“Anda, reconstrói a minha casa”. (Leg3C, 13) Embora Francisco precisasse de algum tempo para entender corretamente esta ordem, converteu-se, quando estava seguro da sua missão, num renovador autêntico da Igreja; e isso, duma maneira um tanto singular. A Igreja encontrava-se no auge da ostentação papal de poder e pompa, uma ecclesia triumphans, na qual quase não havia lugar para o “pobre Jesus de Nazaré”. Francisco lembrou a Igreja Dele, não por palavras, mas sim pela sua vida. E segue este caminho – o contraste não podia ser maior - e isso, duma maneira extremamente encantadora. Não critica. É súbdito da “Santa Igreja” tendo admoestado sempre os seus irmãos que “deviam ser fiéis e subordinados à Santa Madre Igreja” (TestS).
Mesmo assim, conseguiu não se deixar absorver totalmente. Respeitou e aceitou a Igreja, tal como era, mas sem participar nas suas estruturas de poder. Ele e os seus irmãos comportaram-se dum modo completamente diferente do que a prática eclesiástica da época. Tentam, numa certa “ingenuidade”, convencer através da sua vida. E isso firme- e perseverantemente. Francisco recusou-se, duma maneira sustentável, a andar pelos caminhos habituais da vida espiritual e monástica. “O Senhor mesmo me desvendou”, confiou nesta certeza interna. Pelo menos, no princípio. Na medida em que a irmandade cresceu necessitando estruturas cada vez mais firmes, começava a surgir entre os irmãos o desejo de maior segurança e interligação. Após a sua morte, a irmandade solta converteu-se, pouco tempo depois, numa ordem muito normal que se subordinou às regras habituais.
Mesmo assim, a ordem continuou ligada um pouco à sua “visão fundadora”. Houve sempre irmãos que se puseram a caminho para dar vida nova aos ideais originais. Tratava-se, na maioria das partes, da fidelidade à pobreza. Nestes movimentos renovadores apresentavam-se contradições com as demais práticas eclesiásticas. Pois com o seu estilo de vida e as suas atividades pastorais diferenciavam-se sensivelmente duma igreja burguesa de bem-estar. Podem contar-se a estas iniciativas novas, no nosso tempo, também o fato de os irmãos e as irmãs franciscanos na América Latina terem jogado um papel ativo e decisivo quando a Igreja, após Medellín e Puebla, descobriu os pobres e lutou pela sua libertação completa. O Cardeal Arns notou a este respeito que a igreja da América Latina reencontrou assim as suas raízes franciscanas.
Francisco, não criticando, não esboçando programas de reforma magníficos, não organizando, mas exemplificando através da sua maneira de viver, desafiou “a sua” Igreja, a sua época e a nós todos duma maneira que não podia ser mais clara. É a sua vida que convenceu e desafiou, não a sua doutrina. É e continua ser a sua prática quase intocável. Talvez se possa compreender assim a palavra do Papa Bento XVI, proferida ainda na sua qualidade de prefeito da Congregação da Fé: “Em toda a história não há uma crítica mais dura à Igreja do que aquela que Francisco fez com a sua vida.” É o que vive. Isto é o assombrosamente humano nele, do qual não foi possível esquivar-se na sua época, e o que também hoje é suficiente para entusiasmar os seres humanos.
A pobreza e a liberdade do cristão estão interligadas. Quem se livrar assim do querer ter e dominar tudo, tornar-se-á finalmente inatacável. Pois, ele não quer tirar nada a ninguém, não quer dominar ninguém. Assim livra-se de ser levado para outras lutas por interesses e poder. Não podemos imitá-lo simplesmente, mas podemos deixar-nos instigar a atacar os nossos conflitos na Igreja e na sociedade duma maneira semelhante: livres de afeições e dependências e seguramente conscientes de que temos de tentar também o seu sonho de Igreja, isto é, “ser súbditos, mas totalmente livres. Se comemorarmos neste ano a confirmação da “Primeira Regra” há 800 anos pelo Papa Inocêncio III, então esta missão franciscana não deve ser esquecida.
Andreas Müller OFM
Extraído de CCFMC boletín, jan. 2009. Disponível em http://www.ccfmc.net/wPortugues/cbcmf/cbcmf-news/2009/2009_01_News.shtml acesso em 09 fev. 2009.
Nenhum comentário:
Postar um comentário