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terça-feira, 2 de setembro de 2008

Mudança de posição

Deu no CCFMC Boletín Março de 2008:
Deus revela-se no Antigo e no Novo Testamento como um Deus da vida que quer libertar os pobres. A Libertação é a palavra chave na Lei, nos profetas, no Livro da Sabedoria, sobre tudo, na promessa que Jesus fez aos pobres. Na primeira aparição pública de Jesus na Sinagoga de Nazaré, segundo Lucas, Jesus fez a leitura do texto de Isaías: “Ele enviou-me para dar a boa notícia aos pobres, para curar os corações feridos, para proclamar a libertação dos escravos e pôr em liberdade os prisioneiros, para promulgar o ano da graça de Javé, o dia da vingança do nosso Deus”. (Is 61, 1-3) Fechando o livro, acrescenta uma única frase como comentário: “Hoje cumpriu-se esta passagem da Escritura que acabais de ouvir.” (Lc 4,21) Quando João enviou discípulos da prisão a Jesus para Lhe perguntarem se era Ele que havia-de vir, refere-se aos acontecimentos em volta Dele: “Os cegos recuperam a vista, os paralíticos andam, os leprosos ficam limpos, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam e aos pobres é anunciada a Boa Notícia.” (Mt, 11,5; Lc 7,22) Depois acrescenta: “É feliz aquele que não se escandaliza por causa de Mim!” (Mt, 11,6; Lc 7,23) Isto nos leva diretamente às bem-aventuranças do Sermão da Montanha, cuja primeira diz: “Felizes de vós, os pobres, porque o Reino de Deus vos pertence.” (Lc 6,20; v. Mt 5,3) Não há dúvida: Deus manda anunciar ao seus pobres que quer intervir a favor deles. É em Jesus que esta vontade de salvação de Deus se fez cumprir.

Tal interpretação da teologia dos pobres só pode ser compreendida se mudarmos de posição, isto é, se vivermos a nossa fé desde a experiência concreta com os pobres. Isto chama-se mudança de posição, para que vejamos a mesma realidade desde a perspectiva dos pobres. A mesma realidade, no entanto, também pode ser vista duma posição completamente diferente: desde os aeroportos, desde os bairros das vivendas, desde os clubes elegantes etc. A percepção da realidade desde a perspectiva dos pobres é uma decisão consciente, isto é, nós estamos dispostos a interpretar esta realidade com os temores e as preocupações, mas também com as esperanças dos pobres insistindo em mudanças.

O exemplo clássico para tal mudança de posição é Francisco de Assis. No seu Testamento descreve a sua vida como uma decisão contra a cidade de Assis, na qual havia os poucos ricos no centro da cidade ao lado dos pobres no arredores e os leprosos fora da cidade. Não quer ter nada em comum com as falsas idéias da sua cidade natal. Os leprosos foram a causa da sua insegurança. Concretiza, tal como os israelitas o êxodo do Egito, o êxodo da cidade. A seguir, vai viver com eles, cuidar deles e andar com eles (v. Test 1.3). Na vida e no trabalho, no destino e na miséria, Francisco se fez igual aos pobres relendo o Evangelho. Ele descobre idéias novas desde que, pela experiência com os pobres, chegou a compreender o Evangelho. Portanto, não é de admirar que inclui na sua Regra a passagem de que cada irmão tem de tomar este Evangelho ao pé da letra. Tem de vender tudo e dá-lo aos pobres; só então pode compreender realmente o Evangelho (v. Reg NB 1, 1-3; 2, 1-4).

Esta é uma mudança radical no método e na meta da Anunciação. Igual a Jesus, Francisco quer andar pelo mundo anunciando a Boa-Nova do Reino vindouro de Deus aos pobres. Quer dizer, não está ligado a lugares fixos, nem à piedade privada e à preocupação pela salvação da própria alma, mas sim à preocupação pela “shalom” total de Deus. O Reino de Deus torna-se conteúdo e meta da anunciação. Quem quiser realmente gerar a paz, só pode alcançá-la se tiver paz no seu coração. Quem quiser anunciar autenticamente a mensagem de Deus aos pobres como uma mensagem libertadora tem de ser pobre. Quem se quiser comprometer completamente com esta mensagem pelos pobres não se deve ligar a lugares fixos, mas sim tem de ser capaz de andar pelo mundo com uma bagagem leve. Mobilidade, pobreza, não-violência são as características das irmandades, que correspon-dem a esta inversão da polaridade da espiritu-alidade cristã. É precisamente a isto que a comemoração do início do Movimento Franciscano há 800 anos nos quer lembrar. O Cardeal Arns disse uma vez que, com a decisão preferencial pelos pobres que a igreja latino-americana tomou em Medellín e Puebla, este sonho de Francisco começava a se tornar realidade. Também hoje podemos, portanto, sonhar com esta visão vivificante dos pobres

Andreas Müller OFM

Extraído de http://www.ccfmc.net/wPortugues/cbcmf/cbcmf-news/2008/2008_03_News.shtml?navid=92
acesso em 02 set. 2008.

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