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sexta-feira, 13 de março de 2009

Alguns acenos para uma evangelização franciscana

Frei Vitório Mazzuco Filho, ofm

Imerso nos rumores de seu tempo, Francisco de Assis não esteve livre dos desafios sócio-econômicos. O dinheiro manifesta a sua força e indica para as pessoas qual é o seu lugar; quem tem e quem não tem não se misturam. Nobres vivem nos palácios, castelos e nas propriedades com infinito limite de terra. A cidade é o lugar do novo rico, mercador próspero que vai delineando uma sociedade burguesa, com muito trabalho, posse e poder da moeda. O centro da cidade é o mercado. Os pobres se vestem de camponeses na pequena produção ou ainda lavrando para os últimos resquícios do feudalismo, ou estão na feira e nas praças pedindo ou vendendo. Os miseráveis se arrastam sem ter nada ou com doenças contagiosas onde predomina a lepra.

Há crescimento demográfico, rural e urbano. Há conquistas de mecanização do trabalho: canalização de água, moinhos, arado e a força do cavalo. Os artesãos e autônomos se firmam e a mão-de-obra é valorizada. Os miles - cavaleiros remanescentes do serviço ao senhor feudal -, ainda prestam serviços quase que paramilitares; partem para conquistas de terras, protegem caravanas e patrimônios. O comércio efervescente, conflitos entre nobres aliados ao poder imperial, e plebeus partidários do poder papal. No meio desta paisagem que prenuncia desde já o capitalismo, a época medieval é muito parecida com o hoje da nossa história.

Em meio a esta ebulição de uma nova era social, eclesial e política, Francisco de Assis surge como um valor de resposta ao capital, à competição, ao acúmulo de bens. Evangelizar é ancorar-se num valor que não se corrompe: a proposta do Reino de Deus! É dizer que para um novo tempo é preciso a Boa Nova, que traz justiça, liberdade, sonho, simplicidade, compaixão, sensibilidade e convivência. O Evangelho é o ponto de partida; os pobres, os que ficaram fora dos privilégios do império e da eclesialidade são o ponto de chegada. É preciso amar como pessoa, como irmão e irmã, e não como status.

Para Francisco de Assis, evangelizar é mostrar que Deus é Pai e Mãe, é o Sumo Bem, o Bem Total que não exclui ninguém; é encarnar Jesus Cristo como fato e palavra, Deus Humano e Humano Divinizado; é ser Esperança e Paz para um tempo desesperado. Evangelizar é levar a Penitência não como castigo purificatório de uma lista de culpas, mas a verdadeira penitência é ser solidário, isto é, trocar valores da prepotência pelos valores éticos da Palavra de Deus. Evangelizar é mostrar que humanidade e mundo são jeitos de Deus e que há um caminho bem claro: promoção humana e fé que resgatam a humanidade.

Para Francisco não existe assistencialismo porque ele é Pobre; aprende dar e receber, dividir e acolher. Mas pediu esmola e repartiu as sobras, porque é preciso evangelizar com obras e bom exemplo. Pregar e pôr tudo em comum; pregar em obras e com obras. Evangelizar é anunciar a partir de uma comunidade de fé e da fraternidade: uma fraternidade pobre, orante e laborante. A fraternidade é que evangeliza e não um irmão sozinho que fala. Evangelizar é ir em nome da Fraternidade para dizer: nós não evangelizamos desconhecidos, mas evangelizamos irmãos e irmãs!

Evangelizar para Francisco de Assis é usar todos os meios de comunicação possíveis, pois ele mesmo usou esquinas, púlpitos, e até galho feito violino. Tudo isto é importante, porém mostrou que o que converte é o corpo-a-corpo, pessoa a pessoa, ir de casa em casa ( 3 Comp 41). Ele nos ensinou que a destinatária da evangelização é a Fraternidade evangelizada e evangelizadora são todas as criaturas, o quintal da casa, a rua, a vila e a universalidade cósmica. São os pobres que estão lá dentro do centro e do periférico, com os pobres e como os pobres, porque ser pobre é sinal de seriedade da opção. Igual à imagem viva de Jesus Cristo que pescou, orou, curou, sofreu e se alegrou com eles. É ser menor e pobre em meio ao mundo. Não é reformar, mas mudar! Não é só pregar, mas ter o testemunho como fundamento, e uma forma de viver coletiva. Evangelizar é combater o mal e não o mundo. É reunir pessoas e natureza nos mesmos direitos e chegar ao povo partindo de Cristo. Ir ao encontro da miséria vivida nos miseráveis reais; não é inclinar-se para a miséria, mas construir o patamar da dignidade.

Francisco mostrou que evangelizar é perder o sobrenome de Bernardone e deixar-se identificar por Assis. É aceitar a ajuda da ciência como serviço e aceitar conselhos de prelados para ajudá-los a entender o que é uma solidariedade horizontal. Mostra para o prefeito e ao bispo onde está a paz e os pobres, para que eles falem e deixem falar. Francisco nos ensinou que evangelizar é reunir em Capítulos para educar consciências, mostrar força de adaptação nas culturas e celebrar maravilhas que Deus realiza usando o humano como instrumento.

Enfim, Francisco de Assis evangeliza na Paz e no Bem, para que o egoísmo não tenha mais lugar, para que não seja apenas uma adesão às idéias, mas a entrega da própria Vida. Evangelizar é deixar-se marcar pelo Amor e pela Cruz nas mãos, nos pés e no coração. Ter como referência São Damião, Porciúncula, Alverne e a tapera dos desvalidos... e depois ir pedir ao Papa para abençoar e aprovar uma Forma de Vida concreta!

Ilustração: Episode de la vie de St François d'Assise : scène dans une ville / Denis Maurice (1870-1943). Description: 1910-1913 recueil factice de dessins préparatoires pour l'illustration de Fioretti (Paris : Jacques Beltrand,1913).

Texto extraído de http://www.franciscanos.org.br/v3/sefras/especiais/800anos_09/05.php acesso em 11 mar. 2009.


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