sua saúde inspirava cuidados. Com apenas 13 anos entrou no seminário. Foi para Roma completar o curso de teologia com 20 anos e se ordenou sacerdote, em 1943. Retornou a El Salvador, na função de pároco. Era um sacerdote generoso e atuante: visitava os doentes, lecionava religião nas escolas, foi capelão do presídio; os pobres carentes faziam fila na porta de sua casa paroquial, pedindo e recebendo ajuda. Durante 26 anos, na função de vigário, padre Oscar Romero conheceu a miséria profunda que assolava seu pequeno país.

A maioria dos países sulamericanos, inclusive o Brasil, vivia duras experiências de cruentas ditaduras militares, na década de 1970. Também para El Salvador era um período de grandes conflitos. Em 1977, padre Oscar Romero foi nomeado Arcebispo de El Salvador, chegando à capital com fama de conservador. No fundo era um homem do povo, simples, de profunda sensibilidade para com os sofrimentos da maioria, de firme perspicácia aliada à coragem de decisão.

Em 1979, o presidente do país foi deposto por um golpe militar. A ditadura se instalou no país e, pouco a pouco, se acirrou a violência, através de perseguições, prisões, torturas e mortes. Reinou o caos político, econômico e institucional no país. De janeiro a março de 1980 foram assassinados 1015 salvadorenhos. Os responsáveis pertenciam às forças de segurança e às organizações conservadoras do regime militar instalado no país.

Nessa ocasião, dois sacerdotes foram assassinados violentamente por defenderem os camponeses, que foram pedir abrigo em suas paróquias. Dom Romero teve que se posicionar e, de pronto, se colocou no meio do conflito. Não para aumentá-lo, mas para ajudar a resolvê-lo. Esta atitude revelou o quando sua espiritualidade foi realista e o seu coração, sereno e obediente ao Evangelho.

No dia 24 de março de 1980, Dom Romero foi fuzilado, em meio aos doentes de câncer e enfermeiros, enquanto celebrava uma missa na capela do Hospital da Divina Providência, na capital de El Salvador.

Sua ação pastoral visava ao entendimento mútuo entre os salvadorenhos. Criticava duramente tanto a inércia do governo, as interferências estrangeiras, como as injustiças praticadas pelas oligarquias da elite e dos grupos "revolucionários". O Arcebispo Romero foi fiel a Igreja, e pagou com a vida o preço de ser discípulo de Cristo. O seu nome foi incluído na relação dos 1015 salvadorenhos que foram assassinados, em 1980. Sua morte serviu para alertar o país e o mundo sobre as questões de El Salvador. Se não ficou tudo "às mil maravilhas", muita coisa foi corrigida e encaminhada para uma harmonização.

SÃO ROMERO DE AMÉRICA PASTOR E MÁRTIR
O anjo do Senhor anunciou na véspera...
O coração de El Salvador marcava
24 de março e de agonia

Tu ofertavas o Pão, o Corpo Vivo
o triturado Corpo de teu Povo:
Seu derramado Sangue vitorioso
O sangue "campesino" de teu Povo em massacre
que há de tingir em vinhos e alegria a Aurora conjurada!

E soubeste beber o duplo cálice
do Altar e do Povo,
com uma só mão consagrada ao Serviço.

O anjo do Senhor anunciou na véspera
e o verbo se fez morte, outra vez, em tua morte.
Como se faz morte, cada dia, na carne desnuda de teu Povo.

E se fez vida Nova
Em nossa velha Igreja!
Estamos outra vez em pé de Testemunho,
São Romero de América, pastor e mártir nosso!
Romero de uma Paz quase impossível, nesta Terra em guerra.
Romero em roxa flor morada da Esperança incólume de todo Continente
Romero desta Páscoa latino-americana.

Pobre pastor glorioso,
assassinado a soldo, a dólar, a divisa.
Como Jesus, por ordem de Império.
Pobre pastor glorioso, abandonado
por teus próprios irmãos de Báculo e de Mesa.
(As Cúrias não podiam entender-te:
Nenhuma Sinagoga bem montada pode entender a Cristo)
(Poema "São Romero de América" de Dom Pedro Casaldáliga, bispo emérito da Prelazia de São Félix do Araguaia).

A vida de Dom Oscar Romero pode ser vista no vídeo "Romero", (só existe em VHS), distribuído pela Warner. Não deixem de ver o filme para conhecer a história desse mártir da América Latina. É um tema rico para reflexão, meditação e despertar um sentido missionário em todos, a partir da juventude.

* Doutor em Teologia Moral

Extraído de http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=45999 acesso em 15 mar. 2010.
Ilustração: Mural con la imagen de Monseñor Óscar Arnulfo Romero, ubicado en el Edificio Histórico de la Facultad de Jurisprudencia y Ciencias Sociales de la Universidad de El Salvador / Pedro Nonualco. 2007. Disponível em http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Mural_Oscar_Romero_UES.jpg acesso em 15 mar. 2010.

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