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quarta-feira, 25 de março de 2009

Teologia Franciscana : reflexões elementares e despretenciosas

Por Frei Celso Márcio Teixeira, OFM

1. A partir do título, a primeira pergunta que se coloca é: existe um teologia franciscana? A resposta esta pergunta depende do que se entende por teologia. Uma definição da teologia no estilo clássico, a partir do objeto, como estudo ou ciência dos dados da fé (ou da revelação), por exemplo, não permitiria que se falasse de uma teologia franciscana nem de qualquer outra denominação, pois os dados da fé vão além da denominação franciscana e de outras denominações, não se limitam à experiência ou intuições de Francisco de Assis ou de São Domingos ou de Santo Inácio, nem à elaboração de seus seguidores.

Se, pelo contrário, se parte de uma compreensão de teologia como uma maneira de estudar (abordar ou fazer ciência de) os dados da fé, levando-se em conta, portanto, o sujeito histórica e culturalmente contextualizado que faz teologia, então se abre uma infinidade de teologias possíveis, sob as mais diversificadas denominações: teologia européia, latino-americana, franciscana, dominicana, inaciana (jesuítica), antiga, medieval, contemporânea, da política, da cultura, do diálogo, etc. Resumidamente, em outras palavras, os conteúdos, os tratados da teologia são os mesmos (os dados da fé no que se refere ao homem, a Deus, ao mundo, à história); os enfoques, os acentos, a abordagem por parte dos sujeitos que fazem teologia é que constituem a diversificação das teologias.

2. O que teria Francisco a ver com a teologia franciscana? Quando se fala de uma teologia agostiniana ou tomista, trata-se de um trabalho teológico pessoal de Santo Agostinho e de Santo Tomás. O mesmo não se pode dizer de São Francisco, pois ele não se ocupou do trabalho teológico em sentido estrito. Em Francisco, encontram-se, antes, intuições teológicas que, embora profundas, não foram elaboradas ou explicitadas por ele próprio. Tais intuições constituiriam uma pré-ciência ou, mais precisamente, uma pré-teologia, no sentido de um conjunto de elementos (uma visão ainda não científica da realidade) que são condições de possibilidade ou horizontes para o desenvolvimento (elaboração) de uma teologia específica, diferenciada de outras. Foram os seguidores de Francisco, os que tinham por tarefa o trabalho teológico – talvez inconscientemente, mas com toda certeza imbuídos e portadores daquelas intuições (pré-teologia) de Francisco -, que as elaboraram em linguagem estritamente teológica.

3. O labor teológico, compreendido por Francisco em sua intuição originária como estudo da “divina escritura” (cf. Ad 7) – a teologia também chamada na Idade Média de sacra página -, tinha finalidade eminentemente prática, a saber, o seguimento da “divina escritura”, que outra coisa não era que o seguimento de Jesus Cristo. Uma compreensão da teologia segundo a concepção aristotélica de ciência que, estava sendo amplamente aceita nas universidades teológicas, via como finalidade precípua da teologia a contemplação da verdade eterna.

Boaventura, fiel à intuição prática de Francisco, coloca a finalidade da teologia no aqui e agora, no concretamente histórico: pela teologia, “o homem seja dirigido naquilo que deve conhecer e praticar” (cf. Breviloquium, Pr. 4,5); finalidade da doutrina é que “nos tornemos bons e nos salvemos” (ut boni fiamus et salvemus) (cf. ibid. 5,2). Essa concepção prática da teologia envolve a existência daquele que faz teologia. Duns Scotus vai afirmar mais tarde a orientação da teologia para a práxis. “A teologia é uma ciência prática, quando a inteligência prática indica a retidão do próprio conteúdo como um bem [...]; o objetivo primeiro da teologia é o fim último do qual a inteligência extrai os princípios reguladores da práxis” (cf. Manual de Teologia Franciscana, p.70).

4. Outro elemento da intuição originária de Francisco que encontra as mais sublimes elaborações por parte de seus seguidores é o tema da encarnação. Sabe-se que o grande divulgador e impulsionador da devoção para com a humanidade de Cristo foi Francisco. É verdade que, antes dele, São Bernardo de Claraval chamava a atenção para o Cristo homem. Mas foi Francisco que, de fato, introduziu de novo o Cristo homem na vida da Igreja. Basta recordar a celebração do Natal em Greccio, sua meditação constante da paixão (compôs inclusive um Ofício da Paixão), sua reverência para com a eucaristia, considerada por ele como continuação da encarnação do Verbo.

E são exatamente os teólogos franciscanos, a partir da primitiva escola franciscana de Paris, que já procuram uma elaboração teológica alternativa à tese hamartiocêntrica (centrada no pecado) de Santo Anselmo, tese amplamente difundida e aceita na Idade Média, até que magistralmente superada por Duns Scotus, que bem poderia ter o título de teólogo da encarnação.

Igualmente, a intuição teológica de Francisco que vê a corporeidade humana criada à imagem do Filho (Ad 5) conduzirá a primeira escola franciscana de Paris a superar a tese agostiniana de que somente a alma é imagem e semelhança de Deus. Para os seguidores de Francisco (Summa Fratris Alexandri), o ser humano em sua totalidade (corpo e alma) é imagem e semelhança de Deus. Boaventura, ancorado no otimismo de Francisco diante de todas as criaturas, aprofundará a questão em sua tese da exemplaridade: todos os seres foram criados segundo o exemplo (modelo) do Verbo, portanto, também o corpo humano. E Duns Scotus desenvolverá sua teologia da criação, que é fruto do querer (amor) absolutamente livre de Deus, sendo o ser humano (na sua totalidade) predestinado com Cristo não para o pecado, mas para a glória (beatitude, participação da vida trinitária).

5. Todos estes exemplos, sem a pretensão de serem comprovativos, são pelo menos indicativos de que uma intuição teológica originária de Francisco é que está na base, como ponto de partida para uma elaboração teológica que se pode denominar de teologia franciscana. E esta, por coincidência ou por algo que lhe é próprio, se tem manifestado na história como um pensamento alternativo; não no sentido de heterodoxia, mas no sentido de abrir horizontes, de aprofundar temas e de apresentar novas impostações para os problemas teológicos.

Fonte – Revista Santa Cruz, nº 4, 2007, p. 201-203

Extraído de http://www.franciscanos.org.br/noticias/noticias_especiais/teologia_0208/ acesso em 15 fev. 2009.

Ilustração: São Boaventura / por Francisco de Herrera, o Velho. 1628.


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