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quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Legenda dos Três Companheiros (LTC)

A partir deste mês, daremos início a uma série acerca da "Legenda dos Três Companheiros". Muitas vezes, ao ouvirmos legenda, nossa mente associa a palavra lenda para, logo em seguida e imediatamente, atribuir àquela toda uma compreensão já feita e mal elaborada, extraída do conceito decadente de lenda. Legenda, como lenda, seria algo bonito, mas inventado e imaginado, próprio para crianças, pessoas primitivas e ignorantes; algo que, na verdade, nunca existiu e, por conseguinte, destituído de valor, crédito e confiança para nós modernos, pessoas mais esclarecidas e evoluídas.

Na raiz da palavra legenda encontramos os verbos legere e legein vindos, respectivamente, do latim e do grego. Ambos significam ler. Ler, porém, é mais que percorrer os olhos nas palavras e frases gravadas sobre as folhas de um livro. Num sentido mais vasto e originário, ler significa ajuntar, recolher, reunir, falar, discursar e mesmo semear. Literalmente, em sua forma verbal, legenda significa aquelas coisas que devem ser lidas ou recolhidas, aprendidas e, acima de tudo, seguidas. É nesse sentido que a palavra é usada ainda hoje, por exemplo, num filme ou mapa. Isto significa que sem conhecer aquele script ou aqueles sinais do mapa, dificilmente entenderemos o enredo do filme, como igualmente jamais conseguiremos habitar e percorrer com segurança e proveito os caminhos e as paisagens indicadas e gravadas no mapa de nosso país.

Assim, também a LTC, obra nascida e elaborada a partir do espírito que atingiu São Francisco e seus Companheiros, atravessa os séculos para, também nós, e todos os franciscanos de todos os tempos, podermos conhecer (leia-se: conascer no) o vigor originário da Vida franciscana, associando-nos a ele a fim de colher e semear sempre de novo os segredos que fundamentam o feliz êxito desta aventura: o seguimento de Cristo segundo São Francisco. Tudo isto, para o louvor e glória do Sumo Deus.

LEGENDA DOS TRÊS COMPANHEIROS [LTC]

[Rubrica]
Estas são algumas coisas escritas por três companheiros do Bem-aventurado Francisco, da sua vida e conversação na veste secular da sua admirável e perfeita conversão, da perfeição da origem e do fundamento da Ordem, nele e nos primeiros Irmãos.

[Epístola]

Ao reverendo pai em Cristo, Frei Crescêncio, por graça de Deus, Ministro Geral, a devida e devota reverência no Senhor, de Frei Leão, Frei Rufino e Frei Ângelo, outrora companheiros, embora indignos, do beatíssimo pai Francisco. Já que, por ordem do próximo passado Capítulo Geral e vossa, os Irmãos estão obrigados a enviar à vossa paternidade o relato dos milagres e prodígios do beatíssimo pai Francisco, que se venham a conhecer e encontrar, pareceu-nos bem, a nós que, embora indignos, convivemos com ele por longo tempo, relatar à vossa Santidade, guiados pela verdade, poucos entre os muitos seus feitos que vimos pessoalmente ou pudemos conhecer por intermédio de outros santos Irmãos, especialmente de Frei Felipe, visitador das Damas Pobres, Frei Iluminado de Arce, Frei Masseo de Marignano, Frei João, companheiro de Frei Egídio, 5que do próprio Frei Egídio veio a conhecer muitas coisas, e Frei Bernardo, de santa memória, primeiro companheiro do Bem-aventurado Francisco.

Não nos contentamos em narrar somente milagres, que não constituem a santidade, se bem que a mostrem, mas desejamos mostrar os fatos insignes de sua conversação santa e a vontade do pio beneplácito, para o louvor e a glória do Sumo Deus e do dito pai santíssimo, e para edificação dos que querem imitar seus passos. No entanto, não escrevemos estas coisas em forma de legenda, pois há tempo, legendas foram escritas sobre sua vida e milagres que Deus por ele operou. Ao invés, colhemos como que de um prado ameno, algumas flores, as mais belas a nosso ver, não seguindo a cronologia da história, 10mas omitindo muitas coisas postas nas preditas legendas, por ordem, com linguagem não só verídica, mas, também, elegante.



Podereis fazer incluir nelas o pouco que escrevemos, se à vossa discrição, parecer justo. Se os veneráveis varões, que escreveram as legendas, tivessem conhecido estas coisas, cremos que não as teriam omitido; ao contrário, ao menos parcialmente teriam ornado com suas palavras e conservado para os pósteros a sua memória. Goze sempre de perfeita saúde vossa santa paternidade no Senhor Jesus Cristo, no qual nós, vossos filhos devotados, humildemente e devotamente nos recomendamos à vossa Santidade. Dada em Gréccio, a onze de agosto do ano do Senhor de 1246.


Reflexões...

Cabem aqui alguns comentários iniciais desta primeira parte do texto. Algumas perguntas, como por que os escritores da LTC se denominam companheiros; o que significa entender antepassados como companheiros; o espírito de pertença na Vida Consagrada.

Não se trata de uma narração qualquer, a LTC; ela é feita por um número altamente representativo e simbólico: três. Este é o número que evoca à Santíssima Trindade. Uma vez que todas as ações na vida de seguimento do Deus de Jesus Cristo (JC) sempre se iniciam invocando as três pessoas em um só Deus, a vida e ações franciscanas não poderiam ser diferentes. Estes três frades, contemporâneos a Francisco, são diferentes entre si, mas iguais na mesma busca: a 'imitação' da Pobreza do Cristo Crucificado, que revela a face do Pai. E cada um deles é sinal de concreção na árdua tarefa do seguimento. Com isso, estando nesta mesma via, tornam-se sócios.

Ser sócio aqui quer apresentar uma mesma "negociação"; adquirir a evidência da pobreza de JC. Por isso se tornam 'companheiros', mas não apenas por estarem em seu "sacrum commercium", mas por quererem viver a "fraternitas" como maneira gratuita de seguimento de JC. Esta nobre competição quer clarificar em que, de fato, os três sócios estão: na busca - de relatar não o "São Francisco", mas sim o que é anterior a ele; e é por seu sim que este anterior se revela; e que nada mais é do que o seguimento de Cristo - pobre e crucificado.

O ser companheiro é a indicação de ser por uma mesma vocação; é um modo de estar unido ao outro a partir do chamamento. E é neste sentido que podemos entender o significado de pertença na Vida Consagrada. Pertença não no sentido de posse, mas de fazer parte; não como mais um,, simplesmente, mas como engajamento total neste caminho e nesta forma sui generis, que é a Vida de ser e estar um-com o Sagrado. O pertencer a uma determinada família (e aqui, é a franciscana) é como que ser um novo broto (ramo) no galho de uma árvore que tem sua raiz no único e necessário para nós: JC, e JC Crucificado (JCC) que, em nossa escola franciscana chamamos de "Senhora Pobreza" - que é a identidade do Reino dos Céus, à qual queremos nos configurar, como filhos, discípulos, seguidores... enfim, companheiros fiéis na caminhada e, na Ordem Franciscana, é o procurar guardar límpida a fonte que nos gera: Senhora Pobreza, de maneira nobre, cortês e curial.τ
Extraído de http://reflexoesfranciscanas.blogspot.com/2009/02/legenda-dos-tres-companheiros-ltc.html acesso em 26 fev. 2009.

Ilustração: Vida e Morte de São Francisco, século XIX - pintura de teto realizado pelas freiras em clausura no Mosteiro da Luz, São Paulo.

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