De todos os pobres, os mais miseráveis e relegados, eram os leprosos, eles viviam fora dos muros da cidade, no abandono e na insegurança, afastados, por medo de contágio, pelos habitantes de Assis. Francisco mesmo confessou, em seu Testamento, que "lhe era insuportável olhar leprosos, [...] julgando-os a monstruosidade mais infeliz deste mundo". Mas o Senhor o conduziu para entre eles, e ele não se fez surdo a esta amorosa imposição. "Obrigando-se a se curvar e a sofrer até se transformar em escravo das pessoas miseráveis e repugnantes - diz belissimamente Tomás de Celano - queria aprender o perfeito desprezo de si e do mundo, antes de ensiná-los aos outros. Desejava conquistar um domínio pacifico sobre si mesmo depois de vencer este inimigo que cada um leva consigo". E, na verdade, ele o venceu. Conta a história que, certo dia, cavalgava pelas campinas, defronte a Assis, quando, de repente, sem saber de onde saíra, encontrou-se com um leproso. A um primeiro momento de repulsa seguiu-se a vitória do propósito que se fizera de não desviar, de ora em diante, sua face de nenhum pobre. Desceu do cavalo, perdeu sua imponência, e deu-lhe o que tinha de material e afetivo: uma moeda e um beijo. (A configuração desta cena nos lembra o homem colocado em frente as suas tentações, ou no deserto ou na campina, sempre sozinho, onde só há um espectador: Deus, que espera sua resposta. São Francisco a deu). Depois, voltou a montar e afastou-se, mas apesar de estar em campo aberto, diz a história, olhou para todos os lados e não viu mais o leproso. O leproso tinha sumido de dentro de si mesmo. As feridas da lepra tinham subitamente cicatrizado dentro de seu coração e o milagre da cura o fez um outro homem, uma nova criatura, a ponto de confessar: "Enquanto me retirava, justamente o que antes me parecia amargo se me converteu em doçura do corpo e da alma". O grande trabalho junto ao próprio coração se faz no coração dos outros, em seus corpos quando famintos, em suas almas quando afligidas. E, então, o homem, que tanto se buscava sem encontrar-se, acaba experimentando uma consolação que não é sua, mas fruto maduro de um outro que é o Senhor dos caminhos do bem, o qual, muitas vezes, pode ter as mãos e o rosto carcomidos pela lepra.
Frei Neylor J. Tonin
Este, nos parece, é o itinerário espiritual de todos os grandes homens santos: da própria vontade, com suas aversões e simpatias, em direção à vontade dos outros, do grande Outro, que geralmente se apresenta no desamparo e nas mais variadas formas das monstruosidades humanas. Estes monstruosos de todos os tempos são os pobres das mais diversas pobrezas (físicas, morais, espirituais, materiais, psíquicas), os miseráveis das mais diversas misérias, os leprosos das mais tristes lepras, os cristos de todas as cruzes injustas e aviltantes, sempre imobilizados e silenciados pela ganância e pela maldade, pela prepotência e pelo desamor. Eles não contam aos olhos do mundo, mas deles é o Reino dos Céus. Bem-aventurados os pobres! O olho espiritual de Francisco compreendeu isso e ele passou - diz Celano - a ser "quem mais amava os pobres"..
Frei Neylor J. Tonin
Esta série de artigos está sendo impressa no "Boletim do Pró-Vocações"
Extraído de http://www.franciscanos.org.br/v3/vidacrista/artigos/pvf_parte4.php acesso em 15 fev. 2009.
Ilustração: EL GRECO. São Francisco e Frei Leão. 1596-1601.
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