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sexta-feira, 16 de abril de 2010

Porto Alegre: Texto Base do 26º Encontro Arquidiocesano de CEBs

1- VER:

Sob o grito “Mãe Terra Precisamos de Ti!” Iniciamos nossa reflexão sobre a urgência de despertar nossos sentidos para possibilitar a percepção não apenas dos fenômenos que a cada dia afloram na nossa Casa Grande, mas acima de tudo desvendar os mistérios causais que originam tamanho mal estar e partirmos para uma ação transformadora de nossa vida, da nossa comunidade e sociedade. Iniciemos dando atenção aos clamores da natureza que ecoam pelos quatro cantos da terra: São enchentes que alagam e arrasam grandes cidades como as de Santa Catarina, São Paulo e Rio de Janeiro. Na Bolívia, em janeiro as enchentes atingiram mais de 22 mil famílias. Em março morreram 35 pessoas nas enchentes no Afeganistão. Na china, região da Mongolia, foi necessário bombardear rios congelados para que fossem evitadas inundações por causa das fortes chuvas de março.

Só esse ano Já teve pelo menos 10 terremotos ao redor do mundo, sem contar o terremoto ocorrido no Brasil, no Haiti, na Venezuela e por último no México. Centenas e milhares de pessoas foram engolidas pelo peso dos escombros e lama. E os tsunamis: Em setembro de 2009 no sul do pacífico ondas de seis metros devastaram vilarejos do arquipélago de Samoa, na Oceania. Clamores da Mãe terra que já não agüenta mais tanta agressão.

Feriadão de Ano-Novo termina com 42 assassinatos no RS. Em média, uma pessoa foi assassinada a cada cinco horas em 2008 no Rio Grande do Sul. Foram registrados 1.641 homicídios no Estado, ultrapassando a marca de 2007 em 4,4%, quando 1.572 vítimas perderam a vida de forma violenta. Os números fazem parte de um balanço divulgado no site da Secretaria da Segurança Pública. Dos 10 municípios que concentraram mais ocorrências do tipo, sete estão na Região Metropolitana. A Capital aparece em primeiro lugar, com 406 homicídios, seguida de Viamão (83) e de Canoas (80). Clamores de vidas ceifadas. Grande parte delas envolvidas com o sub mundo das drogas e da violência.

Essas e tantas outras notícias são divulgadas diariamente nos Meios de Comunicação Social. Já nos acostumamos com elas e, raras vezes nos fazem parar para pensar na vida. Pensar nas causas disso tudo. Nos chocamos quando elas nos atingem diretamente. Como é o caso da heróica e santa morte de Zilda Arns, a fundadora da Pastoral da Criança. Nos chocou pelo vínculo que nos une: fé, prática social, prática pastoral...pelo seu exemplo de luta em favor das crianças e idosos. Mas, talvez até esse fato seja algo do passado. Um passado próximo, que não nos toca mais. O que dizer das mais de 100 lideranças que tombaram com ela em missão? E os milhares de haitianos que ainda sofrem as conseqüências do terremoto! Clamores distantes que quase não chegam até nós. E se chegam pouco nos comovem! E se nos comovem ficamos inertes diante da aparente distância que nos separam.

Chegamos a um estágio tal que pequenas situações não nos comovem mais. São necessárias grandes catástrofes para que nos lembremos da fragilidade de nossas vidas. Da fragilidade do nosso planeta. Que se visto de longe de qualquer outro ponto da galáxia não passa de um ponto. Como outro ponto qualquer. Mas é nesse ponto que nós vivemos e nos movemos. É nele que existe seres humanos capazes de provocar estrondosas catástrofes e destruições. São necessárias mortes como as de Isabela, estrangulada e jogada pela janela para que nos demos conta de que crianças são maltratadas.

De acordo com dados da Sociedade Internacional de Prevenção ao Abuso e Negligência na Infância (Sipani), 12% das 55,6 milhões de crianças menores de 14 anos são vítimas de alguma forma de violência doméstica por ano no Brasil. O número corresponde a uma média de 18 mil crianças por dia. Onde vivem essas crianças? A impressão que se tem é de que elas não vivem no nosso Brasil. Pelo menos não próximo às nossas comunidades, uma vez que, com raras exceções ficamos sabendo disso através de nossa participação nas Missas e celebrações dominicais. Tampouco através dos inúmeros encontros de catequese que são realizados todas as semanas nas milhares de comunidades católicas do Brasil. Clamores surdos que não são ouvidos. E quando ouvidos não são escutados, tampouco acolhidos.

“O Estado de São Paulo” de 23 e 24 de novembro de 1997 sobre “abuso sexual doméstico”, traz dados e resultados de entrevistas com pesquisadores e vitimizados. Estudos do IML de São Paulo, presentes na reportagem, feitos por Carlos Alberto Diêgoli mostram que das “2.043 queixas de abuso sexual feitas em 1995, 69,77% envolvem garotas menores de 18 anos. O pesquisador, segundo a reportagem, avalia que possam existir 17.000 casos de violência desse tipo em São Paulo, supondo que apenas de 10 a 15% dos casos sejam revelados.

- Dados estatísticos da Violência no Brasil:
- 70% dos incidentes de violência contra a mulher ocorreram no lar, praticados por maridos/parceiros. 40% desses casos caracterizam-se por lesões graves (dados do Banco Mundial).
- Violência conjugal: agressão psicológica (78,3%), abuso físico (34,4%), sendo 12,9% graves. Inquérito realizado em 15 capitais brasileiras e no Distrito Federal, 2002/2003. (Cad. Saúde Pública, 2006).
- Maridos e companheiros foram os responsáveis por 87% dos casos de violência doméstica contra as mulheres no Brasil. Essa violência começou antes dos 19 anos de idade para 35% dessas mulheres e é uma prática de repetição para 28%. Pesquisa nacional (DataSenado - Senado Federal, 2007 ).

Clamores de mulheres, meninas e mães não ouvidas, tão pouco refletidas e rezadas nas inúmeras memórias de Jesus morto e ressuscitado praticadas todos os domingos nas inúmeras casas de oração espalhadas pelos quatro cantos desse imenso país.

Clamores de tantas pessoas desempregadas, sem terra, sem casa, sem saúde, sem lazer, sem o direito à educação ao lazer e ao esporte. Precisamos de Ti Mãe Terra. Precisamos de ti mulher, criança, homem, menino, irmão e irmã. Precisamos de ti sadia, harmônica, cheia de vida e esperança. Não degradada, desgraçada, nem dilacerada. Por isso precisamos fazer uma profunda avaliação de nossas atitudes. Mudança de paradigma. Mudança de vida. Não só de aguçar nossa percepção, mas acima de tudo de mudança de prática humana e Cristã. Mudança de modelos. Modelos de vida. Modelos de entendimentos e relacionamentos no ambiente intra-familiar, social e eclesial.

Nesse 26º Intereclesial de Comunidades quem sabe seja o momento de nos permitir olhar e analisar nossa dimensão eclesial. Para isso trazemos uma figura que pode ilustrar nossa concepção de Igreja. Nosso entendimento do que é ser cristão católico. Qual nosso real compromisso com a Vida. Trata-se da figura de comunidade construída pelos primeiros cristãos e testemunhada em Atos 2, 42-47. Nos encontros de formação das CEBs nos anos 80 falávamos muito das quatro pernas da mesa. A figura que ilustra bem nossa prática cristã pode ser o “Trevo da Sorte”. Ele trás o número 4 como o número da perfeição e da harmonia. São as 4 dimensões da Igreja: A dimensão evangelizadora, a dimensão catequética, a dimensão da comunhão e a dimensão litúrgica. Podemos comparar essas quatro dimensões como as quatro folhas do trevo. Ambas tem o mesmo tamanho. As quatro dimensões de nossa prática cristã também deveriam ser do mesmo tamanho. As nossas comunidades cristãs também deveriam apresentar uma forma harmônica entre as quatro dimensões da Eclésia transmitida pelos primeiros cristãos.

Talvez, sob o ponto de vista da prática religiosa, a ausência dos clamores da Mãe terra e os clamores de tantas crianças e mulheres vítimas de violências esteja no modelo de vida eclesial que aprendemos e praticamos: um modelo de vida cristã voltada para uma ou duas das dimensões acima e quem sabe um pouco desfocadas do Centro que as unem: JESUS. O homem de Nazaré que se revelou o Filho de Deus da Vida, após a experiência da morte e ressurreição.

2- JULGAR:

Estamos numa época de muita violência contra a natureza e o ser humano. Sabemos que essa violência é fruto do modelo econômico e político no qual estamos inseridos. Do ponto de vista econômico o capital exige cada vez mais lucro. E a corrida desenfreada pelo lucro não respeita a capacidade reprodutora dos recursos naturais e nem o direito do ser humano de viver dignamente. Por outro lado, o sistema político vigente, nos seus diversos níveis, não consegue direcionar a economia e a sociedade na construção do bem comum em nível de ecologia ambiental e de ecologia humana. A encíclica Solicitudo Rei Socialis denomina essa postura econômica e política de pecado social e aponta duas características do mesmo: “por um lado, a avidez exclusiva do lucro; e, por outro lado, a sede de poder, com o objetivo de impor aos outros a própria vontade. A cada um destes comportamentos pode juntar-se, para os caracterizar melhor, a expressão: “a qualquer preço” (37). Daí que muitas decisões da economia e da política, tem como pano de fundo, “verdadeiras formas de idolatria: do dinheiro, da ideologia, da classe e da tecnologia” (SRS 37 3):

Diante da violência contra a natureza e o ser humano promovido pelo sistema econômico e político as CEBS tem uma missão. Ela está fundamentada na visão divina da missão da natureza e do ser humano. E na prática de Jesus que veio instaurar o Reino de Deus na face da terra.

Deus criou a natureza. Ele é seu dono. E Deus criou tudo para estar a serviço de todos os seres humanos (Gn 1, 1ss; Sl 94; Gn 9, 3). Ao ser humano Deus deu a missão de cuidar da natureza. Esse cuidado exige do ser humano uma relação adequada com todos os seres criados. Todos saíram das mãos de Deus e fazem parte do desígnio do Criador. Por isso, tudo o que foi criado carrega consigo os vestígios do Criador. São Francisco, mais do que ninguém, entendeu que tudo o que foi criado saiu das mãos de Deus e, por isso, chama os seres criados de irmãos: irmão sol, irmã lua, irmão lobo, irmã laranjeira... Nesse sentido, todos os seres que existem na terra formam a fraternidade universal e cósmica.

Jesus recebeu de seu Pai a missão de proporcionar vida em abundância para todos (Jo 10, 10). Nela os pobres são privilegiados (Lc 4, 14-21). A vida em abundância tem uma dimensão pessoal que inclui a fé e a conversão (exige partilha de bens: caso de Zaqueu) ao Evangelho (Mc 1, 15) e uma dimensão social que liberta da doença, da fome e da exclusão social (Lc 4, 1ss; 6, 20-26; Mt 25, 41ss). Na dimensão social está incluída também a denúncia profética de Jesus contra a lei religiosa que não leva em conta a justiça e a misericórdia (Mt 23, 23); contra o poder usado para dominar e explorar (Mc 10, 41-45); contra os ricos que excluem Deus e o próximo de seu projeto de vida pessoal e social (Mt 19, 23; 13, 22; Lc 16, 19-31).

A mensagem de Jesus sobre os bens materiais, a partir de sua vida e de sua missão, é bem clara: eles só têm sentido, na medida em que estiverem a serviço da vida de todos, de modo preferencial, a serviço da vida dos pobres e excluídos.

O ponto de partida da Igreja para indicar a correta relação do ser humano com os bens da terra está fundamentado no princípio da destinação universal dos bens. Ele tem sua base de sustentação na Bíblia. Nela a terra é concebida como dom de Deus para todos. Daí provém o princípio da destinação universal dos bens. A Igreja o descreve da seguinte forma: “Deus destinou a terra, com tudo o que ela contém, para o uso de todos os homens e povos, de tal modo que os bens criados devem bastar a todos, com equidade, sob as regras da justiça, inseparável da caridade. Por isso, deve-se atender sempre a esta destinação universal dos bens” (GS, 69).

A partir do Projeto de Deus sobre o ser humano e sobre a natureza a missão das comunidades ecológica e missionária acontece através da pratica da solidariedade. Ela não deve ser entendida como "um sentimento de compaixão vaga ou de enternecimento superficial pelos males sofridos por tantas pessoas, próximas ou distantes. Pelo contrário, é a determinação firme de se empenhar pelo bem comum; ou seja, pelo bem de todos e de cada um, porque todos nós somos verdadeiramente responsáveis por todos" (SRS 38, 6). Por isso, a solidariedade move a pessoa e os grupos a colocarem suas qualidades, dons e competências a serviço do bem de todos. “Deus, que tem um cuidado paternal para com todos, quis que todos os homens formassem uma só família e se tratassem mutuamente com espírito fraterno” (GS 24 a).

As comunidades ecológicas e missionárias tem a missão de mover a sociedade a colocar-se a serviço da realização da dignidade humana de todos os cidadãos. 'Portanto, a ordem social e o seu progresso devem ordenar-se incessantemente ao bem das pessoas, pois a organização das coisas deve subordinar-se à ordem das pessoas e não o contrário. O próprio Senhor o insinua ao dizer que o sábado foi feito para o homem e não o homem par o sábado'. (GS 26 c).

Por outro lado, a solidariedade impulsiona as comunidades ecológica e missionária a cuidar e defender o Planeta Terra com tudo o que ele contém. Todos os seres criados receberam de Deus uma “missão” no sentido de participar ativamente na manutenção e no equilíbrio cósmico. Por isso, há uma interdependência vital entre tudo o que foi criado. Os seres criados cumprem sagradamente sua finalidade no universo. Infelizmente o ser humano não está cumprindo sua missão sagrada de cuidar dos outros seres. Agora o ser humano está numa encruzilhada, ou cuida do Planeta Terra, ou vai perecer com ele.

As exigências práticas da solidariedade podem ser resumidas nas seguintes ações: a) Partilha dos bens e dos serviços do poder público e da sociedade civil com os mais fracos (SRS, 39); b) Promoção da solidariedade entre os pobres." (SRS, 39, 3).; c) A prática da solidariedade como meio para alcançar a paz social " (SRS 39, 8); d) Promoção da solidariedade internacional a serviço dos pobres (SRS, 39,4); c) Solidariedade com todos os seres criados por Deus. Eles são nossos irmãos e, por isso, merecem toda nossa reverência e cuidado.

3- AGIR:

O trevo da sorte não tem três, nem duas e menos ainda uma só folha. Assim também é com nossa Comunidade – Eclésia segundo os Apóstolos (Atos 2). . Ela tem quatro dimensões: No dia de Pentecostes todos os apóstolos se tornaram Evangelizadores, cada um alando uma língua para que todos os povos os entendessem de seu modo. É a dimensão Evangelizadora. Além de evangelizar as multidões, faziam pequenas comunidades onde aconteciam os ensinamentos dos apóstolos- dimensão Catequética; a Comunhão fraterna- Dimensão social e ambiental e a Fração do pão e orações- Dimensão Litúrgica-. E a nossa comunidade quantas dimensões tem? De onde partimos? Da Evangelização ou vamos direto para o banquete? Evangelizamos ou só ficamos ao redor da mesa? Quantas folhas tem nosso trevo - Eclésia lá onde eu vivo? Sou cristão de quantas dimensões: de uma só dimensão? A litúrgica. Nos contentamos com as missas dominicais. De duas dimensões? Quem sabe a dimensão litúrgica e a catequética. Fiz uma boa catequese e vou à missa aos domingos. E oferecemos apenas isso aos demais cristãos. Ou quem sabe possamos ter três dimensões: assumimos também a dimensão de comunhão: a do compromisso com a sociedade e a natureza. Bom seria sermos cristãos e termos uma Igreja comunidade de quatro dimensões: assumirmos também o desafio missionário e evangelizador. Sendo assim verdadeiros testemunhas da Igreja de Cristo e dos Apóstolos. Fica o desafio de nosso tema: CEBs: Comunidades Ecológicas e Missionárias.

Guaíba, Pentecostes de 2010

Autores: Egídio Fiorotti e Frei Flávio Guerra

Extraído de http://comunicandoestef.blogspot.com/2010/04/texto-base-do-26-encontro.html acesso em 16 abr. 2010.

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