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segunda-feira, 5 de abril de 2010

Ecologia e nova cosmologia: implicações teológicas

"Afirmar um universo em expansão e em evolução e que a criação está em Deus e que Deus está na criação significa reconhecer a presença do Espírito Santo que constantemente recria a Criação. Ela é um processo permanente, não algo que ocorreu simplesmente no passado, mas sim algo que está ocorrendo no presente e irá ocorrer no futuro."

Essa é a opinião de Guillermo Kerber, em artigo publicado no número coletivo de 13 revistas teológicas da América Latina sobre ecologia, por iniciativa da Comissão Teológica Latino-Americana da Associação Ecumênica de Teólogos e Teólogas do Terceiro Mundo (Asett). O número também reúne artigos de Leonardo Boff, Faustino Texeira, Giannino Piana e Luis Diego Cascante, além de José Maria Vigil, coordenador da Comissão Teológica.

O texto foi publicado na revista Adista, 29-03-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

(...) É o historiador Thomas Berry que vincula a ecologia e a nova cosmologia com um novo relato, uma nova narração que correspondam ao novo momento histórico que a humanidade vive. Para Berry, "estamos agora entrando em um novo período histórico, período que poderíamos designar como a era ecológica". Para ele, os problemas vividos nos últimos dois séculos foram causados, em grande parte, por nossos modos limitados de pensar, marcados pela referência científico-tecnológica. A era ecológica, na qual estamos entrando agora, é uma era complementar, que sucede a era tecnológica. Se esta foi caracterizada em boa medida pelo desencantamento do mundo, a era ecológica e a nova cosmologia fomentam uma profunda consciência da presença do sagrado em cada realidade do universo. Dessa forma, a era ecológica é também uma nova era religiosa. Nela, a dimensão da transparência divina completa as categorias de imanência e transcendência. (...) Essa transcendência como atributo de Deus é o que os teólogos chamam de panenteísmo.

O que é o panenteísmo? Etimologicamente, panenteísmo (do grego: 'pan', tudo; 'en', em; 'theós', Deus), isto é: Deus em tudo, e tudo em Deus. Deus está presente no cosmos, e o cosmos está presente em Deus. (...) O panenteísmo é, pois, a visão de que a criação e seus processos estão de alguma forma 'em' Deus, apesar de que Deus é mais do que a criação.

Uma consequência teológica importante é que o panenteísmo, ao destacar a presença de Deus na Criação, pode afirmar como verdadeiras não só imagens pessoais, mas também transpessoais do Divino. (...) Pode-se falar com sentido do divino como do Mistério e da Aventura do Universo, do Uno e do Contexto último e do Oceano cósmico, mas também como Mãe, Pai. Não deveríamos, consequentemente a esta proposta, ficar fixos em imagens particulares. Em vez disso, podemos e deveríamos ser capazes de aceitar imagens diversas, tolerantes às necessidades dos outros de imaginar Deus em formas diferentes às nossas. (...)

Assumir essa perspectiva da teologia ecológica nos obriga, pois, a nos perguntarmos: quais são as imagens que melhor refletem o Deus revelado por Jesus no mundo atual, oprimido pela crise ambiental?

O Cristo Cósmico

Refletir sobre a presença de Deus no mundo nos leva a pensar a Cristologia. Para Mathew Fox, é a imagem do Cristo Cósmico que permite aflorar uma nova cosmologia. Assumir essa perspectiva do Cristo Cósmico implicará em uma mudança profunda nas representações mentais, uma mudança de paradigmas: um salto do antropocentrismo a uma cosmologia viva; de Newton a Einstein; de uma mentalidade em partes ao todo; do racionalismo ao misticismo; da obediência à criatividade como primado da virtude moral; da salvação pessoal à cura comunitária; do teísmo (Deus fora de nós) ao panenteísmo (Deus em nós, e nós em Deus); da religião da queda-redenção à espiritualidade centrada na criação. Mas o Cristo Cósmico não está no além, mas se manifesta em nós, que somos chamados a ser profetas do cosmos (justiça) sobre o caos (desordem e injustiça).

A perspectiva do Cristo Cósmico é a única possibilidade, para Fox, de impedir a morte da Mãe Terra. (...)

Uma nova teologia da criação

Afirmar um universo em expansão e em evolução e que a criação está em Deus e que Deus está na criação significa reconhecer a presença do Espírito Santo que constantemente recria a Criação. Ela é um processo permanente, não algo que ocorreu simplesmente no passado, mas sim algo que está ocorrendo no presente e irá ocorrer no futuro.

Considerar a criação como um processo está diretamente vinculado à teologia processual, uma das fontes da nova teologia ecológica. Essa corrente teológica tem, para Rosemary Radford-Ruether, por exemplo, muitas afinidades com o pensamento de Pierre Teilhard de Chardin, particularmente no que tem a ver com a realidade da "mente" em todas as criaturas, inclusive nos movimentos das partículas subatômicas.

A referência a Teilhard é interessante já que ele também fala do Cristo Cósmico e da transparência de Deus. "O grande mistério do cristianismo não é a aparição, mas sim a transparência de Deus no universo. Oh sim, Senhor, não apenas o raio que aflora, mas o raio que penetra. Não tua Epifania, Jesus, mas sim tua Dia-fania". Dessa forma, o panenteísmo, ao destacar a transparência de Deus, se converte em um vínculo entre a imanência (estar dentro de) e a transcendência (estar além de), expressadas acertadamente na clássica formulação de Santo Agostinho: "Deus é mais íntimo do que meu íntimo, e superior ao mais alto que há em mim". (...)

O panenteísmo revela, além disso, o sentido profundo de sacramentalidade de todas as coisas. Se Deus está em toda a criação, cada criatura é sinal do Criador. Mas, em chave escatológica, devemos reconhecer um processo evolutivo inacabado, razão pela qual a sacramentalidade será sempre fragmentada e velada. Só no final se dará o descanso sabático de toda a criação. (...)

E as comunidades? E os pobres? Como transmitir essa mensagem às comunidades? Somos conscientes de que muitos dos termos acima mencionados podem ser difíceis de transmitir na catequese, nas celebrações, nas comunidades de leitura da Bíblia etc. Mas não são mais do que outros conceitos teológicos tradicionais. Um importante trabalho de divulgação e assimilação é, evidentemente, necessário. Não só como forma de reinterpretar adequadamente o cristianismo diante dos desafios atuais, mas também porque as comunidades mais pobres são e serão as mais afetadas, por exemplo, pelas consequências das mudanças climáticas, como reconhece o relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, que pode ser considerado a opinião de consenso da comunidade científica sobre essa problemática. (...)

Em um diálogo com a nova cosmologia e a ecologia, o horizonte libertador da teologia, característico da teologia latino-americano deve se ampliar, reconhecendo que toda a criação deve ser libertada, começando pelas comunidades mais vulneráveis, os pobres, os indígenas, levando-se em conta também as culturas e as espécies que estão desaparecendo.

A crise das mudanças climáticas é um claro exemplo de que a Terra como um todo está ameaçada. Mas também é importante reconhecer que nem todos contribuíram da mesma maneira, nem sofrerão os efeitos da mesma forma. Por isso, a dimensão de justiça, que implica, entre outras coisas, no reconhecimento da responsabilidade histórica dos países industrializados, deve ser incluída em uma reflexão teológica que assuma a ecologia e a nova cosmologia. Assim, junto à necessária reformulação dos conteúdos dogmáticos da teologia, a espiritualidade e a ética também devem ser adequadas a esses novos desafios.

Para ler mais:

Extraído de http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=31160 ecesso em 5 abr. 2010.
Ilustração: Section d'univers subissant le big crunch. Disponível em http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Big_Crunch.gif acesso em 05 abr. 2010.

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