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terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

A Eucaristia: uma perspectiva franciscana

Frei Sílvio João, OFMCap
freisilviocarmo@hotmail.com
No centro da fé cristã da Igreja está o Mistério Eucarístico (cf. PO, n.º 6). Presença real do Verbo Encarnado (cf Jo 1, 1-5). Sua fonte e ápice (cf. SC n.11). Seu tesouro espiritual (cf. PO n. 5), sinal da presença de Deus no mundo (cf. AG n. 15), unidade da Igreja (cf. UR n. 2). Centro e cume de toda a vida da comunidade cristã (cf. CD n. 30). É nossa antecipação à vida eterna, quando Deus será tudo em todos (cf. 1Cor 15,28). Temos esta certeza porque o cristianismo vive da fé de que Jesus Cristo permanece para sempre junto de quem o segue: “ eis que estou convosco todos os dias, até o fim do mundo” (cf. Mt 28, 19). Mas, não se trata de uma presença física, mas de uma presença que só podemos sentir e verificar com os sentidos da fé, do coração, da experiência e do encontro com Ele. Deus se faz presente no meio de nós através de diversos modos e momentos: quando estamos em comunhão com toda a Igreja, quando somos obedientes aos mandamentos de Deus e da Igreja, quando nos reunimos para a oração, para a vida de comunhão fraterna, para a correção fraterna, para a partilha das alegrias e sofrimentos. Porém, a mais real das presenças de Jesus Cristo em nosso meio é aquela da Eucaristia, onde Ele quis dar-se e entregar-se na forma de sacramento (cf. Texto-base: 15 CEN, 3). Portando, o mistério da presença de Deus nos acompanha ao longo de nossa existência como povo de Deus (cf. LG n. 9). Foi assim desde o início (cf. LG n. 2) e continuará por todos os séculos, porque o Filho de Deus se fez presente e nunca nos deixará até o momento da consumação na glória celeste (cf. LG n.48). Agraciados pela sua presença, somos convidados todos os dias a contemplar o verdadeiro Amor: Cristo Eucarístico. Esta presença nos enriquece e fortalece. Saborear sua presença é ter total confiança, pois nossa confiança é sempre contemplar o “Mistério no mistério” (cf. NMI, 25). Contemplamos o Tudo de todos, o Ser de todos, a Perfeição de todos. É a contemplação do sacrifício da Cruz que nos trouxe a nova vida pela morte e ressurreição do Senhor (cf. SC n. 47).

O Cenáculo foi o local da instituição da Eucaristia. A data escolhida foi o tempo da Páscoa: “Ide preparar-nos a Páscoa para comermos” (cf. Mt 26,26-29). Os apóstolos foram os primeiros privilegiados nesta experiência quando Jesus reuni-os no ‘dia da despedida’ e deu-lhes a comer pão e a beber vinho, dizendo-lhes que eram seu corpo e seu sangue, e recomendando-lhes que celebrassem aquilo em sua memória: eis ten hemen anammesin. As comunidades cristãs primitivas, perseverantes na doutrina dos apóstolos, reunidas no primeiro dia da semana também fizeram à experiência do mistério eucarístico (cf. At 2,42-47). Assim, como ontem, hoje a Igreja refletindo à luz de Cristo em cada época da história, “continuamos a realizar aquela imagem primordial da Igreja. E, ao faze-lo na celebração eucarística, os olhos da alma voltam-se para o Tríduo Pascal: para o que se realizou na noite de Quinta-feira Santa, e nas horas sucessivas (...). Revemos Jesus que sai do Cenáculo, desce com os discípulos, atravessa a torrente do Cedron e chega ao Horto das Oliveiras”.(cf. Ecclesia de Eucharistia, n.3). “O seu fundamento e a sua fonte é todo o Triduum Paschale, mas este está de certo modo guardado, antecipado e “concentrado” para sempre no dom eucarístico. Neste, Jesus Cristo entregava à Igreja a atualização perene do mistério pascal. Com ele, instituía uma misteriosa “contemporaneidade” entre aquele Triduum e o arco inteiro dos séculos” (cf. Ecclesia de Eucharistia n.5). Sendo assim, a Igreja ao celebrar todos os dias a Eucaristia faz memória da Páscoa de Cristo e nesta se faz presente, isto é, o sacrifico que Jesus ofereceu de uma vez para sempre na cruz permanecendo sempre atual (cf. Hb 7,25-27).

A Eucaristia, sendo o centro da fé cristã, une toda a Igreja. São Francisco de Assis apaixonado pela Igreja (cf. Am 26,1) transbordava de amor pela Eucaristia, Verdadeiro Corpo do Senhor: “...assim também nós, vendo o pão e o vinho com os nossos olhos corporais, olhemos e creiamos firmemente que está presente o Santíssimo Corpo e Sangue vivo e verdadeiro”(cf. Adm 1,21). Para ele a Eucaristia era: Nova Encarnação (cf. Adm l,19-23; 7 CT 27-28), Alimento Celeste (cf. 7CT 19), Memorial de Salvação e Prova de Amor (cf. PM 8). Em uma época (séc. XII e séc. XIII) em que certos movimentos heréticos influenciaram negativamente muitas comunidades cristãos (cf. IRIARTE,Láraro, Historia Franciscana, cap.03 ), São Francisco apaixonado pelo chamado de Deus, percebendo que sua vocação só seria possível dentro da Igreja (Cf. AIZPURÚA, Fidel. El camino de Francisco de Asís, n.16), unido sua fé e às orientações da Igreja contribuiu para um amor incondicional ao Sacramento da Eucaristia: “ E assim contritos e confessandos recebam o corpo e sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo, com grande humildade e respeito...”(cf. Rg 20,7). Assim podemos ver a confiança que Deus deposita nele, quando lhe ordena que repare a sua Igreja quase em ruínas (cf. LM 2,1; 2C 10). E diante do crucifixo rezou: “ Ó glorioso Deus altíssimo, iluminai as trevas do meu coração, concedei-me uma fé verdadeira, uma esperança firme e um amor perfeito. Daí-me, Senhor o (reto) sentir e conhecer, a fim de que possa cumprir o sagrado encargo que na verdade acabais de dar-me. Amém”(cf. OSD).

Lembrando o gesto de Jesus Cristo na última Ceia, São Francisco exorta a seus frades que continue sempre ser alimentado desta fonte de Graça (cf. Pn ) e ao mesmo tempo exortava aos frades a acreditarem, pela fé, na presença real de Cristo na Eucaristia (cf. EL 1, 21) como também era seu desejo que todos os dias seus frades participassem da Eucaristia (cf. 2C 201), pois dizia ele: “ninguém se pode salvar sem receber o santíssimo Corpo e Sangue do Senhor”(cf. 3Ct-a). Seu ardor pela Eucaristia era tão grande que pedia sempre o respeito para com os sacerdotes que celebravam o Santíssimo Sacramento da Eucaristia (cf. 3S, 57), como também não gostava de vê-LO em lugares indignos e igrejas sujas (cf. PELVET. Jean, Fé e Vida Eucarística, In a Espiritualidade de Francisco Assis, 1993). De fato são inúmeras as passagens nos escritos de São Francisco, onde encontramos grande ardor pela Eucaristia (cf. algumas: 4Ct-b 22,24; 2Ct 11; 7Ct 22-24; 3Ct-a 2).

Portanto, viver a Eucaristia do jeito de nosso seráfico pai Francisco é para nós, uma alegria, pois, somos agraciados todos os dias pela Sua presença no meio de nós. Temos, a Eucaristia, por tradição franciscana-capuchinha, como Centro Espiritual de Nossa Fraternidade (cf. Constituições, n48). “Consagrados ao serviço de Deus pelo batismo e pela profissão religiosa, demos o maior valor à sagrada liturgia, que é o exercício da função sacerdotal de Jesus Cristo (...) demos a maior importância ao mistério de Eucaristia e ao Ofício Divino que, para São Francisco, deviam dar forma a toda fraternidade” (cf. Constituições, n. 47). Nossa participação plena, consciente e ativamente do sacrifício eucarístico serve de exemplo para todos aqueles que desejam nos seguir como fieis adorares do Santíssimo Sacramento da Eucaristia.
Extraído de http://www.promapa.org.br/2006/index.php?pag=artigos&exibartigo=42 acesso em 10 fev. 2009.
Ilustração: Juan de Juanes. Cristo com a Eucaristia. Séc. XVI.

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